“Precisamos recuperar nossa autonomia e voltar a falar com o povo”, afirma Zé Dirceu
Em entrevista à Focus Brasil, José Dirceu (PT-SP) defende a renovação do PT a partir da base, com destaque para o PED como instrumento de mobilização popular e reorganização política. Atento a novas formas de comunicação, relembra a força do partido: “Ganhamos cinco eleições nos últimos 45 anos. Isso não é pouca coisa”, lembrou

José Dirceu atravessa a história política do Brasil como uma presença inevitável: ora arquiteto da estratégia, ora personagem no centro do turbilhão. Nenhum governo de esquerda deixou de passar por sua influência. Nenhum “escândalo de manchete” o apagou da memória nacional. Nenhuma eleição deixou de evocá-lo, seja como símbolo ou influência. Aos 79 anos, depois da guerrilha, do exílio, da presidência do PT, da queda, da prisão e da reconstrução, Dirceu ainda pensa o país, sem desistir, e pensa em voz alta. Com a lucidez de quem viu o país se reinventar mais de uma vez, defende que o futuro da esquerda começa pela reorganização da base.
Filho de uma família que lhe proporcionou, segundo suas palavras, “uma formação política e cultural muito sólida”, Dirceu desenvolveu desde cedo uma curiosidade intelectual aguçada e uma vontade militante de transformar o mundo. Entrou no movimento estudantil na adolescência, enfrentou a ditadura, viveu o exílio e se tornou deputado, ministro e presidente nacional do PT.
Em 2002, num jantar em Washington, a editora do jornal The Washington Post, Lally Weymouth, apresentou-o como alguém cuja vida “merecia um filme, ou no mínimo, um livro cheio de aventuras”. O filme ainda não veio, mas o livro começou a ser escrito nos dias em que esteve encarcerado. Com revisão de Fernando Morais, foi lançado em 2017. Dirceu conta que a segunda edição está pronta, agora cobrindo os anos de 2006 a 2014, e prometeu, ainda, um outro livro somente sobre o que viveu sob a Operação Lava Jato, conduzida pelo ex-juiz, hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
O PT em debate
Nesta entrevista à Focus Brasil, ele volta ao centro do debate. Fala sobre o PED (Processo de Eleição Direta), que ajudou a criar em 1999, e defende um novo ciclo de reorganização partidária. Alerta para o envelhecimento da militância, para a perda de presença nas periferias e para os riscos de um partido excessivamente dependente das estruturas institucionais. “Um partido que depende do fundo eleitoral está fragilizado. Precisamos recuperar nossa autonomia e voltar a falar com o povo.”
Apesar das décadas de exposição, Dirceu segue sendo uma das principais vozes dentro do PT. Entre os quadros mais antigos, é ouvido como referência. Entre os mais jovens, ainda provoca reações. Nenhuma neutralidade. Ao ser questionado sobre seu futuro político, ele é direto: “Estou pensando, sim. Voltei ao Congresso este ano depois de 19 anos. A luta continua.”
Crítico do sistema tributário, defende com firmeza a taxação de lucros e dividendos, e uma reforma do Imposto de Renda que alivie os mais pobres. Também acompanha as transformações no mundo do trabalho e destaca o papel de novos coletivos organizados a partir da base, como os de motoboys e trabalhadores por aplicativo.
“Ganhamos cinco eleições nos últimos 45 anos. Isso não é pouca coisa”, afirma. Mas o tom, agora, é menos comemorativo e mais convocatório: reorganizar, formar, disputar. José Dirceu volta a pensar o Brasil, e não apenas com a memória, mas com o olhar no que ainda está por vir.
Em seu livro de memórias, há uma passagem que diz: “O PED, processo de eleição direta, não só democratizou a disputa [interna do PT], como também deu voz ao filiado sem tendência. A verdade nua e crua residia no seguinte, as tendências se opunham e se opõem à eleição direta, porque perderam o poder de restringir o PT a um partido exclusivo de militantes, congelando e ossificando a vida partidária. era a concepção sempre presente de partido de vanguarda”. Você mantém essa afirmação? Desde o primeiro PED, em 1999, que mudanças você vê?
