No recorte racial, a vulnerabilidade se aprofunda. Confira breve panorama da maternidade brasileira a partir da pesquisa nacional da Fundação Perseu Abramo em parceria com SESC

Ser mãe no Brasil é fator de risco social, aponta pesquisa 
Agência Brasil/Reprodução

Uma em cada quatro mães já sofreu violência de um homem e, quanto mais filhos, maior o risco de ser violentada. Este é um dos diversos marcadores de risco social que afeta as mães brasileiras cotidianamente, segundo a pesquisa Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público privado realizada pela Fundação Perseu Abramo, por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos (NOPPE), em parceria com o SESC

O estudo revela que a experiência da maternidade transforma e aprofunda as diferentes formas de desigualdades a que as mulheres já são submetidas, como os preconceitos de gênero, classe e raça. 

Ser discriminada por ser mãe, cuidar sozinha das crianças, sofrer violência física e psicológica, sobrecarga materna, abandono paterno, dentre outros colocam a maternidade como um fator que empurra as mulheres brasileiras para situação de vulnerabilidade, que envolve fatores econômicos e sociais. 

Em suma, ser mãe no Brasil não só é difícil, mas também perigoso por ser um fator de risco para a própria integridade. 25% das mães relataram que já sofreram algum tipo de violência, enquanto 20% das mulheres que não são mães afirmaram já ter passado. E a violência escala â medida que o número de filhos aumenta. 18% das mulheres com 1 filho relataram ter sofrido violência, já para mulheres com 4 filhos a taxa aumenta 30%. Embora a taxa com 5 filhos ou mais tenha uma ligeira queda, o comportamento se aplica à regra geral da taxa de natalidade atual brasileira. 

Discriminação

E se a violência escala à medida que os fatores da maternidade se aplicam, a discriminação na sociedade também se sobrepõe quando as mulheres se tornam mães. Duas em cada dez mulheres já se sentiram discriminadas por ser mulher, 21% por sua raça/cor e 15% por serem mães. 

Ou seja, depois dos fatores de condição econômica, raça/cor e gênero, o fato de ser mãe é a principal causa de discriminação apontada pelas mulheres. Entre indígenas e amarelas, a maternidade como discriminação chega a 20%.

Essa realidade é bastante diferente entre os homens. A discriminação pelo fato de ser homem foi apontada por apenas 11% e 3% se sentiram discriminados por serem pais. A discriminação por gênero entre as mulheres é tão citada quanto a discriminação devido à condição económica ou raça. Já entre os homens a discriminação por gênero é metade da discriminação sofrida por condição econômica ou raça.

Maternidade: Uma ponte que se atravessa sozinha (ou com outras mães)

Tornar-se mãe é uma ponte que se atravessa sozinha não só subjetivamente, mas também concretamente. Além de estarem expostas à violência e à discriminação, as mães brasileiras também seguem solitárias na jornada da reprodução social da vida. 

Quase 70% das mães são as principais responsáveis pelos cuidados com os filhos quando eles não estão na escola. E se ela precisa de ajuda? São outras mães que entram na jogada como a avó da criança (especialmente a materna) ou a sogra, segundo 23% das entrevistadas, para cuidar da criança. E o companheiro? Eles assumem o dever deles em apenas 11% dos casos. 

Ser mãe consome mais tempo

Ser mãe acrescenta em mais de uma hora o tempo dedicado às tarefas domésticas em relação ao que as mulheres, no geral, já gastam. E a desigualdade já é brutal, porque as mulheres gastam mais que o dobro do tempo com as tarefas domésticas que seus cônjuges. 13h11’ delas contra 5h48’ deles (semanais). Já as mulheres com filhos gastam em média 14h55’ nessas mesmas tarefas. 

 No que se refere às funções básicas da maternidade como dar banho, alimentar, levar o filho à escola ou ao médico, o abismo da desigualdade se repete. As mães gastam, em média, 13h06 por semana, enquanto os seus parceiros gastam cerca de 5h06.

As mulheres que gastam, em média, mais tempo com os cuidados com crianças são as que têm filhos e idade 15 e 17 anos (38h31’), as pretas (15h03’), as com renda familiar entre 3 e

5 salários mínimos (16h04’), as que trabalham no mercado informal (15h14’) e as estudantes que têm filhos (26h55’), as que residem na região sudeste (17h22’) e solteiras (18h).

Entre as mulheres que têm filhos que moram exclusivamente com elas e não o/a outro/a responsável, as que gastam mais tempo, em média, com tarefas domésticas são as que não estão em outra relação ou casadas (13h50) e as que recebem pensão (13h14). Entre essas mães, as que usam mais tempo em cuidados com os filhos são também as que não estão em outra relação conjugal (22h41), nesse caso, as que não recebem pensão (18h58).

