Brasil lidera debate global sobre clima, desenvolvimento e justiça social na Amazônia

COP30 em Belém: uma oportunidade histórica para o Brasil e para os trabalhadores, por Adriana Abdenur

Em novembro de 2025, o Brasil sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém do Pará. É a primeira vez que esse evento ocorrerá na Amazônia e o maior encontro internacional sobre sustentabilidade no Brasil desde a Rio+20, que reuniu Estados, governos subnacionais, sociedade civil e setor privado para lançar as bases dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Também será a COP mais importante desde a conferência em Paris, em 2015, que resultou no Acordo de Paris – o pacto global que estabeleceu metas para limitar o aquecimento global.

A escolha de Belém carrega um peso simbólico, histórico e estratégico: ela sinaliza o reconhecimento do papel essencial da Amazônia na agenda climática global, mas também projeta o Brasil como ator-chave na construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável e justo.

Num momento em que o mundo vive um acirramento de tensões geopolíticas, retração do financiamento internacional, enfraquecimento da governança global, ataques contra a ciência e nova ofensiva da extrema direita, a COP30 oferece uma chance rara de reconstruir confianças, renovar o multilateralismo e afirmar que é possível transformar as economias para enfrentar a crise climática com justiça social.

Para os trabalhadores, movimentos sociais e setores populares, a COP30 também representa uma chance de disputar os rumos dessa transformação. O coração da conferência são as negociações entre países — é ali que se discutem compromissos e responsabilidades. Mas não se trata apenas de um evento diplomático restrito a chefes de Estado e negociadores. Ela é também, inevitavelmente, um espaço de disputa de ideias, visões de futuro e projetos de desenvolvimento sustentável. É um momento em que governos, movimentos sociais, cientistas, juventudes, povos indígenas e trabalhadores do mundo inteiro se reúnem para influenciar os rumos da economia global e do planeta. É onde se decide não apenas o que cada país fará, mas que tipo de mundo queremos construir coletivamente.

Por isso, também está em jogo o futuro do modelo de desenvolvimento sustentável do Brasil, e com ele, os caminhos do emprego, da produção, da renda e da soberania.

Prioridades diplomáticas da presidência brasileira da COP30

No plano internacional, a presidência brasileira da COP30 tem como prioridade acelerar a implementação do Acordo de Paris. Isso inclui mobilizar governos e setores diversos da sociedade para implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – os compromissos que cada país apresenta dizendo o que vai fazer para combater a mudança do clima – além de avançar na agenda de adaptação e ampliar o financiamento climático, especialmente para os países em desenvolvimento.

De acordo com o Presidente da COP30, o Embaixador André Corrêa do Lago, o Brasil quer promover um verdadeiro “mutirão global” contra a crise climática, integrando saberes tradicionais, tecnologias sociais e propostas de justiça econômica. A escolha da palavra “mutirão” não é apenas simbólica — ela carrega o espírito de colaboração comunitária que está profundamente enraizado na cultura popular brasileira. Em um mutirão, ninguém resolve tudo sozinho: cada pessoa contribui com o que pode, de forma solidária, para alcançar um objetivo comum. É uma forma de ação coletiva que valoriza o protagonismo das comunidades, a união de diferentes conhecimentos e a partilha de responsabilidades.

A presidência brasileira também buscará avanços em temas cruciais das negociações internacionais: definição de indicadores globais de adaptação, fortalecimento dos planos nacionais, cumprimento das metas de financiamento, defesa da transição justa e a operacionalização do fundo de perdas e danos – criado para apoiar países vulneráveis que enfrentam impactos irreversíveis das mudanças climáticas, especialmente desastres além de sua capacidade de adaptação.

