Cúpula dos Povos da COP30: vozes dos movimentos sociais prontas para ecoar em Belém
Cúpula dos Povos reunirá mais de dez mil participantes na COP30, com foco em enfrentar o modelo extrativista e o uso de combustíveis fósseis

Às margens da Baía do Guajará, Belém se prepara para receber, entre 10 e 21 de novembro de 2025, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). A capital paraense deverá se transformar no centro mundial das atenções, não apenas pela agenda diplomática, mas pelo reencontro entre a sociedade civil e o debate climático global.
Depois de três conferências marcadas por restrições a manifestações em Baku (Azerbaijão), Dubai (Emirados Árabes Unidos) e Cairo (Egito), a Amazônia promete ser o palco da maior mobilização popular já vista em uma COP.
Para Caetano Scannavino, ouvido pela Focus Brasil, coordenador do Projeto Saúde e Alegria (PSA), a realização da conferência na Amazônia pode “tirar os nossos líderes dessa letargia que está nos levando a um fim do mundo — ou, pelo menos, a um fim dessa humanidade”.
Paulista radicado há 37 anos em Santarém, Scannavino integra o Comitê Político da Cúpula dos Povos, coalizão que reúne 44 organizações e espera receber mais de 10 mil participantes na Universidade Federal do Pará (UFPA), sede do evento paralelo entre 12 e 16 de novembro.
“A gente vem de três COPs em países com restrição à participação popular. Não podia protestar em Baku, não podia protestar em Dubai, no Egito. E eu acho que a COP em Belém agora vai ser uma COP com o clamor da sociedade civil”, diz.

Belém quer ser o palco da virada climática
A Cúpula dos Povos funcionará como um espaço autônomo de mobilização, com programação intensa e aberta. Barcos vindos de comunidades ribeirinhas chegarão a Belém no dia 12, marcando o início das atividades. Nos dias 13 e 14, serão realizadas plenárias mundiais, seguidas da Marcha pelo Clima, no dia 15, e da leitura pública da Carta da Cúpula dos Povos, no encerramento, no dia 16.
O evento contará com alojamento para 7 mil pessoas, somando-se aos 3 mil indígenas hospedados com apoio do Ministério dos Povos Indígenas. A alimentação será preparada por cooperativas da agricultura familiar, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e por associações amazônicas ligadas à produção agroecológica.
Scannavino destaca que a expectativa é fazer de Belém “talvez a COP com maior mobilização e participação social de todos os tempos”, empurrando “os tomadores de decisão a sair dessa letargia”.
A Cúpula, segundo ele, se apresenta como um contraponto necessário à lentidão das negociações oficiais, trazendo para o centro do debate a conexão entre justiça climática e justiça social. “Sem o social não tem o ambiental”, resume.
Apesar do otimismo com a mobilização popular, Scannavino é cauteloso em relação aos resultados formais da conferência. “A conjuntura mundial não está favorável, ainda mais hoje com um governo negacionista norte-americano liderado por Donald Trump”, avalia.
Para ele, o verdadeiro teste da presidência brasileira da COP30 será ter coragem de enfrentar o tema dos combustíveis fósseis, responsáveis por 75% das emissões globais. “Se a presidência da COP conseguir colocar essa agenda na mesa — a agenda que ninguém quer conversar, que é ir à raiz do problema —, já será um avanço”, afirma.
Um novo modelo energético
A discussão sobre o modelo energético é uma das prioridades da Cúpula dos Povos. Scannavino reconhece que “o Brasil é um país que, do ponto de vista energético, tem uma matriz acima da média em termos de limpeza em comparação com outras nações desenvolvidas”, mas lembra que o tema precisa ser repensado. “No século passado, construímos hidrelétricas como a de Tucuruí para gerar energia para a indústria do alumínio”, afirma.
“Hoje, o Pará é o segundo maior produtor de energia do país, mas o paraense paga a maior tarifa elétrica do Brasil”, critica. Segundo ele, é preciso questionar o modelo: “A bicicleta de alumínio a gente importa, e o alumínio com impacto ambiental a gente paga — principalmente o povo indígena, quilombola e ribeirinho, que sofre o maior impacto.”
O ativista diz que a região está exaurida pelo extrativismo. “Aqui na Amazônia, estamos cansados de só extrair, extrair, extrair”, lamenta. Ele cita o exemplo das patentes de medicamentos originadas da floresta, majoritariamente registradas por empresas estrangeiras. “Boa parte delas é estadunidense, europeia ou chinesa”, observa.
A Cúpula dos Povos se consolida, assim, como um espaço para pressionar por avanços concretos na agenda climática, demonstrando que as soluções para a crise ambiental passam pelo enfrentamento das desigualdades sociais e pela valorização dos saberes tradicionais. “Para ter a escuta, precisa ter o grito. Parte da sociedade civil está se organizando para fazer o grito necessário”, conclui Scannavino.
Do barco-hospital à bioeconomia amazônica
Com quatro décadas de atuação em comunidades do Tapajós, o Projeto Saúde e Alegria levará para a COP30 exemplos que combinam saúde, educação, geração de renda e bioeconomia. “Muitas dessas soluções que a gente construiu junto com as comunidades para inclusão social hoje também podem ser entendidas como tecnologias de adaptação climática”, explica.
Entre as experiências apresentadas está o barco-hospital Abaré, modelo de atendimento fluvial que se tornou política pública nacional e inspirou quase 100 embarcações semelhantes em operação na Amazônia e no Pantanal. “O Saúde e Alegria é copyleft. Pode copiar o que deu certo aqui”, brinca o coordenador.

O projeto ganhou projeção internacional após ser acusado injustamente, em 2019, pelo então presidente Jair Bolsonaro, de “colocar fogo na Amazônia com apoio do ator Leonardo DiCaprio”.
A investigação, que durou três anos, inocentou completamente a equipe. “Desde essa acusação, há cinco anos, a gente conta com o apoio da fundação do Leonardo DiCaprio”, conta Scannavino, agradecendo com ironia ao ex-presidente por “nos ajudar a ser um fundraiser guy”.
Reconhecido internacionalmente, o PSA abrigou o atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, durante os seis anos em que ele viveu na região. O ministro retornou recentemente à comunidade de Cachoeira do Aruã, em Santarém (PA), para inaugurar uma nova UBS da Floresta, inspirada nas ações do projeto.



