Trio de artistas revive, em Copacabana, memória de resistência e envia recado contra a PEC da Blindagem

Chico, Caetano e Gil voltam a se reunir em ato pela democracia
Reprodução/YouTube

Quase seis décadas depois de dividirem palcos e manifestações contra a ditadura militar, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil voltaram a se encontrar em um ato político neste domingo (21), em Copacabana. O evento, que reuniu cerca de 40 mil pessoas, foi marcado por críticas à PEC da Blindagem — proposta que restringe a possibilidade de investigação e julgamento de parlamentares e que já ganhou o apelido de “PEC da Bandidagem”.

Também se apresentaram Maria Gadu, Marina Sena, Lenine, Djavan, Paulinho da Viola, Pretinho da Serrinha, Frejat, dentre outros. As apresentações se alternaram entre discursos e músicas que marcaram a trajetória da MPB como trincheira da resistência, entre elas Cálice, entoada por Chico e Gil em coro com a multidão.

“Essa proposta não é blindagem, é cumplicidade. Não podemos aceitar retrocessos em nome de interesses de poucos”, disse Caetano Veloso. Gilberto Gil reforçou que “a democracia precisa ser cuidada todos os dias”, lembrando que o país já enfrentou momentos semelhantes de ameaça institucional. 

Chico Buarque, emocionado, destacou a importância da mobilização popular diante de projetos que fragilizam o Judiciário e alimentam a impunidade.

Organizado por entidades da sociedade civil e movimentos sociais, o protesto também contou com a presença de parlamentares contrários à PEC. Segundo levantamento do projeto Debate Político no Meio Digital, da USP, mais de 41 mil pessoas acompanharam o ato pela internet – números contestados por manifestantes presentes, nas redes. 

A repercussão chegou rapidamente ao Congresso: 51 senadores já declararam posição contrária à proposta, número suficiente para barrar sua aprovação.

Ecos de 1968 e o novo ciclo democrático

A cena dos três artistas juntos em Copacabana resgatou a memória do Comício dos 100 Mil, em 26 de junho de 1968, também no Rio. Naquele ato histórico, Chico, Caetano e Gil estiveram ao lado de estudantes, intelectuais e trabalhadores em protesto contra a violência da ditadura, semanas após o assassinato do secundarista Edson Luís. A fotografia dos três no palanque tornou-se um marco da resistência cultural e política. Meses depois, o AI-5 levaria Caetano e Gil à prisão e ao exílio, enquanto Chico enfrentava censura e perseguição no Brasil.

A trajetória dos três se confunde com a história política do país. Nos anos 1970, mesmo sob repressão, suas músicas circularam em fitas clandestinas, rádios e palcos alternativos, mantendo viva a chama da contestação. Canções como Apesar de Você, de Chico, Cálice, de Chico e Gil, e É Proibido Proibir, de Caetano, tornaram-se hinos de liberdade e enfrentamento.

Em 2025, a volta deles às ruas ocorre em um cenário distinto, mas com ecos do passado. O avanço de pautas autoritárias, como a anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 e a PEC da Blindagem, reacendeu o temor de retrocessos democráticos. 

O reencontro de Chico, Caetano e Gil na orla de Copacabana não foi apenas celebração musical. Foi um recado político claro: a democracia brasileira segue sendo um projeto em construção, vulnerável a ameaças, mas fortalecida cada vez que a sociedade ocupa as ruas. 

Para as diferentes gerações reunidas no ato, a cena dos três lado a lado a outros artistas reafirmou que a cultura, quando se alia à política, continua sendo uma das vozes mais potentes na defesa da liberdade.