Levantamento mapeia anseios de profissionais de diferentes setores e aponta crescimento do “empreendedorismo por necessidade” 

Com aumento da precarização, trabalhadores querem proteção e direitos
Rovena Rosa/Agência Brasil

Encomendada ao Vox Populi a partir de uma parceria da Central Única dos Trabalhadores com demais centrais e Fundação Perseu Abramo, a pesquisa “O Trabalho no Brasil” trouxe dados referentes à forma como os trabalhadores se relacionam com o tema, seus anseios e necessidades.

Com apoio do Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, foram ouvidas presencialmente 3.850 pessoas, entre assalariados, com e sem o regime CLT, autônomos, empreendedores, servidores públicos, desempregados e aposentados. 

O objetivo, de acordo com as entidades, é um mapeamento das questões sobre o empreendedorismo e os profissionais autônomos, como o trabalhador vê as condições de trabalho, a percepção atual sobre o emprego, jornada de trabalho, prioridades para ação sindical e políticas públicas voltadas ao trabalhador. 

Dentre os dados, um dos mais significativos é que 56% dos entrevistados autônomos que já trabalharam anteriormente como celetistas responderam que, com certeza, gostariam de voltar a ter a carteira assinada. 

“Isso é resultado direto da precarização do trabalho, que se aprofundou com a reforma trabalhista e os ataques à classe trabalhadora no governo anterior”, explica o presidente da CUT, Sérgio Nobre.

“Esse ‘empreendedorismo de necessidade’ tem crescido não porque simplesmente as pessoas desejam abrir um negócio próprio, mas porque não encontram vagas formais que atendam suas necessidades de renda, jornada e proteção social. As pessoas são empurradas para o trabalho por conta própria porque o mercado formal não tem gerado oportunidades em quantidade e qualidade suficientes”, afirma Nobre. 

Na avaliação dos entrevistados, um bom emprego é classificado como aquele que oferece um salário digno, estabilidade de renda, flexibilidade de horário e a possibilidade de fazer o que se gosta, com propósito.

Entre as categorias que estão fora do mercado de trabalho formal, como as mulheres que desempenham tarefas de cuidados e estudantes, a maior parte aponta que gostaria de ingressar no regime CLT: 52% das mulheres e 57% dos estudantes. No recorte dos profissionais autônomos, 55% opinaram que poderiam voltar a ter carteira assinada. O menor índice está relacionado aos empreendedores, apenas 32% das pessoas que já possuem um negócio próprio se mostraram dispostas a ter a carteira assinada. 

Empreendedorismo de necessidade

A pesquisa trouxe entrevistas com trabalhadores que denominam-se empreendedores em diferentes áreas como: ambulantes, trabalhadores da construção civil, cabeleireiros, comerciantes, cozinheiros e artesãos. 

No levantamento, dentre as principais motivações respondidas para entrar no universo empreendedor ou autônomo estão: “precisava ajudar complementar a renda para ajudar a família”, “flexibilidade de horários”, “ganhar mais dinheiro”, “falta de oportunidades na área de formação”e “não gosto de ter patrão”. 

O presidente da CUT, Sérgio Nobre, comenta as causas da falta de atratividade das vagas celetistas. “A reforma trabalhista, aliada à redução da fiscalização do trabalho, contribuiu para a desregulamentação e precarização, diminuindo a atratividade dos empregos com carteira assinada em ambientes de trabalho marcados por assédio e relações autoritárias. Ou seja, os empregadores oferecem baixos salários, pouca proteção e fazem altas exigências de qualificação profissional, muitas vezes inadequadas e exageradas em relação à vaga”. 

O sindicalista completa: “nesse cenário, muitos trabalhadores deixaram de ver no emprego formal uma alternativa compatível com sua vida e suas necessidades imediatas, o que levou ocupações autônomas e trabalhos por conta própria a se tornarem saídas possíveis, enquanto o discurso do empreendedorismo passou a romantizar situações de sobrevivência econômica”.

Pejotização do trabalho

Além do movimento na direção do empreendedorismo, existe também um processo de crescimento da informalidade no setor privado a partir da chamada “pejotização”, que é quando o profissional é obrigado a abrir uma empresa, porém cumpre tarefas cotidianas enquanto funcionário, sujeito à hierarquia, com horários fixos, porém sem os direitos trabalhistas.

A categoria dos jornalistas convive com o fenômeno há pelo menos duas décadas, relata Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. 

“Apesar das relações de trabalho terem mudado, com novas tecnologias responsáveis por mudanças sociais e econômicas, ter uma legislação que normatiza a relação de trabalho, as pessoas terem esse direito, é sem dúvida, independente do salário e da profissão, um instrumento que segue adequado no mundo em que a gente vive hoje, mesmo com todas as mudanças”, defende o presidente do SJSP. 

Tanji explica que no período anterior ao golpe sofrido por Dilma Rousseff as denúncias contra essa modalidade eram investigadas na justiça trabalhista, mas que, desde a reforma trabalhista, ficou muito mais escassa a fiscalização e que a pejotização afeta principalmente os profissionais com salários mais baixos. 

“Se o STF ratificar a validade da pejotização aí seremos confrontados com a barbárie porque a livre negociação entre o trabalhador e a empresa simplesmente não existe”, opina Thiago Tanji. 

No Supremo Tribunal Federal, há um julgamento em andamento do futuro de um conflito jurídico que se estende nos últimos anos sobre os direitos dos profissionais autônomos contratados por fora da CLT, são mais de 15 milhões de trabalhadores nessa lacuna. A Justiça do Trabalho reconhece os vínculos empregatícios, enquanto a corte tem a tendência favorável às empresas contratantes nas decisões. 

O presidente da CUT explica que “a pejotização é frequentemente usada para substituir vínculos empregatícios formais, mesmo quando estão presentes todos os elementos do trabalho assalariado, como subordinação, habitualidade, pessoalidade e remuneração”.

“Ao abrir mão das contribuições completas ao sistema previdenciário, o trabalhador reduz sua proteção social, o que compromete benefícios fundamentais, como auxílio-doença, licença-maternidade e, no longo prazo, reduz o valor da aposentadoria ou até inviabiliza o acesso ao benefício. As empresas, ao utilizarem essa forma de evasão fiscal, comprometem a sustentabilidade da seguridade social brasileira. Esperamos que não se torne uma tendência permanente, que o STF coloque um ponto final nesse tema”, defende Sérgio Nobre.