Seminário do PT discute desafios da escola na era digital e pressiona por 10% do PIB para o setor; painéis do segundo dia foram desde inteligência artificial até a disputa por royalties para financiar ensino

Tecnologia, privatização e financiamento: seminário do PT discute desafios da escola na era digital 
Conjuntura internacional e contexto político e social brasileiro, mundo do trabalho e desenvolvimento com inclusão, transição ecológica e soberania – Foto: Sérgio Silva | Fundação Perseu Abramo.


O segundo dia do seminário “A Realidade da Educação Brasileira e os Desafios do PT “ pautou temas fundamentais para a organização partido em relação à defesa da educação de qualidade para todos, municiando a militância para a disputa com grupos políticos e sociais que insistem em ameaçar esse direito. 


Como ressaltou a senadora Teresa Leitão na abertura dos trabalhos, o seminário foi organizado para debater como a Comissão de Assuntos Educacionais do PT Nacional (Caed) pode aumentar sua intervenção nas ações do partido e defender o projeto democrático em curso diante de um quadro difícil a ser enfrentado em 2026.

O evento iniciou com uma homenagem ao fotógrafo Sebastião Salgado, morto recentemente. O primeiro painel, “Desafios diante das transformações sociais e culturais”, teve a participação da ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, e do economista e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Márcio Pochmann, que também presidiu a Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020. Para a mediação, foi destacado o coordenador do Coletivo Nacional de jovens negros e negras – Enegrecer e da Caed Phelipe Brito. A relatoria foi realizada pela professora Olga Freitas.

A ministra retomou a ideia de amorosidade presente na obra de Paulo Freire para falar da agenda da educação e defesa da escola pública no Brasil. “Temos um governo do campo progressista e popular e seguimos lutando para que avance na garantia do direito à educação, mas enfrentamos uma conjuntura adversa que tenta impor uma outra agenda, oposta àquela que defendemos e com a qual ganhamos nas urnas”, disse. 

Ela pontuou que é urgente pensar como construir uma educação que primeiro pense o sujeito. “Queremos nossas crianças muito bem alfabetizadas, mas não adianta se continuarmos a vê-las se mutilando e suicidando, vítimas de ataques de grupos cibernéticos. O desafio do PT é defender uma educação humanista, com centralidade nos estudantes, com uma escola que olhe os territórios e entenda o que acontece com a juventude”, afirmou. 

“É muito importante avançar no debate sobre educação e direitos humanos, educação ambiental e cultura de pais na base curricular, de forma mais sistemática. E incorporar o debate da centralidade da juventude e ambientes digitais seguros, pois na internet há muitos grupos que trabalham pela cultura da violência”.

Pochmann falou sobre a necessidade de pensar a educação diante de um contexto mais amplo, pois vivemos uma mudança de época decorrente da crise dos Estados Unidos, que durante anos permaneceu como nosso principal parceiro comercial. Estamos diante da ruína da sociedade industrial e do aumento da sociedade de serviços interconectada pelas Big Techs, na qual não temos soberania de dados. “Se não houver uma reorganização dos Estados nacionais vamos avançar para uma nova Idade Média, onde o conhecimento se concentra na mão de meia dúzia de grandes empresas privadas”, afirmou.

Ele destacou que os municípios que mais crescem no Brasil ficam no interior dos estados e cada vez mais para o Centro-Oeste, vinculados à atividade econômica de exportação. “Temos um dinamismo econômico em regiões de baixa densidade demográfica. Isso, associado ao esforço governamental de integração sul-americana, que vai ampliar as possibilidades de exportação pelo Pacífico vinculadas às atividades com a Ásia, especialmente com a China, pode criar oportunidades de integração do Brasil”. Porém, um ponto de atenção é que nestas cidades se repete o padrão de urbanização das metrópoles, com expansão das periferias e das favelas.

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Novas tecnologias

As contradições criadas pelos avanços tecnológicos e sua aplicação nos ambientes educacionais e também a necessidade de criar políticas públicas que impeçam o desenvolvimento de novas formas de exclusão social foram temas do segundo painel, “Interfaces da Educação com a comunicação digital, a IA, as novas tecnologias e a gestão democrática”.

Para debatê-los, foram convidados o professor doutor Luiz Cláudio Costa, reitor do Centro Universitário IESB; o doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor titular emérito da Universidade Federal de Goiás Luiz Fernandes Dourado; a professora de História da rede estadual do Paraná e secretária educacional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná Vanda Bandeira Santana. O professor da rede pública de ensino de Mato Grosso e deputado estadual no Mato Grosso Henrique Lopes do Nascimento fez a mediação, e a mestra em Ciências da Comunicação pela USP, assessora no Núcleo de Apoio a Políticas Públicas da FPA, Andressa Caprecci, foi relatora da mesa.

Costa apresentou dados que denotam a importância da IA no Brasil e os principais desafios que se constituem em relação a ela: 97% dos empregadores veem a IA como vetor-chave até 2030 e 89% planejam requalificar seus profissionais até lá. Por outro lado, o principal obstáculo identificado é a escassez de habilidades digitais, o que denota que sem investimento em capital humano, a tecnologia pode aprofundar a desigualdades.