Só se agravou. O PT, na verdade, é contraditório, como tudo. 35% das brasileiras e brasileiros têm alguma simpatia pelo PT. Na verdade, 15% têm pelo PT e 15% por partidos que não sejam ou PT ou de esquerda, pois são duas pesquisas diferentes. E o PT foi o partido mais votado para a Câmara até a eleição passada, chegamos a eleger noventa e dois deputados em 2002. É um acontecimento histórico, é um fenômeno político mundial, porque a nossa classe trabalhadora é muito jovem, ela tem 120 anos, nasceu em 1917, da imigração e das mudanças que estavam acontecendo no mundo. E no Brasil, com a infraestrutura que os ingleses estabeleceram no país: as ferrovias, o telégrafo, os portos, os bancos, a urbanização das cidades para extrair daqui as matérias-primas e ocupar nosso mercado com produtos manufaturados. Só que a 1ª Guerra Mundial permitiu o início da industrialização, que já vinha acontecendo por causa da migração. Vamos lembrar que na greve de 1917, os jornais eram em catalão, galego, calabrês, genovês, não eram em português. A classe trabalhadora nunca pôde ter um partido que a representasse. O Partido Comunista Brasileiro, que foi fundado em 25 de março de 1922, foi reprimido a vida toda, foi clandestino a vida toda, e sofreu a derrota da insurreição de 1935 e o estigma do anticomunismo. E mesmo na redemocratização, o governo do (Eurico Gaspar) Dutra foi um governo muito anticomunista, cassaram o registro e o mandato dos parlamentares do PCB, e foi um governo antissindical, antioperário, e nós tivemos 21 anos de ditadura militar. Surgiram outros partidos. O PTB foi um partido da classe trabalhadora, nacionalista, democrático, desenvolvimentista – uma aliança de classes. Mas houve uma coisa importante: a classe trabalhadora votou nele. Tanto votou que, às vésperas do golpe militar, o PTB já era um dos maiores partidos da Câmara. Se não me engano, tinha elegido 150 deputados em 1962 – e essa é uma das razões do golpe. Inclusive, o PTB tendia a ser um partido majoritário. E a classe trabalhadora votou na frente do MDB a partir de 1974, que ganhou a eleição sem essa expectativa. Foi um protesto espontâneo, também pela ação do MDB, evidentemente, das suas lideranças, principalmente as que surgiram depois das ‘autênticas’, e votou nele até 1989. Em 1989, começou a votar no PT. Nós ganhamos cinco eleições presidenciais. É um fato histórico: ela se constituiu como seu partido, abraçou o PT como seu partido, grande parte dela. Uma parte dela já foi ‘Ademarista’, já foi ‘Malufista’, já votou no Collor, votou no Bolsonaro, votou no Fernando Henrique Cardoso. Porque ela também vai se formando conforme a disputa política e cultural, as condições concretas.
Portanto, o PT é um patrimônio fantástico. Mas, ao mesmo tempo, apesar de ter 1 milhão, 1.5 milhão de militantes, o PT foi ficando um partido de parlamentares, de uma certa burocracia e das tendências, e as tendências foram minguando, deixando de produzir política, foram caindo em capacidade de produção política. Lógico que nós temos que levar em consideração que fomos reprimidos de 2013 a 2019, literalmente reprimidos, porque não podíamos sair às ruas com o nosso símbolo. E mal pudemos fazer campanha em 2016 e 2020. Em 2018, fizemos campanha com o presidente Lula preso e com a nossa ex-presidenta afastada por um golpe parlamentar-jurídico. É algo muito grave, tudo o que aconteceu. Mas o PT mostra a sua resistência, a sua base social e, num mundo em transformação, num Brasil em transformação, ela não é resposta, mas continua valendo. Considero um erro gravíssimo para o PT não ter tido o PED em 2017, porque as condições eram diversas. Agora, prorrogar os mandatos em 2023, não fazer nem Congresso e nem PED… Eu acho que estamos pagando por isso hoje. Então, eu espero que sim, o PED é um avanço comparado com os Encontros. Qual é a crítica aos PED? As deformações que existem no sistema de convocação, de votação, de uso de poder econômico, de transporte, de filiações em massa mais. Mas isso pode existir no encontro, pode existir no PED, não é por causa do PED que existe isso; no encontro também pode existir. Nós temos que combater isso, mas não acabar com o PED. Apesar de ser legítimo que alguns considerem que não deve ter PED, eu continuo muito defensor do PED, e que o PT precisa colocar seus filiados no mundo digital, no smartphone. Eu votei na OAB de São Paulo, acompanhei a eleição na OAB de Brasília – sou advogado em Brasília e em São Paulo. A eleição aqui teve centenas de milhares de votos, advogados, e foi disputadíssima do ponto de vista político: várias chapas com linhas políticas diferentes, orientações sobre o papel da OAB, sobre as discussões, sobre os problemas do país, sobre o papel do Supremo, se foi golpe ou não… Foi um debate político intenso. Porque, lógico, o debate presencial, a nossa presença nos territórios, nos Diretórios do PT, nos Núcleos do PT, nos setoriais do PT – tudo isso é muito importante. E eu digo isso porque, de 2013 a 2021, não pude militar, fui preso quatro vezes, fiquei quase um ano de tornozeleira sem poder sair de Brasília, do meu apartamento, e 40 meses no regime fechado, quatro meses no regime semiaberto, então, não pude participar da vida do PT. Mas sempre fui um dirigente, um militante muito presente na base do PT, nas lutas. Sou totalmente favorável ao PED e mantenho o mesmo diagnóstico: o PT precisa, primeiro, se digitalizar. Veja bem, o ICL não existia quatro anos atrás, nem o Metrópolis, que está se tornando o segundo site do Brasil, passando o Globo. E nós, com o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral? Porque o Fundo Eleitoral deixa um patrimônio, o que você faz com ele fica, não construímos uma rede à altura da disputa que a direita faz com as fake news nas redes. Erro nosso, todos nós. Agora está virando costume: você não pode criticar a direção, não pode ser um ‘dirigente crítico’… Não sei de onde inventaram isso no PT. Parece coisa pessoal, parece ataque, parece que… Nem grêmio estudantil tem isso! É inacreditável. E digo isso assumindo minha responsabilidade, para não parecer que estou querendo criticar esta ou aquela tendência, esta ou aquela direção.
