CPMI do INSS revela omissão do governo Bolsonaro diante de fraudes bilionárias
Com depoimentos e documentos, comissão revela que irregularidades denunciadas desde 2019 foram ignoradas por ex-dirigentes e ex-ministros do governo Bolsonaro

A CPMI do INSS ouviu nesta semana novos depoimentos que reforçam a omissão do governo Bolsonaro diante das fraudes bilionárias que atingiram milhões de aposentados e pensionistas em todo o país.
As revelações confirmam que dirigentes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ex-ministros ignoraram alertas e autorizaram o retorno de entidades suspeitas, mesmo após denúncias e bloqueios determinados por órgãos de controle.Na sessão de quinta-feira (16), o empresário Cícero Marcelino de Souza Santos confirmou ter aberto empresas para atuar junto à Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), presidida por Carlos Roberto Lopes.
Apontado pela Polícia Federal (PF) como assessor direto de Lopes, Cícero relatou que conheceu o dirigente em 2015, quando trabalhava como vendedor de ternos. Segundo o relator da CPMI, documentos comprovam que ele e a esposa receberam cerca de R$ 300 milhões da Conafer por meio de suas empresas.
As investigações da PF indicam que a Conafer desviou R$ 57 milhões de aposentados e pensionistas entre 2020 e 2021, em plena pandemia. O período coincide com o auge do isolamento social, quando os idosos, principais vítimas do esquema, enfrentavam dificuldades financeiras. As denúncias foram reiteradas diversas vezes sem que qualquer providência fosse tomada pelo governo Bolsonaro.
Protegida por decisões internas e pela omissão de gestores ligados ao ex-presidente, a Conafer teve sua autorização suspensa em 2020, mas foi reabilitada em apenas três meses por influência política.
Entre os que deixaram de agir estão dois ex-presidentes do INSS, um ex-ministro e um ex-coordenador-geral da autarquia — todos integrantes do núcleo de confiança do ex-ministro Onyx Lorenzoni, que já cancelou duas vezes sua ida à CPMI.
Sem obter habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF), o depoente Cícero de Souza não pôde permanecer em silêncio. O deputado Rogério Correia (PT-MG) sugeriu que ele colaborasse com as investigações: “Não seria melhor uma delação premiada para entregar a planilha e dizer realmente para quem foram esses recursos?”, questionou.
Amar Brasil e vínculos financeiros
Relatórios do Coaf identificaram movimentações atípicas entre sócios do presidente da Conafer e de José Carlos Oliveira, ex-presidente do INSS que autorizou o retorno da entidade.
A suspeita é de que a Conafer usava os mesmos mecanismos de fraude empregados pela Amar Brasil, cujo operador, Felipe Macedo, movimentou cerca de R$ 1,1 bilhão.
Convocação de Frei Chico é rejeitada
Em uma tentativa de desviar o foco das investigações, parlamentares da extrema direita apresentaram requerimento para convocar Frei Chico, irmão do presidente Lula, a depor na CPMI.
O pedido foi rejeitado por 19 votos a 11. Frei Chico é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), entidade que também teve dirigentes investigados, mas não é alvo de nenhuma medida judicial da Operação Sem Desconto.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou que a convocação era apenas um ato político.
“Frei Chico faz parte desse sindicato há apenas um ano e não possui nenhuma atividade administrativa ou financeira. Querem apenas colar seu nome ao do presidente Lula, que foi quem determinou a apuração e afastou os responsáveis pelo esquema”, afirmou.
Advogada do Sindnapi confirma alertas ignorados
Na segunda-feira (20/10), a coordenadora jurídica do Sindnapi, Tonia Andrea Inocentini Galleti, também depôs à CPMI. A advogada afirmou que alertava autoridades desde 2019 sobre as fraudes nos descontos em folha de aposentados e pensionistas, mas que nenhuma medida foi tomada pelo governo Bolsonaro.
“Em todas as oportunidades, eu dizia: tem jabuti na árvore”, declarou Tonia. Ela relatou casos em que aposentados foram filiados a entidades desconhecidas sem consentimento. “Teve até diretor que deixou de ser sócio e foi para uma associação desconhecida, e ele não assinou nada.”
O deputado Alencar Santana (PT-SP) lembrou que um documento oficial do Procon-SP, de agosto de 2019, já relatava descontos irregulares e foi entregue ao então presidente do INSS, Renato Vieira, e ao ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, sem que qualquer providência fosse adotada.
“Estamos chegando ao núcleo do esquema”
A 18ª reunião da CPMI, realizada nesta segunda-feira (21/10), marcou um ponto de virada nas investigações. O depoimento do ex-presidente da Amar Brasil, Felipe Macedo Gomes, considerado operador central do esquema, atendeu a requerimentos apresentados por Fabiano Contarato (PT-ES), Rogério Correia (PT-MG), Orlando Silva(PCdoB-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS).
Felipe Gomes permaneceu em silêncio, amparado por habeas corpus. Mesmo assim, parlamentares destacaram que a investigação já o liga a doações eleitorais ao ex-ministro Onyx Lorenzoni, candidato ao governo do Rio Grande do Sul, e à concessão de Acordos de Cooperação Técnica durante o governo Bolsonaro.
“O que estamos vendo é o centro de um esquema criminoso do bolsonarismo”, afirmou Paulo Pimenta (PT-RS) à Focus Brasil. Segundo ele, entidades fantasmas criadas durante o governo anterior recebiam repasses milionários e serviam como instrumentos políticos e financeiros. “Esses jovens milionários, que nunca trabalharam e enriqueceram sob a proteção do governo Bolsonaro, são os chamados Golden Boys. Eles roubaram o dinheiro de aposentados e aposentadas.”