Ele apontou ações urgentes para o Brasil, como a implantação de políticas públicas de educação para inteligência artificial, um programa de requalificação em larga escala, inclusão digital com equidade, inovação com impacto social e governança ética e global. “Não podemos ficar construindo muros, temos de construir pontes. Não adianta apenas criticar as fakes news se na escola não ensinamos os meninos a analisar como usar a tecnologia a seu favor”, disse. 

Vanda Bandeira falou sobre o projeto que vem se concretizando na rede estadual de educação do Paraná, com a implantação de novas tecnologias nas escolas.  Direcionado a atingir metas e resultados em avaliações, o modelo adotado retira a autonomia dos professores em sala de aula e impõe uma série de plataformas digitais no contexto de privatização da educação.

“A partir da eleição de Ratinho Jr. em 2018 e retomada da extrema direita, ele implantou uma política de modernização do estado privatizante. Nomeou como secretário de Educação um empresário de São Paulo, Renato Feder, que estabeleceu parcerias público-privadas com fundações educacionais para o planejamento estratégico de gestão, de pessoal e pedagógica. Principalmente as pedagogas foram destituídas de sua função e passaram a fazer parte da equipe diretiva, com atribuições de fiscalização”, relatou.

Dourado destacou que a educação não pode estar apartada das inovações e dessas discussões contemporâneas. E que se identifica um conjunto de lacunas e processos na lógica da inclusão. “Essa discussão envolve a questão da gestão democrática, incluindo todo um processo de participação e valorização profissional. Temos de disputar um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial falando justamente o que não queremos. Não é para naturalizar o modelo do Paraná e de São Paulo, mas sim pensar a avaliação em uma perspectiva de diagnóstico e formação, e não na pedagogia de resultados”, concluiu.


Escola pública não é negócio, é direito 

“A cobiça privada sobre o fundo público, modelos de gestão e sistemas de avaliação nacional” foi o tema tratado no terceiro painel, que discutiu as disputas em torno do fundo público ampliado, o que evidencia a crescente cobiça do setor privado sobre os recursos destinados à educação.

Participaram como expositores o professor aposentado da Universidade Federal de Goiás Nelson Cardoso Amaral; a pedagoga, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Paraná Andrea Gouveia; a mestra em Políticas Educacionais e secretária de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) Guelda Andrade; e o doutor em Educação e presidente substituto do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Carlos Moreno, que mediou o debate. A mediação foi realizada pelo coordenador de Formação Política da FPA, Lucas Piaia e, a relatoria, por Mariene Pantoja.

Amaral tratou do financiamento da Educação e disse que a disputa do fundo público é muito desigual entre a área social e o capital. “Há uma parte de fontes de financiamento não explicitada propositalmente pelos poderosos, que só falam de impostos, taxas e contribuições. Existe muitas riquezas brasileiras e defendemos que sejam prioritárias para a educação. Esse caminho existe e precisamos saber, para que elas não acabem com o setor privado”, afirmou.

Ele mencionou a compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e dos Royalties de Itaipu. Em 2022, por exemplo, foram mais de 3,173 bilhões de reais distribuídos a municípios e estados que têm estados e represas. Os dados fazem de um estudo sobre financiamento do PNE, disponível no site da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)

A professor Andrea Gouveia falou sobre o financiamento da educação por meio de políticas públicas a partir de um compromisso ético com a construção de um projeto democrático e popular. Porém, segundo ela, estamos sendo pressionados pelo compromisso com a lógica gerencial da política por evidências. 

“Não tenho dúvida de que fazemos ciência por evidências, mas política fazemos por decisão. Temos muitas evidências de que as mulheres ganham menos no mercado de trabalho, mas isso não tem feito a política mudar, ou muda muito lentamente. Temos dados que mostram que metade dos resultados escolares são explicáveis pela desigualdade de renda, e isso não muda a política educacional. Temos pencas de evidências de que valorização da carreira dá dignidade ao professor e isso muda a escola. Mas não existe um eixo de valorização contínuo e rápido o suficiente para resolver isso”, afirmou.

A cobiça dos recursos financeiros já garantidos para a educação pública foi o tema abordado pela professora Guelda Andrade. “A cobiça privada é retroalimentada pela desresponsabilização do Estado. É um projeto em que o setor privado se organiza para tomar os recursos da educação por meio das parcerias público-privadas. Isso traz o desafio de pensar estratégias.”

Ela aponta que o enfrentamento ao processo privatista envolve a retirada da educação e da saúde da estrutura de ajuste fiscal da União, indicação de fontes para atingir o investimento de 10% do PIB em educação e rever as estruturas privatistas que estão no próprio MEC e FNDE, como as PPPs na Educação Infantil.

O último ponto abordado na mesa foi a defesa das avaliações da educação por Carlos Moreno.  A legislação garante às crianças direito à aprendizagem e escolarização no tempo próprio. “Temos 5570 municípios, com grande diversidade e imensa assimetria no sistema educacional. Diante desse cenário, um sistema de informação que possa medir a dimensão de oferta, os resultados educacionais e suas desigualdades é um instrumento de gestão essencial”, afirmou.