Esse ajornamento que o PT teve que fazer sobre a sua direção quando presidente, ainda antes do PED, que permitiu que a gente conquistasse postos de poder político, prefeituras importantes como a prefeitura de São Paulo em 1988, com a Erundina, e outras vitórias – e depois a vitória do Lula em 2002 – você acha que, ao fazer essa opção, a gente também traz para dentro da estrutura partidária os vícios, não só da política brasileira, mas da vida popular brasileira?
Veja bem, vamos lembrar que no começo do PT, e eu fiz parte dessa disputa, nós começamos a discutir se o PT devia ou não ser legalizado. Teve uma disputa, muitos consideravam que não. Segundo, se o PT devia ou não participar de eleição. Porque vamos lembrar que veio para o PT o movimento sindical autêntico nascente, que era a força da classe trabalhadora dentro do PT, junto com as comunidades de base eclesiais e os trabalhos de bairro que cresceram na década de 1970, como as greves foram na década de 1970, é uma nova força política, social, cultural que surge uma nova classe trabalhadora, inclusive da indústria pesada, não só da indústria de bens duráveis ou da indústria leve, mas também da indústria pesada. E foi discutido, inclusive, se devia ter programa de governo ou não. Eu me lembro da primeira reunião que nós fizemos, um dos plenarinhos da Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir o programa de governo, onde havia uma oposição radical a isso, queriam aquela plataforma da fundação do PT, o manifesto e a plataforma antiditadura. Por quê? Porque aqueles partidos que estavam dentro do PT se consideravam a vanguarda da classe trabalhadora marxista-leninista. E vamos lembrar que nós vivemos meses discutindo entre Greve Geral ou Assembleia Nacional Constituinte, que era muito uma tradição também dos grupos políticos anteriores ao PT. E o que levou o PT para frente foi ‘Eu quero votar para o presidente’, que era muito da conjuntura e da situação histórica que o Brasil vivia naquele momento.
Então, o PT já nasce como partido diferenciado, até porque é uma classe trabalhadora que não viveu a experiência da outra classe trabalhadora internacional. E a geração que está com 40, 50 anos no PT, ela não tem como referência a Revolução Russa de 1917, o marxismo, a luta do povo vietnamita contra a agressão americana, a luta pelos direitos civis nos EUA, a Revolução Cubana, o maio de 1968, ela tem referência ao Lula, ao lulismo e ao petismo.
O exemplo disso eu tenho em casa, que é o Zeca Dirceu. Ele foi formado no PT, formado no lulismo, no petismo atual, não foi formado no marxismo. Eu tive uma formação política muito sólida, uma formação cultural muito sólida. Veja bem: era cinema, era teatro, era literatura, era o meio social que me cercava. Tive um privilégio pelo lugar onde nasci e pela família em que nasci. Dois privilégios que a gente não escolhe. Porque na minha cidade havia um colégio de padres franceses – com aulas em seis, sete línguas, gratuito, desde os três anos de idade. E meus pais, meu pai e minha mãe, mesmo tendo só o curso primário, mantinham biblioteca em casa. Fui educado pelo Tesouro da Juventude, aquele livro positivista que bebia da Revolução Francesa. Aprendi quase a ler com ele, fui formado por ele, ainda com PH. Então, o PT se diferencia muito. Lógico, quando optamos pela estratégia do 5° e do 7° Encontro ( que o poder não se toma, mas se constrói) e quando realizamos o 1° congresso do PT, quase fizemos um revisionismo como o que levou os partidos europeus à tragédia, mas a correlação de forças interna, entre a esquerda do PT e as diferentes correntes (mais ou menos à esquerda), acabou trazendo o equilíbrio necessário, ‘Um PT que não renuncia ao socialismo, mas sim à ditadura do proletariado’ pra fazer uma síntese, uma caricatura; o PT abraça uma estratégia eleitoral e traz, sim, todos os vícios e problemas que estão presentes hoje. Não precisamos esconder o sol com a peneira: temos problemas sérios. Há muita profissionalização nas campanhas, o peso das emendas no PT é grande também – não é exclusivo de outros partidos. Passamos a ter mandatos importantes, com experiência, liderança e legitimidade, mas são mandatos de seis, sete, oito… até dez legislaturas. Isso se deve tanto à repressão contra nós quanto por termos assumido o governo. Porque vamos lembrar: nós viemos das classes trabalhadoras ou no mínimo das classes médias baixas – não somos parte da pequena burguesia. Não somos um partido das elites. Pela primeira vez, trabalhadores, trabalhadoras, filhos das classes médias baixas chegaram a ser vereadores, deputados, secretários municipais, secretários estaduais, governadores, governadoras, prefeitas… até Presidente da República. Formamos assim uma enorme geração: gestores, administradores, líderes políticos, parlamentares e ativistas, e fomos privilegiando cada vez mais o institucional, porque lembrem que o PT tinha três pilares. Eu mesmo fui deputado aqui em São Paulo, eu construía o PT, participava das lutas e era deputado estadual. Eu fiz o PT. Fiz, não, eu, não; nós fizemos, porque era um grupo de lideranças e de militantes e de dirigentes, mas a minha responsabilidade era a região de Marília, que é a Paulista, chamada Alta Paulista, Ribeirão Preto, Osasco, Guarulhos e Diadema, e eu fui deputado estadual por isso, não foi só por causa de 1968, do movimento estudantil, que também foi importante pra mim, tanto que lancei minha campanha em cima de um caminhão, na Maria Antônia. Mas foi esse trabalho de base, essa militância que me elegeu deputado, e no PT já

