PL do Streaming: setor audiovisual pressiona Senado por ajustes na regulação
Produtoras independentes defendem mudanças na Condecine, redução de prazos e proteção do patrimônio intelectual brasileiro

A Câmara dos Deputados aprovou, em 5 de novembro, o texto-base do PL 8889/17, que regulamenta o serviço de streaming audiovisual, agora em análise no Senado. O streaming permite a transmissão de conteúdo multimídia pela internet sem necessidade de download.
Atualmente, as plataformas operam no Brasil sem legislação que estabeleça cotas de conteúdo nacional ou recolhimento de contribuições setoriais, ao contrário da TV por assinatura.
O projeto define uma Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) de até 4% sobre a renda bruta das plataformas com faturamento superior a R$ 350 milhões.
Permite ainda a dedução de até 60% da contribuição se o valor for destinado à aquisição de conteúdo brasileiro independente. Desse total, 40% podem ser usados para obras originais encomendadas pelas plataformas a produtoras brasileiras.
Os recursos da Condecine serão distribuídos regionalmente: 30% para produtoras independentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; 20% para Sul, Minas Gerais e Espírito Santo; e 10% para São Paulo e Rio de Janeiro, excluindo as capitais.
Para plataformas de compartilhamento, como o YouTube, a alíquota máxima será de 0,8%. O texto também exige que 10% do catálogo seja composto por obras brasileiras, metade delas independentes, com prazo de implementação em seis anos.
O setor audiovisual pressiona o Senado por ajustes considerados essenciais: aumento da alíquota da Condecine, redução do prazo para cumprimento da cota de conteúdo brasileiro e revisão da dedução de até 60% da contribuição.
Impacto nas produtoras independentes
Para Minom Pinho, diretora federal da Associação Paulista de Cineastas, o Brasil é o segundo maior mercado de streaming em número de assinantes, mas a presença de conteúdo nacional nos catálogos é mínima. Ela defende a redução do prazo de seis para dois anos. “É um Brasil que não se vê na tela. A gente deixou de ver nossa cultura e nossa língua, porque hoje essa presença é mínima”, afirma.
Minom também destaca que a entrada das grandes plataformas desorganizou a indústria cinematográfica nacional e considera a alíquota de 4% insuficiente. “Na França, são 25%. E ainda se permite que uma parte dos recursos seja usada livremente pelas plataformas.”
Tiago de Aragão, da Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro, avalia que o texto aprovado ameaça políticas de fomento historicamente voltadas à produção independente. Ele lembra que, quando o Fundo Setorial do Audiovisual financia uma obra, ela necessariamente pertence a uma produtora brasileira.
“Se uma plataforma estrangeira decide sair do país, nenhuma autoria ou patrimônio da obra fica no Brasil. O que importa é quem detém o direito útil à propriedade intelectual”, diz. Para ele, permitir dedução para obras que serão patrimônio das big techssignifica usar recursos públicos para financiar produções de titularidade estrangeira.
Pontos negociados com o governo
O diretor-geral do Canal Curta!, Julio Worcman, afirma que o projeto ignora princípios centrais da Lei 12.485/2011, criada para promover a produção independente. “Entre 2015 e 2024, canais brasileiros de espaço qualificado exibiram 64% de toda a produção independente da TV por assinatura. A lei funcionou”, afirma.
Worcman critica o limite imposto à obrigação de carregamento desses canais, restrita a provedores com faturamento superior a R$ 500 milhões. “Apenas um provedor brasileiro chega a esse patamar. Isso vai reduzir a capilaridade dos canais e prejudicar a circulação da produção independente.” Ele também defende isonomia comercial entre canais brasileiros e estrangeiros.
O Ministério da Cultura afirmou, em nota, que o texto aprovado não é o ideal, mas representa o avanço possível no cenário político atual. Segundo o MinC, o governo atuou para “reduzir danos e assegurar avanços significativos”, e seguirá trabalhando para um marco regulatório “moderno, justo e fortalecedor da produção nacional e independente”.
Na manhã da votação, MinC e Ancine reuniram-se com o relator do PL, deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), e negociaram ajustes considerados essenciais: retomada do percentual de reinvestimento em 60%, redução do prazo de implementação da cota de catálogo de oito para seis anos e retorno do modelo de regionalização presente nas versões anteriores.
Após a apresentação do novo relatório, MinC e Ancine elaboraram documento técnico que identifica pontos críticos, propõe aprimoramentos e consolida o diálogo com o setor audiovisual e com o Congresso como parte do compromisso do governo com uma construção democrática e transparente.