Para tornar todos esses objetivos viáveis, é essencial garantir um novo pacto financeiro. A chamada “Rota de Baku a Belém” – negociada em Baku, no Azerbaijão, em 2024 – propõe mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para ações climáticas. Desde então, o contexto político tornou-se ainda mais desafiador: frente ao agravamento das tensões geopolíticas, os países ricos passaram a canalizar recursos outrora dedicados ao desenvolvimento e à ação climática para fins militares. Ao mesmo tempo, a demanda por recursos para combater a mudança do clima continua crescendo. Será importante, portanto, mobilizar todas as fontes de recursos possíveis, desde orçamentos públicos, bancos multilaterais e públicos e tributação progressiva (inclusive internacional) até o setor privado.

Mas o Brasil também pode promover uma nova narrativa sobre o financiamento climático. Os países ricos, buscando esquivar-se dos compromissos históricos que assumiram, alimentam promessas vagas de que alavancar o capital privado irá suprir a imensa lacuna de financiamento climático. Mas não se pode alimentar a ilusão de que o capital privado, sozinho, resolverá o problema; ele obedece à lógica do lucro, e a ação climática exige planejamento, coordenação e recursos a longo prazo. É preciso ampliar e democratizar os recursos públicos e multilaterais, desburocratizar o acesso a fundos climáticos, ampliar o espaço fiscal e inovar no papel do Estado como guia e condutor da transformação rumo a uma economia de baixo carbono.

Outro eixo central da narrativa brasileira será valorizar as florestas tropicais e a bioeconomia. A Amazônia não é apenas um passivo ou um desafio, como é frequentemente colocada em debates internos e internacionais: ela é uma rica fonte de soluções. O mesmo pode ser dito sobre outras áreas de floresta tropical em outras regiões do mundo. Além disso, longe de serem santuários intocados – como são frequentemente retratados por quem é de fora da região – são áreas habitadas por milhões de pessoas, que merecem empregos dignos, renda, infraestrutura verde e serviços públicos. Neste universo, a presidência brasileira pretende dar destaque ao papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares como guardiões de modos de vida sustentáveis e de conhecimentos que podem orientar um novo modelo de desenvolvimento. O “Círculo de Lideranças Indígenas” proposto pelo governo busca dar centralidade a esses atores na governança climática.

O Brasil na defesa do multilateralismo

A presidência brasileira da COP30 também pretende impulsionar a renovação do multilateralismo climático. O atual modelo de governança global, centrado nas conferências anuais das partes (COPs), tem apresentado sinais de esgotamento: avanços lentos, negociações travadas por interesses nacionais divergentes, e baixa capacidade de implementar decisões já tomadas. Muitos países do Sul Global expressam frustração com a burocracia e com a assimetria de poder no sistema atual. Diante desse cenário, o Brasil propõe reflexões sobre formas mais eficazes, inclusivas e coordenadas de governança climática.

Uma das propostas em debate é a criação de um “Conselho do Clima”, uma instância permanente e representativa, no âmbito das Nações Unidas, que ajude a articular as decisões das COPs com outras agendas globais. Como afirmou o presidente Lula em 2024, não podemos esperar por uma reforma completa da Carta da ONU para avançar em mecanismos de resposta à emergência climática. A urgência exige criatividade institucional e vontade política.

Outra frente é a integração das convenções ambientais internacionais. Clima, biodiversidade, desertificação e desenvolvimento sustentável são frequentemente tratados de forma isolada, com agendas, cronogramas e estruturas próprias. O Brasil quer propor um “Círculo de Presidências” das convenções da ONU para promover maior sinergia, reduzir sobreposição de esforços e garantir respostas mais integradas às crises interligadas do século XXI.

Diante da retração dos países ricos e da crescente desconfiança nas promessas não cumpridas, a cooperação Sul-Sul ganha ainda mais relevância. O Brasil tem apostado na ativação de fóruns como o BRICS+ para fortalecer o diálogo entre países em desenvolvimento, coordenar posições em negociações e construir soluções concretas. Um exemplo é a articulação entre países detentores de florestas tropicais, como se viu na Cúpula da Amazônia, com o objetivo de consolidar uma voz comum na governança climática.