Mães de crianças e adolescentes.

No caso dos lares em que moram apenas as mães e seus filhos menores de 18 anos, pouco menos da metade (45%) recebe pensão ou alguma contribuição financeira para o sustento dos filhos. E mais da metade (58%) compartilha os cuidados da criança com o responsável. Já entre os homens, 59% dizem que pagam pensão ou contribuem financeiramente e 88% afirmam compartilhar os cuidados com as crianças.

Entre as mulheres que têm filhos que moram exclusivamente com elas e não o/a outro/a responsável, as que gastam mais tempo, em média, com tarefas domésticas são as que não estão em outra relação ou casadas (13h50) e as que recebem pensão (13h14). Entre essas mães, as que usam mais tempo em cuidados com os filhos são também as que não estão em outra relação conjugal (22h41), nesse caso, as que não recebem pensão (18h58).

Em termos de políticas públicas de acesso à educação, o cenário também não é favorável para as mães brasileiras, sobretudo de crianças pequenas. Entre as mulheres com filhos menores de 18 anos que moram com ela, metade estão com os filhos matriculados em escolas de ensino fundamental, um terço em escolas de educação infantil e 20% em creches. 

O ensino público e a jornada em período parcial predominam em todos os casos. A principal dificuldade das mulheres em relação às escolas de seus filhos diz respeito ao acesso às vagas, muitas vezes longe de casa e em períodos de aula inconciliáveis com sua jornada de trabalho.

As mulheres que mais utilizam as creches são as com renda familiar acima de 5 salários mínimos (29%), as da região Centro-Oeste (26%) e as solteiras (27%).

Ter filhos matriculados em escolas de educação infantil é mais frequente entre as que residem na região Norte (39%) e as separadas (38%). São também as separadas as que mais têm filhos matriculados no ensino fundamental (58%).

Para todos os níveis educacionais, predominam o ensino público e a jornada em período parcial. Apesar de baixo, as creches são o estabelecimento de ensino que mais oferece período integral (9%). A jornada integral em escolas de educação infantil e de ensino fundamental contempla parcela muito pequena (4% das que têm filhos na educação infantil e 6% no ensino fundamental).

Padecer no paraíso. 

Diante de todos esses desafios, exercer a maternidade no Brasil é um desafio diário de sobrevivência de si e da criança. Enquanto o imaginário social do patriarcado impõe o ideal da maternidade como o princípio e o fim da realização e da felicidade das mulheres, as condições concretas para exercê-las são aterradoras. 

O resultado da sensação de “ser mãe no Brasil”, portanto, não surpreende quando ele é apontado pelas mulheres ao mesmo tempo como orgulho e aprisionamento. Ao serem questionadas sobre “qual é a melhor coisa em ser mulher”, para o fator “ser mãe” observamos uma queda de 14 pontos percentuais em relação a 2010, embora ainda seja considerada uma das melhores coisas em ser mulher para 43% das entrevistadas.

De maneira geral, a melhor parte de ser mãe está situada em fatores clássicos relacionados à maternidade como ser mãe, gerar, cuidar e educar. As piores coisas em ser mãe são apontadas como dores do parto, abandono paterno e a conciliação entre cuidado e sobrevivência, que pode ser interpretada como a sobrecarga materna. 

Mas ainda que o paradoxo da maternidade seja generalizado, o cenário da maternidade brasileira não é o mesmo entre mulheres brancas e negras. Segundo a pesquisa, as mulheres pretas e pardas concentram maternidade múltipla e maiores percentuais de discriminação, enquanto as mães brancas aparecem mais representadas em contextos de postergação da maternidade e em redes de apoio. 

Sobre a pesquisa

De abrangência nacional, a pesquisa busca acompanhar recuos e avanços sociais em relação ao enfrentamento às desigualdades de gênero ao longo de três décadas, investigando as realidades e percepções sobre questões como violência, saúde, trabalho, cuidados, assim como a compreensão de novas demandas relacionadas às mulheres na sociedade.

Trata-se da terceira pesquisa realizada a respeito do tema, tendo sido a primeira investigação feita em 2001 e, a seguinte, em 2010. Esta terceira edição contou com duas etapas: uma fase qualitativa, realizada virtualmente em 2021, em decorrência da pandemia da Covid-19, composta por entrevistas feitas a 65 mulheres (cisgênero e transgênero). A fase quantitativa foi desenvolvida ao longo de 2023, por meio de entrevistas com 2.440 mulheres e 1.221 homens.