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começava a surgir aquela coisa: “Ah, eu tive tantos votos”. Você, não, o PT e a militância te deram. Como eu tive a maior votação do PT em São Paulo, depois do nosso Luiz Inácio Lula – 500 mil votos em 2002. Mas foi a militância do PT que me deu. Foi o PT que me fez. Então, nós temos sim, arrastamos conosco um peso excessivo institucional, do governo. Agora, tem que dar um desconto também. porque vamos lembrar: o mensalão tirou o núcleo do governo, do PT, do partido: José Genoíno, Silvio Pereira, Delúbio Soares – tirou o núcleo do PT na Câmara: João Paulo Cunha, Paulo Rocha, Professor Luizinho – tirou o núcleo do PT no governo: eu, o Gushiken, o Palocci, depois o Gilberto Carvalho veja bem – não é pouca coisa que aconteceu. O Márcio Tomaz Bastos sair do governo, foi um arraso o que aconteceu. Entre o Mensalão e a Lava Jato, dezenas de gestores, formuladores e quadros estratégicos do PT; no governo, no partido, no parlamento; foram afastados. Sem contar os que, infelizmente, já nos deixaram. Vou citar dois nomes: Marco Aurélio Garcia e Luiz Gushiken. A experiência e o acúmulo que eles tinham. No meu caso, devo grande parte da minha formação política a Rui Falcão, meu amigo de 60 anos, e ao Marco Aurélio Garcia. Eu era muito jovem quando saí do Brasil em 1969, trocado pelo embaixador americano. Vivi na clandestinidade, fiz treinamento militar em Cuba, voltei para lutar aqui entre 1971 e 1972. Fui para Cuba novamente, retornei em 1974 e vivi em Cruzeiro do Oeste até 1979. Quando voltei em 1979, essas referências foram cruciais. Porque as pessoas às vezes não percebem que são produtos de uma experiência histórica, política, de resistência. Conviver com essas lideranças foi um privilégio e não poderia ser diferente. Perdemos territórios por múltiplas razões: a repressão à Igreja Popular e à Teologia da Libertação sob João Paulo II, as mudanças no mundo do trabalho (automação, precarização), as derrotas políticas (o golpe contra Dilma, as reformas trabalhista e previdenciária), a revolução tecnológica, as transformações no campo religioso… e por erros nossos. Mas hoje vemos uma nova geração de vereadores e vereadoras bem enraizados nos territórios, em lutas diversas: LGBT+, feminista, antirracista, estudantil, mostrando que é possível reconstruir. A principal batalha agora é a reconstrução do PT. Como nossa presidenta Gleisi Hoffmann começou a destacar, essa palavra ganhou força. Se queremos responder quem sucederá Lula, a resposta é o próprio PT. Claro que há lideranças importantes, mas outro Lula só surgirá daqui a 50 ou 100 anos. Por isso, nosso foco prioritário deve ser a reconstrução partidária.
No seu livro, você salienta a importância dos militantes e dos filiados e filiadas do PT. A militância se diz, hoje, “perdida”, ou “desmotivada” com tantos acontecimentos em Brasília. Como que a gente pode estimular os petistas a votarem, a ocuparem as ruas? E você acha que o PED pode funcionar como um estímulo nesse momento?
Bem, se o PED tivesse digitalizado, ele seria um instrumento fantástico. Nós temos que colocar os milhões de filiados do PT no celular, é uma coisa básica, nós temos que fazer funcionar as instâncias de novo. As instâncias têm que funcionar, têm que interagir. Vou dar dois exemplos extremos: nosso presidente Lula não se reuniu com a nossa bancada federal, promoveu um jantar. As decisões do partido acontecem sem consultar os diretores regionais, sem consultar os presidentes dos diretórios de capital, sem envolver as bancadas estaduais, as instâncias pararam de funcionar. Parte por causa da repressão, parte por causa dos problemas nas ruas. Fato que nós ficamos correndo atrás do prejuízo, vamos dizer assim. Depois do golpe da Dilma, depois a prisão do Lula, depois tem que eleger o Lula, tem que formar um governo, é um período de resistência. Por isso que a gente sempre destaca a figura da presidenta Gleisi, como quase que a nossa heroína nesses anos, porque ela presidiu o PT nos piores momentos do PT, então tem que que se preservar os quase no partido, você não pode fazer uma crítica destrutiva nem à direção nem aos quadros do partido, mas é uma realidade a resistência não funcionar.
Segundo, nós vivemos um momento muito complexo de governo, que é muito difícil para a militância administrar, por isso que tem que falar para a militância com franqueza, como eu falei que a base do governo era uma base de direita, porque senão a militância não vai entender o que está acontecendo. E tem que falar para ela das limitações do nosso governo.
