Casos de HIV e AIDS podem passar dos 3 milhões até 2030, por Luiz Gustavo Pires
Segundo relatório da Unaids, fracasso em atingir metas globais para combater o HIV pode resultar em 3,3 milhões novas infecções entre 2025 e 2030. Mas o Brasil pode liderar como exemplo

Dia 1º de dezembro e chegamos, enfim, ao mês vermelho. Do Natal? Também. Dezembro traz consigo a marca do Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Ainda que tenha havido avanços no Brasil, o mundo parece querer ir na direção contrária, um verdadeiro paradoxo.
Em 2023, o Brasil reduziu o número de transmissão vertical do HIV (de mãe para filho) e o Ministério da Saúde solicitou a certificação da OPAS/OMS. No mesmo ano, a taxa caiu para menos de 2%, e a incidência de HIV em crianças foi inferior a 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos.
Na última terça-feira (25), o Programa Conjunto das Nações Unidas (Unaids) divulgou o relatório do Dia Mundial da Luta contra a AIDS 2025: Eliminar as barreiras, transformar a resposta à AIDS, no qual detalha as principais reduções no financiamento do tratamento e o impacto no longo prazo dessas ações ou não-ações. O estudo mostra que as graves reduções em financiamento internacional ao tratamento e prevenção do HIV em 2025 aprofundaram os déficits de financiamento existentes. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que a assistência externa à saúde deverá cair entre 30% e 40% em 2025 em comparação com 2023, causando interrupções imediatas e ainda mais graves nos serviços de saúde em países de baixa e média renda. O progresso, que parecia muito real e próximo, também se revelou bastante frágil e tênue.
Hoje, 40,8 milhões de pessoas vivem com HIV em todo o mundo, 1,3 milhão de novas infecções ocorreram em 2024 e 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento.
“A crise de financiamento expôs a fragilidade do progresso que lutamos tanto para alcançar”, disse a diretora executiva da UNAIDS, Winnie Byanyima.
Em agosto deste ano, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a decisão de suspender os recursos do país para financiar programas de HIV, como o Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o alívio da AIDS. Essa decisão impacta diretamente países africanos e até mesmo o Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS), alertou para uma possível “ameaça global” e indica que a decisão põe em risco cerca de 30 milhões de pessoas por todo o mundo.
Colapso global do financiamento
Os dados do relatório mostram que os cortes de financiamento neste ano impactam diretamente a vida de quem mais precisa. Estima-se a queda de 30–40% na ajuda internacional em 2025; a suspensão temporária de repasses pelo maior doador global, responsável por 75% do financiamento, gerando fechamento de serviços e perda de acesso imediato a prevenção e tratamento; quedas drásticas no acesso à PrEP em países como Burundi (-64%), Uganda (-31%) e Vietnã (-21%); ao redor do mundo redes comunitárias foram totalmente desmanteladas e mulheres foram especialmente atingidas, acumulando o aumento da transmissão vertical onde programas foram interrompidos.
Um panorama do enfrentamento à epidemia de AIDS no Brasil
Não é possível enfrentar epidemias sem democracia e políticas públicas. O direito das pessoas vivendo com HIV depende de políticas públicas permanentes, que garantam assistência e tratamento vitalício. Desde o primeiro caso de AIDS no Brasil, em 1983, foram os movimentos populares, as organizações da sociedade civil, os coletivos e defensores da democracia que estiveram na linha de frente do combate ao estigma, ao preconceito e da conquista de direitos. Em setembro do mesmo ano, foi organizado o Primeiro Programa de Controle e Prevenção da Aids do Brasil, no estado de São Paulo.
Em 1986, a OMS lançou uma ação global contra a aids, no mesmo ano foi fundada a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), por Herbert Daniel, e criado o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, tornando obrigatória a notificação de novos casos de aids.
Em 1988 foi instituído o 1º de dezembro como Dia Mundial de Luta contra a Aids, com o tema “Junte-se ao esforço mundial”. Junto à promulgação da Constituição Federal, nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê saúde para todas as pessoas.