Nesse contexto, o Brasil vem liderando propostas para valorizar a floresta em pé, com instrumentos que remunere sua preservação com base em resultados e garantam que os recursos cheguem diretamente às comunidades que vivem e protegem esses territórios. Também será essencial valorizar os demais biomas brasileiros — como o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pantanal e o Pampa — reconhecendo sua contribuição para o equilíbrio climático, a biodiversidade, e a segurança hídrica e alimentar. Incluir todos os biomas na agenda da transição ecológica é fundamental para construir um projeto nacional de desenvolvimento sustentável com justiça social e territorial.

Uma nova economia para o Brasil

A agenda climática internacional precisa estar ancorada na realidade concreta dos territórios e dos povos. Sob a liderança do presidente Lula, o Brasil tem reafirmado que combater a mudança do clima não é incompatível com o crescimento econômico ou com a geração de empregos dignos e renda. Pelo contrário: uma transição ecológica justa deve ser o motor de uma reindustrialização verde, da adoção de novas tecnologias sustentáveis, do combate às desigualdades, da valorização do trabalho e do fortalecimento da democracia.

O Brasil reúne condições únicas para liderar uma economia de baixo carbono: possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com ampla presença de fontes renováveis como hidrelétricas, solar, eólica e biomassa. Também conta com vastos recursos naturais, biodiversidade e capacidade agrícola que, se bem manejados, podem sustentar modelos produtivos sustentáveis e inovadores. Ao investir em tecnologia, infraestrutura verde e inclusão social, o país pode transformar essas vantagens em um motor de desenvolvimento justo e duradouro.

Portanto, internamente a COP30 também representa uma oportunidade de reposicionar o Brasil na economia global, não apenas como exportador de commodities ou detentor de riquezas naturais, mas como um protagonista na construção de soluções para os grandes desafios do século XXI. Ao sediar a conferência, o país pode afirmar uma nova visão de desenvolvimento que combina justiça social, transição ecológica e inovação produtiva. É uma chance de mostrar que o Brasil tem propostas concretas para uma economia mais verde, inclusiva e democrática — e que está pronto para liderar, junto a outros países do Sul Global, uma nova agenda internacional baseada na cooperação solidária, na soberania e na valorização do trabalho.

No plano interno, embora não faça parte do mandato oficial da presidência da COP30, a conferência é também uma oportunidade política para o Brasil aprofundar seu projeto de desenvolvimento. É momento, por exemplo, de articular as políticas estruturantes do governo Lula — o Plano de Transformação Ecológica, a Nova Indústria Brasil (NIB), o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Plano Clima e tantos outros — em uma visão coerente e popular de futuro sustentável, inclusivo e democrático. Essa articulação se torna ainda mais estratégica com a aproximação das eleições de 2026, quando estará em jogo o modelo de país que queremos consolidar.

Essa visão deve incluir o fortalecimento da economia do cuidado, o reconhecimento dos bens comuns naturais, o combate à desigualdade regional e a democratização do acesso e do desenvolvimento de tecnologias verdes. Deve também evitar que o Brasil fique refém da economia política da Inteligência Artificial (IA), hoje dominada por grandes empresas estrangeiras que concentram dados, acumulam pegadas climáticas crescentes, controlam as infraestruturas digitais e impõem lógicas de mercado incompatíveis com a soberania tecnológica, a inclusão social e a proteção dos direitos trabalhistas. O Brasil deve ser cauteloso ao se posicionar como polo de data centers — uma ambição que, se não for cuidadosamente planejada, pode nos relegar ao papel de mera “fazenda de energia” para alimentar as big techs. Esses centros de dados consomem enormes volumes de eletricidade e água, muitas vezes com baixo retorno em termos de geração de empregos qualificados, transferência de tecnologia ou controle sobre os fluxos de dados. Sem políticas públicas claras que exijam contrapartidas, como investimentos em inovação local, uso de energia limpa, respeito à soberania digital e proteção de dados, corremos o risco de aprofundar uma dependência tecnológica insustentável. O Brasil precisa mirar mais alto: não basta ser infraestrutura bruta para os algoritmos alheios — devemos aspirar a desenvolver nossas próprias soluções tecnológicas, com inclusão social, controle público e benefícios reais para a economia nacional.