E tem que ter mais discussão, mais transparente, sobre as decisões do governo, e porque elas não aconteceram. Porque uma coisa é você tomar uma decisão e tecer todo o partido discutindo, explicando e ouvindo, inclusive, a oposição, as críticas que têm. Como o próprio Arcabouço Fiscal, para dar um exemplo, tem muitas outras medidas, entendeu? E, por causa das dificuldades que nós enfrentamos, porque há uma certa desesperança, mas ela não tem base real, porque nós vencemos a eleição de 2022, nós derrotamos o bolsonarismo, pelo menos eleitoralmente. Ele podia ter sido presidente e nós sabíamos qual seria o nosso destino se eles tivessem ganho a eleição do PT, porque quase que caçam nosso registro, é uma vitória extraordinária. É verdade que a democracia brasileira tem problemas gravíssimos, não é o caso aqui de a gente entrar em detalhes. Está havendo uma disfuncionalidade no papel do Supremo, aliás, o João Paulo Cunha tem falado sobre isso com maestria. Eu acabei de escrever um artigo sobre isso, tudo que o governo Lula fez até agora. E há uma realidade, a correlação de força é desfavorável a nós, porque a direita vem em 2016, 2018, 2020, 2022, acumulando força e nós estamos sendo reprimidos. E ela consolidou uma maioria na Câmara, no Senado, sem o bolsonarismo, sem nós, ela tem maioria quase constitucional, são quase 54 senadores e quase 308 deputados, então, é uma situação, e no
mundo que nós estamos vivendo, e com os problemas que o Brasil enfrenta. Mas, assim mesmo, os avanços do governo em dois anos e meio são extraordinários, dentro dessa perspectiva. Agora, se você não discute em um debate com a militância, ela fica meio vendida, como se diz… a palavra do mercado é melhor falar perdida, em vez de vendida.
O João Pedro Stedile esteve na FPA recentemente e, questionado sobre seu posicionamento bastante crítico ao governo Lula, ele respondeu: “nosso comportamento é igual o comportamento da gaviões da Fiel. Quando o time está jogando bem, a gente aplaude e canta. Quando o time está jogando mal, a gente crítica e até vaia, mas nunca abandonamos o time, nós somos desse time”. Você acha que o comportamento é esse mesmo?
O Lula falou um dia, acho que em uma reunião nossa, uma reunião do PT, e foi usado por alguns dos candidatos no PED, que ele não queria “puxa-saco”, e eu gravei aquilo, que nós temos o direito de criticar, devemos criticar, devemos debater, eu mesmo escrevo algumas vezes. Porém, devemos escolher sempre o momento, o modo e o método certo, porque nós sabemos como são nossos adversários, nós sabemos qual é a realidade do Brasil. Se o governo comete erros? Comete. Se o nosso presidente comete erros? Comete. Nós temos o direito de criticar, não vejo nenhum problema nisso. Eu defendi o arcabouço fiscal porque virou política oficial do governo, e precisava de 10, 15 votos para aprovar uma série de medidas, aí começa a criar dentro do partido uma tendência a transformar a oposição ao arcabouço como elemento principal. Então, o Lula tira o Haddad, faz déficit público e segura depois as consequências, entendeu? Porque nós vimos as consequências com a história do pix, nós sabemos o poder que tem o mercado financeiro, a maioria de direita e de extrema direita na Câmara, no Senado, e a opinião pública mesmo. E as pautas que a opinião pública nos apoia, elas estão aí para nós, e nós temos que buscar essa embocadura. Aliás, o Lula levantou a bola para nós, já que estamos falando de futebol, duas vezes: luta contra os juros e depois, os trabalhadores e trabalhadoras no orçamento, e os ricos no imposto de renda, ele levantou isso. Nós fizemos uma campanha nacional? Criamos um movimento? Não. Então, também… Nós é que temos que mobilizar, não é, Lula? É verdade, e eu já falei várias vezes: o Bolsonaro tinha o cercadinho, as motocicletas, as lives, e ele marcava a atividade 30 dias antes, mobilizava e ia, coisa que nós não estávamos fazendo, isso é uma realidade. Essa é uma realidade, isso é uma crítica. Agora mesmo, vamos fazer dia 10 de julho (dia 9 é feriado em São Paulo), uma manifestação na Paulista, mas é para levar 30, 40 mil pessoas, como São Bernardo fez no 1º de maio. Porque o Bolsonaro teve uma derrota ontem, um fracasso ontem, grande, com muitas consequências, e se é verdade que a nossa derrota na Câmara, por aquela votação, é um sinal, é um símbolo do momento, pois isso é uma questão que já estava escrito nas estrelas, vamos dizer assim, que aconteceria, o caso do Bolsonaro é gravíssimo.
