Brasil mergulha no precipício, prestes a atingir a marca de 3 mil mortes diárias, enquanto Bolsonaro troca o ministro da Saúde. Nada parece fazê-lo mudar de conduta e livrar-se do negacionismo. “É a maior crise sanitária da história do país“, diz a Fiocruz. O mundo se assusta com o destino do gigante da América Latina

 

O agravamento da pandemia no Brasil ganhou contornos dramáticos nos últimos dias, com a piora progressiva das condições de enfrentamento do surto de Covid-19. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro se mantém indiferente à crise sanitária, 26 estados entraram em colapso, com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. O resultado é a elevação das taxas de óbitos. Em apenas uma semana, o país ultrapassou a marca de 2 mil para 3 mil mortes por dia.

Em boletim extraordinário divulgado na terça-feira, 16, a Fiocruz traz nova análise a respeito do estágio da pandemia de Covid-19 no país. E, segundo a avaliação de pesquisadores da instituição, o país passa hoje por uma “situação gravíssima”, configurando o maior colapso sanitário e hospitalar de sua história.

A Fiocruz destaca que, entre as capitais brasileiras, 25 das 27 estão com taxas de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 para adultos iguais ou superiores à marca de 80%. Destas, 19 estão acima de 90%. A instituição chama a atenção para a necessidade de serem tomadas iniciativas como de prevenção e controle, como o maior rigor nas medidas de restrição às atividades não essenciais e a ampliação de medidas de distanciamento físico e social, além do uso de máscaras em larga escala e um ritmo mais acelerado de vacinação.

No mesmo dia, o presidente anunciou a troca no comando do Ministério da Saúde. Sai o General Eduardo Pazuello e entra o médico cardiologista Marcelo Queiroga. A troca chegou a trazer esperanças nos atores políticos de que o governo iria mudar os rumos na condução da crise sanitária. As expectativas, contudo, acabaram se desfazendo em menos de 24 horas. No primeiro dia de trabalho, Queiroga declarou à imprensa que seu trabalho é de continuidade e não se preocupou em sinalizar com mudanças na gestão da crise.

Ex-ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff, o médico sanitarista Arthur Chioro, que integra o Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas da Saúde (Napp-Saúde), ligado à Fundação Perseu Abramo, alerta: “Chegaremos a 500 mil mortos em julho”. Para Chioro, a gestão da Covid-19 no Brasil é uma “incompetência” que “tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro”. Ele diz que o Brasil lidera as estatísticas em número de casos. “Nos transformamos no epicentro da preocupação das entidades sanitárias pela situação de descontrole que vivemos”, afirmou, citando os alertas da Organização Mundial da Saúde.

O adiamento da possibilidade de adoção de um programa radical de isolamento social – a decretação de um lockdown rigoroso por algumas semanas – está agravando a crise. Bolsonaro descartou qualquer possibilidade de uma medida de restrição da circulação das pessoas. Em manifestação a apoiadores, na porta do Alvorada, ele declarou que estava feliz pelos protestos recentes nas ruas e redes sociais daqueles contrários ao lockdown. “Eles mostram que as pessoas estão vivas. Queremos nossa liberdade, queremos que o mundo respeite nossa Constituição”, disse.

O mundo político está perplexo. Sem um plano de coordenação nacional para viabilizar um amplo confinamento da população brasileira, a crise sanitária irá se agravar, resultando na perda amarga de 4 mil vidas por dia. O alerta foi dado na quinta-feira, 18, pelo governador do Piauí, representante do Fórum de Governadores, Wellington Dias.

A advertência chega um dia depois de o Brasil superar a média móvel de 2 mil mortes diárias – foram 2.978 mortes – e passar das 285 mil vidas perdidas. Também foi registrado recorde de novos casos, que chegaram a 90,8 mil infecções em apenas um dia.

Todos os estados e o Distrito Federal, com exceção de Roraima e do Rio de Janeiro, estão com as redes de saúde em colapso. Para Wellington Dias, a fim de viabilizar uma saída para a crise e estancar o surto, Bolsonaro precisa sair do negacionismo e mudar radicalmente a atuação do governo diante da pandemia do novo coronavírus.

“Os estados brasileiros estão adotando essas medidas até domingo – alguns terão medidas ainda depois”, explicou o governador. “Agora, falta o governo federal. Seriam importantes medidas em relação a aeroportos, portos, ferrovias, ao próprio serviço público federal, que definisse o que são serviços essenciais para que tivéssemos medida mais uniformes do Brasil inteiro”, ressaltou.

A Fiocruz chama a atenção para a necessidade de serem tomadas iniciativas de prevenção e controle. “Ainda que alguns governadores e prefeitos venham realizando esforços no sentido da abertura de leitos de UTI para o atendimento de pacientes com Covid-19, os limites da estratégia frente ao crescimento de casos são postos em xeque ao se constatar a estabilidade da maior parte dos estados e do Distrito Federal em níveis muito elevados de taxas de ocupação dos leitos de UTI Covid-19, assim como o crescimento verificado em outros estados na última semana”, alerta o boletim da organização.

A gravidade da situação brasileira, uma ameaça mundial ao combate à pandemia, está no centro das preocupações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Há meses a organização vem manifestando a importância do controle sanitário para a segurança do Brasil, de países vizinhos e mesmo de outros continentes. Há duas semanas, o diretor da OMS Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu rigor ao governo brasileiro na gestão da crise. “Se o Brasil não levar à sério, então continuará afetando todos os vizinhos, e além”, afirmou. Não se trata apenas do Brasil. É sobre toda a América Latina e o mundo”, constatou Ghebreyesus.

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