O Brasil precisa agir com cautela e planejamento estratégico no aproveitamento de seus minérios críticos, como lítio, níquel, cobre e terras raras — insumos essenciais para a transição energética global. A extração desses recursos, se feita de forma desregulada, pode gerar graves impactos ambientais, como contaminação de rios e solos, desmatamento e violação de direitos de comunidades locais, além de reproduzir condições de trabalho precárias e inseguras, frequentemente associadas à mineração. Por isso, é fundamental estabelecer salvaguardas sociais e ambientais robustas e garantir que a atividade esteja inserida em estratégias de desenvolvimento sustentável. Ao invés de simplesmente exportar matéria-prima, o país deve buscar agregar valor localmente, promovendo o encadeamento produtivo, a industrialização verde e a geração de empregos de qualidade. Além disso, essa riqueza mineral representa um ativo geopolítico importante, que pode e deve ser utilizado como instrumento de barganha para negociar transferência de tecnologia, financiamento climático e parcerias mais equilibradas. Para maximizar esse potencial e evitar a corrida predatória por recursos, o Brasil precisa articular-se com outros países sul-americanos que também detêm reservas estratégicas — como Argentina, Bolívia e Chile — e construir posições comuns que fortaleçam a soberania regional sobre a transição energética.

Na Amazônia e em outros biomas, é possível fomentar cadeias produtivas sustentáveis que valorizem o trabalho local. Mas para isso é preciso planejamento, financiamento, infraestrutura e compromisso político. A reindustrialização verde pode ser uma poderosa fonte de empregos e inovação, desde que envolva os sindicatos, a juventude, as universidades e as cooperativas.

Essa nova visão, no entanto, encontra um contexto político desafiador. O Congresso Nacional atual tem maioria conservadora, com forte presença de parlamentares ligados ao negacionismo climático e a interesses que buscam retroceder em conquistas históricas da legislação ambiental. Mas proteger essas leis não é apenas uma pauta ambientalista – é uma questão estratégica para o próprio desenvolvimento nacional. Segurança jurídica, estabilidade regulatória e proteção ambiental são hoje pré-requisitos para atrair investimentos em infraestrutura, inovação produtiva e cadeias de exportação. Desmontar essa estrutura seria um tiro no pé, inclusive para quem quer ver o Brasil crescer com soberania e competitividade.

A COP30 traz a chance de atualizar a narrativa brasileira sobre o clima. Durante muito tempo, o país foi retratado como problema por conta do desmatamento. Agora, é hora de mostrar o Brasil como parte da solução, com propostas concretas, participação popular e visão estratégica. Isso passa por fazer avançar de forma propositiva debates sobre o papel dos combustíveis fósseis na economia brasileira e mundial, inclusive alternativas concretas para financiar a transição justa com os recursos do petróleo e gás.

Para os trabalhadores e movimentos populares, esse é o momento de ocupar o centro do debate. Não como vítimas, nem como meros beneficiários, mas como protagonistas da construção de um novo modelo de país — mais justo, mais verde e mais democrático. Protagonistas de uma tremenda janela de oportunidades que não podemos nos dar o luxo de perder.

Adriana Abdenur é co-Presidente do Fundo Global para uma Nova Economia (GFNE). Entre 2023 e 2025, foi Assessora Especial em Relações Internacionais no gabinete do Presidente Lula. É co-fundadora da Plataforma CIPÓ.