Apesar do julgamento histórico, entre os juristas persiste o sentimento de alerta e desconfiança, mesmo quando a decisão da Corte seja definitiva e capaz de resolver uma questão estrutural da maior farsa jurídica da história do país

 

Por Carol Proner

O dia 23 de março de 2021, quando a 2ª Turma do STF reconheceu e sentenciou a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, deve ser considerado sinônimo de resistência aos abusos autoritários do sistema de justiça. O dia em que a legalidade venceu a barbárie jurídica. O dia em que o conjunto das forças políticas, sociais e populares, ao lado de exímia condução técnica dos processos movidos contra Lula, foi capaz de vencer a politização do direito travestido em sentenças e condenações seletivas.

O julgamento deve ser celebrado e nos inspirar a uma nova fase de luta pela democracia no Brasil. Isso é o que nos ensinam as lideranças políticas organizadas em torno da luta pelo Lula Livre. Nesse ponto, da estratégia de organização para trilhar o longo caminho, não há que se hesitar em reconhecer a potência deste momento que, somado ao esplêndido discurso de Lula da semana anterior. Isso tudo nos renova a esperança.

Levantar “mas”, “porém” é vício de profissão. É também consequência do  trauma vivido nestes longos cinco anos em que fomos traídos na nossa confiança garantista, acusados de ingênuos por acreditar na força da Constituição e na Justiça. É compreensível, portanto que, ao menos entre os juristas, persista o sentimento de alerta e desconfiança, mesmo quando a decisão da Corte seja definitiva e capaz de resolver uma questão estrutural da maior farsa jurídica da história do país.

Os setores punitivistas têm se organizado. As forças midiáticas de apoio a Sérgio Moro inventam indulgências e vênias ao comportamento suspeito do ex-juiz. Também prosseguem as movimentações anômalas na mesma 13ª Vara de Curitiba. Mesmo em mãos de outro magistrado, parece definitivamente contaminada pelo vício da suspeição. Recentemente, veio a público uma carta de procuradores que envergonham o Ministério Público, declarando apoio à Lava Jato, fazendo pouco caso dos desmandos dos colegas do MPF de Curitiba.

Nesse sentido, e mesmo com a potência da decisão, há sinais de que a luta será longa. A cultura lavajatista busca sobreviver e afirmar-se como paradigma: a usura das instituições, a malandragem jurídica para driblar garantias, o vale-tudo no ringue das audiências… tToda essa farsa travestida de “combate à corrupção” ainda encontra defensores entre procuradores, juízes e jornalistas. Sinais de um tempo em que o judiciário autoritário respalda a austeridade e o autoritarismo político.

Os efeitos da Lava Jato são desastrosos por afetarem o tecido empresarial e de empregos na construção civil, além do setor de petróleo e gás, sob o argumento legítimo do combate à corrupção. Os estudos do Dieese encomendados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) comprovam a desestabilização econômica e o desinvestimento.

Somos a favor do combate à corrupção. Repetimos isso a cada debate sobre a Lava Jato. Mas não destruindo a economia e as opções de participação política da Nação. É importante combater a corrupção com transparência, com autonomia da Polícia Federal e do Ministério Público, mas sem violar tratados de cooperação penal que vulneram a soberania do país.

Haverá tempo para que as consequências da Lava Jato sejam efetivamente compreendidas e responsabilizadas pouco a pouco, em cada espaço institucional. No futuro, com o restabelecimento de regras do Estado Democrático de Direito, haverá tempo para a responsabilização dos crimes que foram cometidos contra os interesses nacionais, bem como para o enfrentamento das vulnerabilidades na repartição de competências que implicam um combate “soberano” e “independente” à corrupção.

Por ora, celebremos. Não há duvidas de que devemos nos alimentar das avaliações de lideranças políticas e da percepção clara de que Lula ressurge, pleno em seus direitos, no momento em que o Brasil mais precisa. O discurso entusiasmado, iluminado de otimismo e vontade, acendeu a confiança de que podemos derrotar o fascismo que assola o país pelas mãos de um criminoso de lesa humanidade.

Advogada, é professora da UFRJ e fundadora da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia.