Ex-diretor do FMI e dos BRICS, Paulo Nogueira Batista Jr. critica a atuação do governo na diplomacia multilateral e defende uma política externa com mais soberania e poder de barganha para o Brasil

'Os países precisam se reunir para coibir o poder do capital financeiro globalizado', diz Paulo Nogueira Batista Jr.
O economista Paulo Nogueira Batista Jr., entrevistado da semana na Focus Brasil
Foto: Divulgação

Receber críticas faz parte do debate público, e o economista Paulo Nogueira Batista Jr. tem plena consciência disso. “É muito fácil eu, aqui sentado, tranquilo, apontar o caminho e criticar determinadas situações”, afirma. Crítico da atuação diplomática do governo brasileiro nos BRICS e das posturas recentes do Itamaraty, ele fala com a autoridade de quem colabora com o Partido dos Trabalhadores desde a década de 1990. Suas sugestões partem do princípio de que o Brasil deve se afirmar como uma nação mais autônoma, com um robusto “poder de barganha” para conquistar resultados mais vantajosos no cenário internacional.

Sua trajetória demonstra que nunca se omitiu, mesmo quando ocupava cargos de alto escalão. Quando era vice presidente do NDB, em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2017, ele declarou: “Impeachment sem configuração de crime de responsabilidade ou de crime comum é golpe”. Depois desse episódio, foi dispensado por Michel Temer. O tempo demonstrou que ele estava certo. Nogueira Batista Jr. não tem “receio de ficar isolado”.

Reconhecendo o Brasil como um dos maiores países do mundo e um aliado estratégico da China, sua análise da conjuntura vai além da crítica pontual. Ele considera que a visita do presidente Lula à China representou um movimento relevante para reposicionar o Brasil internacionalmente, sobretudo diante da crescente necessidade chinesa de apoio externo. A China, afirma, “é o principal alvo do governo Trump, isso está escancarado. Ela tem que buscar apoio, sinergias, relacionamentos com outros países, entre os quais o maior da América Latina e um dos maiores do mundo, que é o Brasil”.

Experiência internacional e publicações

Foi diretor executivo no FMI (2007–2015) e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelos BRICS (2015–2017), de onde foi demitido por Michel Temer em meio a um processo que pode ser lido como lawfare. Atuou também no governo federal nos anos 1980 e lecionou na FGV por quase duas décadas.

É autor de livros como O Brasil não cabe no quintal de ninguém (2019), que mistura memórias de sua atuação internacional com reflexões sobre nacionalismo e desenvolvimento.

Gostaria de começar perguntando sobre a visita do presidente Xi Jinping à presidenta Dilma no NDB, no mês passado, que pode ser compreendida como, além de um gesto de cordialidade por parte dele, uma demonstração de prestígio dela. Como o senhor avaliou esse encontro?

É uma notícia importante para o banco, importante para Dilma. E por quê? O presidente Xi Jinping é o presidente do país que sedia o banco, daí a importância que eles atribuem ao banco, e só por isso Xi Jinping se dispôs a visitar a instituição. Mas, antes de Dilma ser presidente, Xi Jinping nunca tinha visitado o banco, o que mostra que Dilma, como ex-presidente, elevou o status do banco. Isso não significa que a gestão dela esteja ótima ou alcançando muitos resultados práticos. Mas politicamente, ela colocou o Novo Banco de Desenvolvimento no mapa mundial, desempenhando um papel importante.

Eu gostaria de abordar alguns assuntos que o senhor tem tratado, é um assunto que, para mim, tem muita importância é sobre a ditadura dos mercados financeiros. Como ele se manifesta no contexto brasileiro? O senhor acha que ele pode ser explicado na teoria do tecnofeudalismo do Yanis Varoufakis?

Olha, essa expressão “ditadura do mercado financeiro” é muito verdadeira. Você tem hoje no mundo um número pequeno de agentes financeiros, grandes fundos, grandes bancos, que possuem um poder desproporcional e conseguem intimidar os governos, até mesmo os governos mais poderosos, como o governo de Donald Trump dos Estados Unidos, que dizer de países mais vulneráveis. Então, do ponto de vista, digamos assim, utópico, seria importante que os países se reunissem para coibir o poder desse capital financeiro globalizado, internacionalizado e livrar os países da ditadura desses mercados. Enquanto isso não acontece, o Brasil não pode ficar de braços cruzados esperando que o mundo resolva controlar.

