Enquanto nas redes sociais é disseminado o discurso do empreendedorismo contrário à universidade como solução para ascensão social, Brasil tem cerca de 60% dos jovens fora do ensino superior

Em um país desigual no acesso, influenciadores pregam abandono escolar 
Foto: Arquivo/Agência Brasil

A onda dos “coaches da internet”, que vendem a ideia do empreendedorismo nas redes como solução para ascensão social, já é um fenômeno conhecido. Junto a esta categoria, há o avanço das “tradwifes”, mulheres que pregam o retorno a um modelo de casamento baseado na submissão feminina. Para completar o time da influência digital em alta no algoritmo, surge outro perfil: os chamados “coaches mirins”. 

Jovens, na maior parte das vezes em idade compatível com o ensino médio, estes influenciadores oferecem dicas sobre ações do mercado financeiro e, principalmente, pregam um discurso perigoso, com afirmações de que a educação “não vale a pena”, não compensa, e que cursar uma universidade, na realidade, é coisa do passado. 

Com um linguajar que mistura palavras do ambiente corporativo, e com um tom utilizado em conteúdos neopentecostais, estes adolescentes vendem como promessa a conquista de milhões de reais a partir de trajetórias que passam longe da educação formal das universidades.

O discurso de abandono da escolarização, no Brasil, encontra uma realidade onde cursar o ensino superior ainda é considerado um privilégio para boa parte da população. De acordo com o último censo do IBGE, 32% responderam ter o ensino médio completo ou superior incompleto e 14% o ensino fundamental completo ou médio incompleto. 

Os que possuem o superior completo somam 18%, um número que cresceu significativamente nas últimas duas décadas; no ano 2000, apenas 6% dos brasileiros tinham cursado uma universidade. 

Mapa da escolaridade 

No detalhamento da PNAD Contínua, em 2024, a informação é de que apenas 40% dos jovens com idade de 18 a 29 anos estão estudando. Do total de 48 milhões de pessoas que estão nesta faixa etária, 39% apenas trabalham, 15% trabalham e estudam, 25% só estudam e 20% não estudam e nem trabalham (mais de 9 milhões de pessoas nessa situação).

A qualidade do ensino superior também é fonte de preocupação. De acordo com o Censo da Educação de 2024, promovido pelo Inep, houve uma explosão no número de cursos realizados na modalidade EAD (educação à distância). 

De 2014 a 2024, foi registrado um aumento de 284%. Em 2014, cerca de 2 a cada 10 estudantes de ensino superior estavam matriculados em cursos à distância. Em 2024, eram quase 7 a cada 10. 

Em 2024, foram ofertadas mais de 23 milhões de novas vagas no ensino superior no Brasil, mas apenas 25% delas foram preenchidas (cerca de 5 milhões de pessoas ingressaram). A proporção das vagas disponibilizadas foi de 95% em instituições privadas e 5% nas universidades públicas.

Liliane Bordignon, pesquisadora do Departamento de Educação da Fundação Carlos Chagas, aponta que ainda há poucas iniciativas para uma inserção feita com qualidade dos jovens no mercado de trabalho formal. A professora visitante da Unicamp comenta que o programa Jovem Aprendiz, que tem esse objetivo, tem se mostrado insuficiente para absorver a demanda, e que o Pé-de-Meia aparece como um reforço importante na política de manutenção dos jovens nos bancos escolares. 

Mobilidade social

Apesar da retórica, amplificada nas redes sociais, os dados mostram uma realidade diferente das promessas propagadas pelo contingente de coaches mirins, a de que, sim, vale a pena fazer faculdade atualmente no Brasil. 

O brasileiro formado no ensino superior ganha, em média, mais que o dobro (148%) de quem só cursou o ensino médio; com pós-graduação, pode-se ganhar um salário mais de quatro vezes maior (350%) na comparação com quem só se formou no ensino médio, segundo o relatório Education at a Glance, da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 

No entanto, a desigualdade social segue como marca. Em 2023, a organização fez um estudo que apontou que, considerando as condições atuais de renda, educação, trabalho e saúde, um brasileiro que integra a camada dos 10% mais pobres só tem a chance de ascender à classe média após nove gerações. 

“Se a pergunta for: ‘a universidade significa uma mudança completa de classe social?’ Aí podemos responder que não necessariamente”, pondera Liliane Bordignon.

A pesquisadora cita como métricas o nível de consumo, lugar de habitação, transporte, qualidade de vida e acesso ao lazer. “Nesse sentido, temos que colocar nessa equação a relação daquilo que a gente herda e o que conseguimos conquistar dentro da sociedade. Quando o indivíduo já tem um ponto de partida mais alto, já nasce nas camadas médias, e vai dali para cima, é muito mais fácil de fazer uma mobilidade dentro da classe. Para a classe trabalhadora, isso significaria, por exemplo, ter um aumento de renda, uma casa melhor em um bairro vizinho, mas não representa uma grande mobilidade social”, explica.  

Um dos pontos apresentados como fator de desânimo para ingressar em um curso universitário é traduzido em um levantamento publicado em 2022 pelo Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, que mostrou que quase 80% dos brasileiros com ensino superior que entraram no mercado de trabalho foram parar em cargos que exigiam, no máximo, o ensino médio completo. Ainda segundo o Dieese, mais de um milhão de brasileiros com ensino superior trabalhavam como lojistas e vendedores em 2022. A eles, somavam-se 86 mil motoristas de aplicativo e 70 mil entregadores de comida e outros produtos. 

Empreendedorismo

“A ideologia do empreendedorismo já está muito presente no debate escolar em diferentes dimensões, seja pelo currículo, que se transformou nos últimos anos e fez com que agora o empreendedorismo se transformasse em uma disciplina quase obrigatória, seja no bate-papo dos alunos, na fila da cantina”, afirma a pesquisadora.

Liliane Bordignon acredita que cabe aos educadores e outros profissionais que têm acesso aos jovens a conversa sobre as ponderações da escolha pela via empreendedora. 

“A maioria dos empreendedores brasileiros têm uma condição muito precária de trabalho, eles são responsáveis por todos os riscos derivados do trabalho, não têm férias, 13º salário, plano de saúde, seguro-desemprego, eles estão completamente desassistidos. Se ficam doentes, por exemplo, e não podem trabalhar, essa renda acaba, muito rapidamente, de uma hora para outra”, diz.