A queda global do dólar, a valorização do real e os recordes do Ibovespa refletem mudanças no sistema monetário internacional e abrem espaço para novos arranjos econômicos defendidos pelo Brasil

Ibovespa em alta e dólar em baixa: o que indica a nova fase econômica
Dólar: a moeda norte-americana acumula queda de 14,68% em 2025 Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Enquanto o Ibovespa registra seu 12º recorde consecutivo e o dólar comercial recua para R$ 5,27, menor nível em 17 meses, o Brasil atravessa um momento relevante na conjuntura econômica. A moeda norte-americana acumula queda de 14,68% em 2025, ao mesmo tempo em que a bolsa brasileira alcança 158.749 pontos, a maior sequência de altas desde 1994.

Para compreender a dimensão desse cenário, é preciso voltar à formação do poder monetário internacional após a Segunda Guerra Mundial. Em palestra recente na Universidade de São Paulo, o professor José Kobori descreveu esse processo como um “jogo de monopólio global”, no qual os Estados Unidos emergiram como única economia com plena capacidade de reconstrução rápida e emissão de moeda em escala global.

O “jogo” do pós-guerra

Com sua estrutura produtiva preservada, os Estados Unidos consolidaram, nos acordos de Bretton Woods, o papel do dólar como principal referência monetária mundial. John Maynard Keynes chegou a propor uma solução que combinaria políticas fiscais, instrumentos anticíclicos e uma cesta de moedas internacionais, mas prevaleceu o modelo que centralizou no dólar a função de meio de pagamento, unidade de conta e reserva de valor.

A ruptura desse arranjo ocorreu em 1971, quando os EUA abandonaram o padrão-ouro e transformaram o dólar em moeda totalmente fiduciária. O modelo do petrodólar ampliou a circulação internacional da moeda e fortaleceu sua posição no sistema financeiro global, permitindo aos EUA emitir dívida sem impactos proporcionais sobre sua economia interna — fenômeno conhecido como “privilégio exorbitante”.

Mudanças em curso

Os primeiros sinais de esgotamento desse arranjo ganharam força após a crise financeira de 2008. Em 2025, a tendência se aprofunda: o DXY, índice que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de moedas internacionais, apresenta queda, acompanhada da valorização de moedas emergentes, entre elas o real. O euro também recuou frente ao real, atingindo o menor valor desde fevereiro.

No primeiro semestre de 2025, o dólar registrou seu pior desempenho em cinco décadas no principal indicador global da moeda. A trajetória não reflete apenas fatores domésticos dos EUA, mas uma reorganização mais ampla das relações econômicas internacionais, marcada por novas coalizões de países e mudanças na lógica do comércio e dos fluxos financeiros.

O Brasil nesse contexto

O comportamento positivo do real ocorre mesmo em meio ao impacto das tarifas impostas pelo governo de Donald Trump a produtos brasileiros, como aço e alumínio. Internamente, o IPCA de outubro subiu 0,09%, menor variação para o mês desde 1998, e a inflação acumulada em 12 meses atingiu 4,68%, dentro da meta definida pelo Banco Central. O resultado reforçou expectativas de redução da taxa Selic ao longo de 2026.

Medidas que reduzem o risco fiscal nos Estados Unidos e o avanço de negociações no Congresso americano também contribuíram para a queda global do dólar. Em paralelo, mercados emergentes voltaram a atrair investimentos, movimento que fortalece suas moedas e estimula a atividade econômica local.

Efeitos para a economia real

Com a valorização do real, produtos importados tendem a ficar mais acessíveis, viagens internacionais se tornam menos onerosas e a pressão inflacionária diminui. Empresas que utilizam insumos importados têm alívio de custos, enquanto setores exportadores ajustam sua competitividade em um cenário de câmbio mais favorável ao mercado interno.

O professor Kobori destaca que, no sistema atual, países periféricos enfrentam restrições estruturais para acumular capital e diversificar suas economias, permanecendo dependentes de exportações de baixo valor agregado. A reorganização monetária em curso, impulsionada por países do grupo Brics e por debates sobre meios alternativos de pagamento internacional, sinaliza a possibilidade de um sistema menos concentrado.

O governo brasileiro tem defendido, em fóruns internacionais, a necessidade de instrumentos financeiros que reduzam a dependência do dólar. Como afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião recente: “Nenhum organismo internacional definiu que o dólar deve ocupar esse papel exclusivo. É uma escolha histórica que pode ser revista.”

No Brasil, a população já percebe efeitos diretos de um ambiente econômico mais estável e de uma política monetária em transição. O comportamento dos índices e a reconfiguração do sistema global serão fatores determinantes nas discussões econômicas e políticas dos próximos meses.