Então, eu acredito que o João Pedro está certo. E eles têm sido francos e sinceros com o presidente quando se reúnem com ele. E tem um problema grave nessa área. Por quê? O Brasil tem 4 milhões de pequenas propriedades agrícolas, isso é um patrimônio, é um patrimônio. Eu sei por que eu vivi isso, vivi no Paraná sete anos e conheço o Sul do Brasil desde a década de 1975, sei o peso que tem a agricultura familiar, inclusive a integrada. Então, nós temos a agricultura integrada, temos a agricultura dos assentamentos, e temos a agricultura familiar; com extensão rural, com tecnologia, e temos 2 milhões que não têm extensão, têm dívida, não têm crédito, não têm tecnologia, que foi desmontado em 2016 e 2018. Nós não falamos isso para o país. Nós não conseguimos reorganizar de 2023 para cá, porque, se você olhar o orçamento do INCRA, da Conab e do MDA, que precisava ser reorganizado, que estava destruído, você percebe que não vai dar certo. Então, nós temos um problema. A agricultura familiar, além de criar milhões de empregos, ela pode alimentar o país: nós não temos estoques reguladores, não temos mais política agrícola nacional, a política de compras foi restabelecida, mas a sociedade sabe disso? Então, há um problema de comunicação, mas que é produto também de uma realidade: nós não conseguimos dar ao MDA o orçamento que ele precisa para fazer política. Nós estamos vivendo um momento em que os ministérios estão parando. São dificuldades que enfrentamos por causa do problema fiscal, e o problema fiscal é real, mas não é porque gastamos demais, não! Ele existe por motivos que todos sabemos: os juros altos, a dívida pública… O Brasil é o único país que paga 10% de juros reais na dívida pública. E ainda colocaram títulos no mercado a 20%, NBC mais 15%. Todo mundo está alavancado. Se os juros caírem para 9%, a SELIC, quebra. Eles se comprometeram a pagar 20% para quem aplica em renda fixa ou variável. No mundo de hoje, isso é simplesmente estarrecedor.
O ato convocado para o dia 10 de julho na Paulista e o plebiscito popular são oportunidades para o PT se reconectar com a base e mostrar força popular contra a agenda do Congresso? Diante da dificuldade da comunicação tradicional e no enfrentamento a uma máquina poderosa de desinformação da oposição, esse pode ser o caminho para reverter a correlação de forças e trazer de volta a militância para as ruas em torno de uma pauta?
Eu participei do ato de lançamento lá no Largo São Francisco. E, desde o começo, tenho conversado muito com o pessoal, com o Igor, com as coordenações, quando estava começando o planejamento, apoiei muito e estimulei que se lançasse essa campanha, tanto do ‘6 por 1’ como da reforma do Imposto de Renda Progressivo e mesmo do movimento Sem Anistia, que eu acho que são três palavras de ordem muito importantes hoje. Veja bem, tudo na política você tem que combinar com os russos, lembrando nosso eterno Garrincha, um gênio do futebol e da raça, além do futebol, temos que combinar com os russos. Precisa ter unidade entre nós: governo e partido nisso, movimento sindical, movimento popular, MST, e os partidos – principalmente o PSOL, nó, a Rede e o PV, que está com o PCdoB conosco numa federação. O PDT e o PSB, na verdade, a maioria do PDT votou para derrubar o Imposto sobre Operações Financeiras, já o PSB foi mais dividido. E se é para fazer, nós temos que fazer para levar 30, 40 mil pessoas, e pensar bem no tom. Outra coisa, nós não podemos fazer atos onde falam 15, 20 pessoas, isso não existe, gente! Isso não existe mais. Precisamos ter um pouco mais de disciplina, de organização e de poder de comunicação. Aí o Lula vai falar, já falaram outras 30 pessoas. Eu fui em atos já, o Boulos mesmo fez um ato de pré-lançamento da candidatura dele que foi muito bem-feito: no meio, um palco no meio, o pessoal em volta, pessoas representando diferentes setores da sociedade falando dois, três minutos. Eu fui em um ato em Teresina, que era um lugar lotado de 10, 15 mil jovens, quatro falas de três, quatro minutos, e mais digital, mais imagem, mais mensagem, simbólica de imagem, porque essa é a realidade do mundo de hoje. Então nós também temos que, o importante são as falas, ou o importante é o núcleo da mensagem que nós queremos passar?
Segundo, precisa tomar decisão. Qual é a posição do nosso presidente e do governo? Tem que ficar claro: vamos ao Supremo ou o PSOL que vá? Vamos mobilizar pela nossa agenda ou para atacar o Congresso? Porque se vamos atacar o Congresso, estamos precificando, como diz o mercado, estamos antecipando, estamos comprando o futuro, dizendo: a campanha eleitoral já começou. Eles dizem que não é isso, dizem que o problema seriam as emendas, os inquéritos da PF, o Supremo, a relação com o governo, não é sobre a agenda de privatização da Petrobras, dos ativos públicos, da desvinculação do salário mínimo. Não é essa a agenda deles, nem a reforma administrativa contra a estabilidade. Eu tenho perguntado: o que vocês querem? Que assumamos a agenda de vocês? Isso não vai acontecer, vocês que ganhem em 2026. Ou querem negociar? O problema é que está claro que as emendas têm desvio de função, invadem o Executivo, distorcem prioridades, têm problemas de eficiência e desvios de recursos, grave, isso está começando a aparecer. E os inquéritos policiais começam, e deputados estão tendo que responder por isso. O inquérito policial e o Supremo começam a querer que se cumpra a Constituição, aí tem um choque, então nós temos um campo minado. Nós temos que ter uma operação antibomba antes de começar. Evidentemente, esse procedimento é totalmente inconstitucional porque ou muda a lei que criou o Imposto de Operação Financeira, que diz que para aumentar a alíquota, é com o Congresso, ou como está na lei, quem define é o executivo. Então eles não podem fazer isso, não é veto. Veto eles podem derrubar e nós temos que administrar, temos que ver como solucionar quando se derruba o veto. Veto é direito do Congresso, não podemos dizer que é inconstitucional, um deles falou: ‘o governo que vá para o Supremo para ver as consequências’. Nós temos que ter o Supremo como instância de direito, porque amanhã podem nos impor um semipresidencialismo.
