Chantagem de Trump em defesa de Bolsonaro recebe resposta dura do governo Lula
Com medidas concretas e discurso firme, Lula denuncia chantagem de Trump e responde com a Lei da Reciprocidade. Enquanto isso, a extrema direita brasileira, aliada ao trumpismo, ataca o país em nome de interesses familiares

A resposta do governo brasileiro ao tarifaço imposto por Donald Trump, como medida de chantagem em relação aos processos nos quais Bolsonaro é réu no Superior Tribunal Federal do Brasil, não tardou. Nesta terça-feira, 15 de julho, foi publicado o decreto nº 12.551, assinado pelo presidente Lula, que regulamenta a Lei da Reciprocidade Econômica. A medida permite a suspensão de concessões comerciais, de investimentos e de direitos de propriedade intelectual contra países que atacarem a soberania ou a competitividade do Brasil.
Aprovada em abril pelo Congresso Nacional, a nova lei autoriza o uso de contramedidas severas em caso de agressões comerciais unilaterais. No mesmo decreto, o governo também criou o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, para conduzir a reação oficial.
Segundo o presidente Lula, o comitê já iniciou reuniões com empresários para avaliar os impactos da sobretaxa de 50% anunciada por Trump. “A gente tem pouco tempo para reverter essa decisão, que afeta diretamente os interesses econômicos e a soberania do nosso país”, afirmou o presidente em publicação na rede ‘X’.
Ataque comercial e sabotagem
Na carta em que anunciou as tarifas, Trump cita decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro e insinua perseguição contra Jair Bolsonaro, que é réu por tentativa de golpe de Estado. A narrativa reflete a atuação deliberada do deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, em uma ofensiva contra o Brasil para proteger seu pai da Justiça.
“Estamos assistindo a um ‘familiarismo’, e não patriotismo. Uma família que se coloca acima dos interesses do povo brasileiro: a família Bolsonaro”, denunciou o senador Rogério Carvalho (PT). Para ele, Eduardo está conspirando contra o Estado Democrático de Direito. “Isso é crime”, disse.
O advogado Marcelo Uchôa foi ainda mais direto: “É surreal ver uma família que perdeu uma eleição tentando destruir um país”. Em entrevista à TVPT, Uchôa defendeu a prisão preventiva de Jair Bolsonaro e a cassação de Eduardo Bolsonaro. “Ele está negociando com um grupo estrangeiro para provocar uma situação de desestabilização no país. É um lesa-pátria. Está advogando em defesa do pai, não do Brasil”, afirmou.
Patriotas de boné MAGA
O episódio revelou a que ponto chegou o servilismo de setores bolsonaristas. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi um dos primeiros a defender Trump após o anúncio do tarifaço, mesmo com seu estado sendo o mais prejudicado. A imagem de Tarcísio com o boné “Make America Great Again”, símbolo da campanha trumpista, viralizou como prova do alinhamento com interesses estrangeiros.
Segundo dados oficiais, São Paulo exportou mais de US$ 13 bilhões para os EUA em 2024. A sobretaxa impacta diretamente a economia do estado e fragiliza empresas brasileiras. “Quando Tarcísio desfilava com aquele boné, ninguém avisou que o paulista é quem pagaria a conta”, ironizou o ministro do empreendedorismo Márcio França durante declaração.
A ministra das Relações Institucionais Gleisi Hoffmann chamou a ação de Trump de “maior ataque já feito ao Brasil em tempos de paz” e classificou a reação bolsonarista como uma traição. “É nessa hora que uma nação distingue os patriotas dos traidores”, escreveu. Já Rui Costa, ministro da Casa Civil, foi categórico: “Agora sabemos quem são os brasileiros e quem são os traidores da pátria”.
Na avaliação do presidente do PT, senador Humberto Costa, a tentativa de levar Bolsonaro aos EUA para negociar pessoalmente com Trump beira o ridículo. “Pedir que o Supremo libere Bolsonaro, que está sendo processado e com o passaporte retido, para negociar com Trump? Pelo amor de Deus, é de um primarismo político inacreditável”, criticou.
Para o ministro Fernando Haddad, o episódio escancarou o verdadeiro caráter do ex-presidente. “Bolsonaro bate continência para bandeira americana, diz ‘I love you’ para Trump e está torcendo por um golpe externo. Isso é conspiração contra a soberania nacional”, afirmou. E completou: “É um patriota de araque. Está defendendo seus interesses pessoais, não o povo brasileiro”.
Bolsonarismo isolado, governo fortalecido
O desgaste político foi inevitável. A tentativa de chantagem empurrou o bolsonarismo para o isolamento. Nem todos os governadores da direita se apressaram em defender Trump. Os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Romeu Zema (Novo-MG) se pronunciaram, mas Tarcísio ficou no centro da crise por ser o nome mais cotado da extrema direita para 2026, a depender da vontade da Faria Lima e de parte da imprensa – e o que mais se expôs.
O cientista político Marco Antônio Teixeira, em entrevista recente ao portal UOL, destacou que Tarcísio ficou “numa encruzilhada”: se defende Trump, trai o Brasil; se se opõe ao tarifaço, trai o bolsonarismo. O impasse deixou a oposição desorganizada, enquanto o governo Lula ganhou um discurso poderoso: a defesa da soberania nacional e da indústria brasileira.
Até a Câmara de Comércio dos Estados Unidos e a AmCham Brasil (Câmara Americana de Comércio para o Brasil) criticaram a medida trumpista. Em nota conjunta, alertaram que a tarifa traria impacto direto sobre os consumidores americanos e poderia prejudicar 6.500 pequenas empresas que dependem de produtos brasileiros. O setor privado norte-americano, portanto, também se opõe à escalada de Trump.
Brasil soberano não se ajoelha
A postura do governo brasileiro foi marcada pela firmeza. Lula afirmou que “quem deveria ser taxado são os Estados Unidos”, lembrando que o Brasil acumula um déficit comercial de US$ 400 bilhões com o país ao longo dos últimos 15 anos. “Trump está mal-informado. E pior: está fazendo isso para proteger um criminoso”, disse.
A ministra Gleisi Hoffmann reforçou que o governo não recuará. “Pensam apenas no proveito político que esperam tirar da chantagem. Porque nunca se importaram de verdade com o país e com o povo”, disparou.
Na ponta oposta, o governo segue reunido com o setor empresarial, traçando medidas efetivas e coordenadas de retaliação, incluindo a possibilidade de suspender patentes, taxar dividendos e limitar o acesso de empresas norte-americanas a compras públicas brasileiras. A Lei da Reciprocidade está em vigor e será usada caso negociações não avancem.
Mais do que uma disputa comercial, o tarifaço de Trump se revelou um divisor político. Expôs o golpismo da extrema direita, a tentativa de sabotagem do país por interesses familiares e a hipocrisia dos que se diziam “patriotas” com a bandeira nas costas.