O SUS é considerado um dos maiores sistemas de saúde públicos do mundo devido à quantidade de pessoas que atende: sete em cada dez brasileiros, aproximadamente 150 milhões de pessoas, recebem atenção e tratamento em saúde exclusivamente no SUS, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados referentes ao ano de 2019. O desmantelamento de programas estáveis durante os anos de governo Bolsonaro e também da nova crescente global evidencia o risco iminente de colapso, o descrédito do SUS, o estigma e o ódio que inflamam ainda mais essa realidade.
O HIV é tratável e AIDS pode já não ser mais a realidade de muitas pessoas
Primeiro, para te inserir neste debate, é de extrema importância que se saiba que HIV é diferente de AIDS. HIV é a sigla para vírus da imunodeficiência humana, transmitido principalmente por relações sexuais. Embora não exista cura, o tratamento, chamado de terapia antirretroviral (TARV), é fundamental para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com o vírus. Além disso, ele contribui para diminuir as chances de transmissão do HIV e pode evitar que a pessoa desenvolva a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. O UNAIDS lembra que, sem acesso contínuo à TARV, o risco de doença avançada aumenta — e muitos dos cortes anunciados globalmente podem levar exatamente a essa perda de acompanhamento.
Prevenção combinada já é fato
Durante os anos, os métodos de prevenção têm aumentado significativamente, além das prevenções combinadas, comprovadas cientificamente e com total eficácia. Dentre os métodos de prevenção, o SUS promove a testagem para o HIV, a Profilaxia Pré-exposição (PREP) que consiste no uso preventivo de medicamentos antirretrovirais antes de eventual exposição sexual ao HIV. Usada com orientação médica e da maneira correta, a PrEP tem mais de 90% de eficácia na prevenção, Profilaxia Pós-exposição (PEP) – uso de medicamentos antirretrovirais em até 72 horas após uma situação de possível contato com o HIV. A PEP é oferecida gratuitamente em serviços de atendimento de emergência ou em Serviços de Atendimento Especializados (SAE). A Prevenção da transmissão vertical, na qual gestantes devem fazer o teste de HIV no pré-natal e no parto. Se o exame for positivo, a gestante deve receber tratamento adequado para evitar a transmissão do vírus para bebê durante a gestação, o parto ou a amamentação. Além disso, o recém-nascido também deverá tomar medicação nas seis primeiras semanas de vida e será necessário substituir a amamentação por leite artificial ou humano processado em bancos de leite.
O Brasil na contramão dos danos
Enquanto o mundo retrocede na prevenção e tratamento, o governo federal junto ao Ministério da Saúde dá aulas. Na virada 2023-2025, o governo investiu com compromisso nesta área de saúde. Em janeiro de 2023, a então ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou o decreto nº 11.358, que reorganiza o Ministério e, entre outras determinações, restabelece o Departamento de Vigilância de IST/AIDS e Hepatites Virais, com base no artigo 43, o restabelecimento do departamento, ficou firmado o compromisso de: propor a formulação e a implementação de políticas, diretrizes e projetos estratégicos quanto à:
I – a) promoção das ações de vigilância, de prevenção, de assistência e de garantia do direito à saúde das populações vulneráveis e das pessoas com Aids; e
b) promoção e fortalecimento da integração com as organizações da sociedade civil, nos assuntos relacionados às infecções sexualmente transmissíveis e a Aids;
II – coordenação o Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais;
III – monitoramento do padrão epidemiológico das infecções sexualmente transmissíveis e da Aids;
Entre outros pontos de convergência para prevenção, controle e tratamento das infecções.
Além disso, em 2024, o Ministério da Saúde atualizou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), para o uso da profilaxia pré-exposição (PrEP)
Segundo Artur Kalichman, coordenador-geral de Vigilância do HIV e da Aids do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (CGHA/Dathi), o objetivo das atualizações é otimizar o atendimento ao usuário e disponibilizar diferentes modalidades de PrEP.
“Ampliar a oferta da profilaxia é uma das nossas estratégias centrais para a eliminação da transmissão do HIV e da aids como problemas de saúde pública no Brasil”, aponta. Artur também destaca que a nova versão do documento faz referência à possibilidade de diversificação na oferta da PrEP, incluindo outros pontos da rede de atenção à saúde e modelos diferenciados de cuidado, como a inclusão da Atenção Primária à Saúde (APS) e do teleatendimento.



