Economia solidária: a semente de um futuro justo
Da crise do trabalho à utopia concreta: como a Economia Solidária combate a precarização com redes como a Justa Trama

Não é mais novidade que o capitalismo contemporâneo globalizou a precarização. No Brasil catastrófico de Jair Bolsonaro, esse processo adquiriu roupagem ainda mais cruel com a reforma trabalhista de 2017, que agravou a vulnerabilidade dos trabalhadores formais e empurrou milhões para a ilusão do “empreendedorismo solitário” mediado por plataformas digitais — um universo de falsa liberdade, em que algoritmos ditam ritmos desumanos, jornadas não têm fim e a ausência de proteção social é a regra. Em 2024, a informalidade atingiu cerca de 41 milhões de pessoas trabalhando sem garantias formais.
O resultado dessa ofensiva não se limita à informalidade. Em 2024 foram registrados 440.000 afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho, sendo que mais da metade causados por ansiedade e episódios depressivos. A cada dia, são centenas de vidas afetadas por quadros de depressão, ansiedade e burnout, reflexo direto das jornadas extenuantes, da pressão constante por desempenho, das atividades esvaziadas de sentido e da insegurança que permeia tanto o emprego formal — cada vez mais precarizado — quanto o trabalho por aplicativos.
Diante dessa ofensiva, a esquerda não pode se contentar apenas com a crítica, especialmente aos iludidos. É necessário apresentar alternativas que encantem pela
eficácia, mas também pela utopia. Ao falarmos sobre Economia Solidária, falamos sobre uma dinâmica socioeconômica baseada na autogestão, na democracia, no comércio justo, no consumo responsável e na sustentabilidade, que gera renda, garante autonomia verdadeira e dá sentido ao trabalho, como na produção de alimentos saudáveis, na criação artística, no tratamento dos resíduos sólidos, em um banco comunitário ou em projetos de reflorestamento, por exemplo, recuperando assim aquilo que temos de mais humano — numa lógica em que a economia serve à vida, não à acumulação. Como ensina Helena Singer, a Economia Solidária deixou de ser apenas “alternativa ao desemprego” para se tornar “alternativa ao próprio emprego”.
Aos ainda não familiarizados, recomendamos que conheçam empreendimentos solidários e dialoguem com aquelas e aqueles que neles trabalham. Quase sempre encontrarão pessoas satisfeitas com seu trabalho, proveniente da realização no trabalho coletivo, sua relevância social, cultural e ambiental, e por um ambiente livre da exploração capitalista. São milhares desses empreendimentos espalhados nas cidades, no campo, nas florestas e nas águas de todo Brasil. Muitas vezes organizados e atuando em redes e cadeias produtivas, como é o caso da Justa Trama, uma iniciativa premiada que desenvolve moda sustentável envolvendo mais de 600 trabalhadores em cinco estados do Brasil, garantindo renda para pequenos agricultores de algodão orgânico no Ceará e Mato Grosso do Sul, coletores de sementes em Rondônia para botões ou biojóias, fiadoras e tecedoras em Minas Gerais e costureiras no restante da rede no Rio Grande do Sul.
A Central Única dos Trabalhadores, por meio de sua Secretaria Nacional de Economia Solidária, articula uma estratégia de fortalecimento sindical capaz de levar a EcoSol a um novo patamar. Trabalhamos para ampliar o diálogo entre entidades sindicais e empreendimentos econômicos solidários em todas as regiões do país, tecendo alianças entre sindicatos, cooperativas, associações, redes, coletivos e movimentos populares. Lutamos por políticas públicas que garantam suporte jurídico, assistência técnica e financiamento a essas iniciativas, convertendo conquistas pontuais em direitos permanentes.
Consolidamos a Rede CUTista de Economia Solidária como espaço de formação política e troca de saberes sobre práticas sustentáveis, produção, distribuição, comércio justo, consumo responsável e finanças solidárias. Simultaneamente, fomentamos canais de comercialização nos próprios espaços sindicais — como feiras solidárias, grupos de consumo responsável e comunidades que sustentam a agricultura — rompendo a cadeia de intermediários e conectando diretamente sindicatos e sua base a empreendimentos e entidades de apoio e fomento. Hoje, já encontramos sindicatos que mantêm hortas comunitárias, cozinhas solidárias e feiras permanentes com iniciativas de Economia Solidária, demonstrando o enorme potencial de nossa base, distribuída por todo o Brasil.
Os resultados dessa mobilização reverberam na vida das pessoas. Trabalhadoras e trabalhadores mais saudáveis e felizes; comunidades assumindo o controle sobre sua produção e seu tempo; mulheres conquistando protagonismo nas decisões econômicas, rompendo ciclos de submissão causada pela dependência financeira; saberes tradicionais valorizados, fortalecendo identidades locais; e redes de apoio mútuo criando resiliência para enfrentar crises.
Cada vez que nós e nossas organizações optam por produtos ou serviços da EcoSol estão também fazendo uma opção política dupla: por um lado, nega o capitalismo predatório e por outro, fortalece um modo de trabalho e de vida baseado na solidariedade. Por isso é tão importante ampliarmos processos e campanhas de orientação de consumo responsável. Esse é o encanto revolucionário da Economia Solidária: ela responde ao presente com uma visão de futuro. Portanto, seu significado vai além do mero aspecto prático: a Economia Solidária é socialismo em gestação.
Karl Marx nos lembrou que “tudo pertence a quem tudo produz”. A Economia Solidária faz dessa verdade uma esperança viva. Ela não é um refúgio para desalentados, mas um projeto político de transição, construído aqui e agora, que combina a urgência da sobrevivência com a ousadia da utopia. Cabe a nós — militantes, dirigentes e forças progressistas — regar e cuidar dessas sementes.
Transformemos a Economia Solidária em caminho concreto para a sociedade desejada pela classe trabalhadora, mostrando que outro mundo possível não é metáfora, mas realidade lavrada nas mãos que tecem, plantam e produzem coletivamente.
Admirson “Greg” Medeiros Ferro Jr e Alex Capuano Alexandre – Secretaria Nacional de Economia Solidária da CUT Brasil