Mas aí temos que ter tanto o Supremo quanto o povo – nossa militância já precisa estar preparada para defender isso.
Eu vejo assim: é uma decisão que cabe logicamente à nossa presidenta, que agora está licenciada, na SRI – aos líderes da Câmara e do Senado, do PT e do governo: Zé Guimarães, Jacques Wagner, Rogério Carvalho, Lindbergh, o núcleo do governo e o nosso presidente. Qual caminho vamos seguir? Portanto, se é para fazer o 10 de julho, tem que ser como São Bernardo fez, o sindicato decidiu que não podia repetir o que aconteceu no Pacaembu, onde eu estive, e no 1º de maio, que não pude ir por recomendação médica, após um problema de saúde, foi um fracasso total. Minha filha, corintiana, que conhece aquilo como a palma da mão, me disse: ‘Pai, não faz sentido fazer 1º de maio no estádio do Corinthians!”, poderíamos fazer num ginásio para 5 mil pessoas? Porque tudo é imagem, é simbolismo. Muito depende da imagem, do discurso.
Há uma disputa crucial que precisamos travar no campo jurídico e intelectual, especialmente sobre o IOF. Tributaristas e parlamentares de direita argumentam que o IOF é apenas um imposto regulatório, não arrecadatório, mas sabemos que, quando envolve recursos, ele se torna arrecadatório também. Não há contradição: é um imposto cujo valor é arbitrado pelo governo federal. O Bolsonaro fixou em 6,5% no passado, caiu no nosso governo, e agora esses advogados defendem o mercado acusando o governo de ‘extrapolar seu escopo’. Como enfrentar essa narrativa?
Eu acredito, inclusive, que o Haddad tem sido muito didático nesse sentido, tem explicado em detalhes o caráter desse imposto. Porque, na verdade, os bancos já pagam, as fintechs é que não pagam. Eu vou dar dois dados: a maior fintech, tem um custo de R$ 5 bilhões. Um banco grande desses tem de R$ 50 bilhões. É uma revolução. O Imposto sobre Operações Financeiras é o pretexto, o problema é taxar o governo como gastador e fazer as reformas que não são da nossa agenda, da nossa natureza, que é cortar programas sociais, independente do problema do ritmo do crescimento dos programas, a verdade nua e crua é: se o Brasil não crescer, não há solução para o problema da dívida pública, se não reduzir os juros, não há. Dois terços dessa dívida são juros. São juros! Nós nem gastamos e nem investimos isso, a dívida pública brasileira não cresce por causa do déficit público. Até porque no governo do Lula e da Dilma, em 80% do mandato, teve superávit. E a dívida pública era muito pequena, o problema são os juros. Se os Estados Unidos pagassem 5% de juros reais, metade do que nós pagamos na dívida pública, ele quebra. Uma das razões por que começou a política de reduzir a inflação e de enfrentar o déficit público americano, que é quase 7%, fora o déficit comercial na balança comercial dos Estados Unidos, é o valor da dívida, que já custou um U$ 1 trilhão nos Estados Unidos, já é 120% do PIB, a italiana é quase 150%, mas eles não pagam juros. A dívida pública alemã pagava menos 0,25% de juros ao ano. Eu sei de empresários brasileiros que compraram fábricas inteiras na Alemanha e o financiamento era isso: menos 0,25%, com a garantia da própria fábrica, e a carência era até a fábrica começar a funcionar. Lógico que você compra! O problema do Brasil é concentração de renda, estrutura tributária e juros altos, o poder do capital financeiro adquiriu capacidade de expropriar a renda de todos os setores, a renda nacional expropriada não é só do salário, não! Porque o trabalhador hoje, além de pagar mais imposto que 1% da população ou os 10%… Se nós olharmos quem aplica dinheiro no Brasil, são 17 milhões e meio de pessoas. Sendo que um milhão deve ter 70% das aplicações, e os outros 16 milhões têm 30%. Então, o problema é grave. Esse é o problema do Brasil.
E essa questão toda em torno do Imposto sobre Operações Financeiras é que eles querem nos obrigar a desvincular o salário mínimo, a eliminar os pisos, a privatizar a Previdência. Hoje, a manchete da Folha de São Paulo trata tanto da questão do CNPJ quanto do Simples e tudo isso evidencia uma projeção distorcida, como se o Brasil não estivesse crescendo. Mas essa ideia de que o Brasil não cresce é… Basta visitar qualquer cidade e comparar como era há 10, 20, 30 anos, o Brasil mudou radicalmente nesses 25 anos do século. Qualquer periferia das grandes cidades hoje é incomparável ao passado. Recentemente, vi um filme sobre a Rocinha, daqueles dramas urbanos que a Globo produz, e a diferença entre a realidade retratada e a atual é estarrecedora. A Rocinha de hoje é um bairro estruturado, lógico, com todos os problemas que ainda
precisam ser resolvidos, mas longe do cenário de décadas atrás. O PIB, muitas vezes, é uma métrica ilusória, mas isso não significa que o Brasil não precise, e não possa, crescer duas ou três vezes mais. O problema é político: falta de projeto, problemas técnicos e uma elite que não decide se quer um Brasil inserido no mundo moderno, produtor de energia, alimentos e matérias-primas críticas, com indústria e tecnologia, ou se permanecerá como um país dependente, sem soberania tecnológica e financeira. Repito exaustivamente: nossa pobreza e fome são frutos da desigualdade, não da escassez. Não há como aceitar a tese de cortes sem reduzir as renúncias fiscais e sem implementar um Imposto de Renda progressivo sobre lucros e dividendos, um erro histórico que precisa ser corrigido. Eu acredito que desde o início de 2024 já deveríamos ter avançado com a reforma do Imposto de Renda, seguida pelo IVA e pela taxação de lucros e dividendos. Esse imposto sobre operações financeiras é muito complexo para as pessoas entenderem. Os números não mentem: 70% dos brasileiros apoiam taxar os mais ricos e reformar o IR. Já 80%, segundo pesquisas da Folha, apontam a redução da desigualdade como prioridade máxima do governo. Essa sempre foi nossa principal bandeira. Enquanto isso, o mercado de trabalho vive uma contradição: faltam padeiros, açougueiros, empacotadores e caixas nos supermercados, mas os salários oferecidos são de R$ 1.800 para jornadas exaustivas de 6×1. Na indústria a situação é pior, com salários em torno de R$ 1.400. Sim, há benefícios como VR e FGTS, mas não podemos esquecer que o trabalhador banca sua própria previdência. Apesar do crescimento do emprego formal e da migração de beneficiários da Bolsa Família para o mercado de trabalho, nossa educação profissional está defasada. As gestões Temer e Bolsonaro deixaram um legado de desmonte: implantaram na prática a Escola Sem Partido e precarizaram o ensino médio. Contrastando com isso, temos exemplos exitosos como o SENAI, que forma 1,5 milhão de profissionais, e as ETEC paulistas com seus 300 mil alunos. O anseio das famílias brasileiras é claro: querem escolas em tempo integral que preparem seus filhos para o mercado de trabalho. Essa é a transformação que o governo busca promover através da educação integral e do fortalecimento do ensino técnico, do Pé de Meia. A nova geração de trabalhadores – motoboys, entregadores por app representa uma mudança cultural. Eles desenvolveram seus próprios códigos e não aceitam mais a exploração passivamente, como mostraram as recentes paralisações em São Paulo. Essa ideia de que o povo brasileiro é conservador é conversa da direita – se fosse verdade, não teríamos vencido cinco eleições. O verdadeiro desafio que enfrentamos é que enquanto a direita consolidou sua base, conquistando metade do país, nosso campo político ainda precisa se organizar melhor. Consolidar nossas conquistas e ampliar nossa base nos próximos anos será determinante para o futuro do projeto político que defendemos.
Depois de tantos anos com os direitos políticos suspensos, este ano você voltou ao Congresso pela primeira vez desde 2005. Pensando nas próximas eleições, podemos contar com você de volta aos nossos quadros?
Minha tendência é ser candidato, acho que depende do PT de São Paulo, depende de conversar. Nosso presidente pessoalmente já me disse que considera, por justiça, que eu deveria virar essa página, ser candidato e tentar me eleger para voltar à Câmara. Também porque acredito que posso contribuir na Câmara pelo Brasil, pelo nosso governo, vamos eleger nosso presidente e pelo PT. Primeiro pelo Brasil. Acho que posso dar minha contribuição pela experiência que tenho, pelos anos vividos e por tudo que aprendi, inclusive no PT, ao longo desses anos de vida. Quero contribuir, mas vou decidir definitivamente no final do ano. Tenho uma oposição muito forte das minhas filhas – não do Zeca, o Zeca quer que eu seja candidato – mas minhas filhas, que não são poucas, são muitas, elas são muito contra. Minha filha mais jovem, a Maria Antônia, é bastante contra, relativamente contra. Mas acho que posso ajudar o PT de São Paulo e contribuir para o debate político nacional, porque, evidentemente, tenho um papel no debate político nacional. Acredito que posso ajudar. Na verdade, já está mais ou menos começando a se organizar… Aliás, eu vou lançar o segundo. Já está pronto, estou terminando a última revisão do meu segundo volume de memórias, que vai de 2006 até 2014. Depois da eleição de 2026, vou entrar com o pedido de revisão da ação penal 470 no Supremo – porque a OEA já aceitou, não decidiu no mérito, mas já reconheceu que eu tinha direito ao juízo natural. Esse é um ponto: tem vários fatos lá no processo do chamado Mensalão que precisam ser revisitados. Vou pedir essa revisão e depois vou escrever, em 2027, um livro chamado ‘Eu e a Lava Jato’, para mostrar o que realmente foi, o que significaram essas três prisões. O Supremo me soltava e eles me prendiam de novo inventavam um processo, o Supremo me soltava. Foram três vezes que me prenderam, e praticamente fiquei preso de 2015 a 2019. Para o bem e para o mal. Também soube aproveitar os anos de prisão, como nosso presidente soube fazer. Continuamos lutando, mantivemos a cabeça erguida e vencemos. Temos que lembrar sempre que somos vencedores. Quando nossa militância fica um pouco desanimada, é preciso lembrar o que é o Brasil, o tamanho do Brasil, os problemas do Brasil. De onde viemos em tão pouco tempo – 45 anos é um período muito curto. E o mundo está mudando com uma rapidez extraordinária. O que conquistamos no país… Não podemos ficar olhando para o passado, mas sim para o futuro.