O governo Lula é até um pouco inerte, mas não é nem esse o problema principal, o problema principal é que você tem que tomar medidas. Essa é a exigência fundamental. E uma medida possível para amenizar essa ditadura do mercado financeiro tem a ver com o tema anterior, que é a China. Por que o Brasil não negocia com a China a colocação de títulos públicos brasileiros em investidores chineses públicos? Na China não existe essa história de capital privado financeiro; ela nunca deu espaço para isso no seu sistema econômico. Seria interessante… Porque, veja, sendo um pouco mais preciso, essa conversa já começou entre o governo brasileiro e o governo chinês. Desde o final do ano passado e início de 2025. Mas eu creio que ela só vai avançar mais agora, porque a China precisa mais do Brasil, pois ela é o principal alvo do governo Trump, isso está escancarado. E ela tem que buscar apoio, sinergias, relacionamentos com outros países, entre os quais o maior da América Latina e um dos maiores do mundo, que é o Brasil. Então, o Brasil tem poder de barganha para hoje pleitear junto aos chineses, que se inicie um processo pelo qual os chineses, em vez de ficarem comprando títulos públicos americanos, arriscados e rendendo pouco, comprem títulos brasileiros e, com isso, obtenham rendimentos mais altos, ainda que com risco um pouco maior.

O senhor acha que isso se reflete nessa visita recente do presidente Lula, que fechou vários acordos com a China? Como é que o senhor avaliou, inclusive, essa visita do presidente Lula à China recentemente?

Não sei se esse tema que eu acabei de mencionar foi tratado lá, eu ouvi boatos de que havia sido, mas nenhuma informação firme. A visita foi boa, foi muito importante que o presidente brasileiro tenha ido à Rússia e depois à China, marcando uma posição importante para o Brasil no cenário internacional. Basta dizer o seguinte: a China é a maior economia do mundo. Já é, há algum tempo, substancialmente maior que a economia americana em termos de paridade de poder de compra, que é o critério mais defensivo de comparação dos PIBs há muito tempo já, e agora a margem cresceu muito. Então, a maior economia do mundo, é o país com o maior comércio exterior no mundo. Portanto, o Brasil faz bem em se relacionar de maneira mais intensa com esse país, que aliás, oferece coisas concretas: projetos de investimento, em infraestrutura, em energia, em outras áreas. Eu só acho o seguinte, não vale a pena nós absorvermos o capital chinês para comprar ativos que já existem no Brasil. Eles têm que entrar com projetos novos, criando capacidade adicional nova. E, de novo, o Brasil tem poder de barganha hoje, que não tinha há seis meses, há um ano, para obter relações melhores com a China. Não vamos esquecer que a China tem conosco uma relação meio colonial, porque nós exportamos produtos primários para lá, soja, minério de ferro etc. e importamos produtos industrializados da China. E essa relação precisa ser modificada, negociada de forma a produzir um resultado melhor para o Brasil.

Como é que a autonomia dos mercados financeiros ameaça uma soberania nacional? E por que controlar os capitais pode ser sugerido como uma possível solução para países como o Brasil?

A China nunca deixou de controlar os movimentos de capital, e essa é uma das razões fundamentais do seu sucesso. Já o Brasil, no governo de quinta categoria, chamado governo Fernando Henrique Cardoso, liberalizou a conta de capitais e tornou o Brasil muito mais vulnerável à entrada e saída de capital externo de residentes e não residentes. Qual é o problema? Por isso é que economistas como eu, lá nos anos 90, quando Fernando Henrique Cardoso e seu bando estavam fazendo essas barbaridades, dizíamos: não façam isso, porque, se o fizerem, vai ser difícil reverter. Você dá um privilégio ao capital de entrar e sair a qualquer momento e tenta depois barrar esse privilégio. Então, agora estamos nessa situação criada por eles. E o governo Lula não fez nada, nem no Lula I, nem no Lula II, nem no Lula III, para coibir essas mudanças. Por quê? Porque é difícil e porque falta convicção e coragem na área econômica dos governos. Eu sei que não é fácil. É muito fácil para mim aqui sentado, tranquilo, mostrando para você, dizendo: controle os movimentos de capital. Mas é necessário para que o Brasil tenha mais autonomia como nação, não é? Para não ficar sujeito a essa ditadura do mercado financeiro nacional e internacional a que você se referiu antes.

Ainda nessa questão internacional, queria falar um pouco sobre a crise do dólar, a erosão do dólar, que o senhor tem chamado de desordem do dólar. É fato que isso não começou com o retorno do Donald Trump, mas a volta dele agravou o cenário desse momento. Se o dólar perdesse a sua hegemonia, quais seriam as consequências para a economia global e quais alternativas para o dólar como uma moeda de reserva global?

Olha, as alternativas para o dólar como moeda de reserva são basicamente o euro, em tese, o euro, o iene, a libra esterlina, a moeda chinesa, o renminbi e o direito especial de saque. Não vejo o dólar perdendo terreno, está sofrendo uma erosão, para usar a sua palavra. Mas essa erosão não é tão rápida assim. Embora Trump tenha acelerado essa erosão, ela vai se estender por muito tempo, porque os arranjos monetários têm muita inércia, os países e as empresas não se livram facilmente do apego a uma moeda. O que poderia ser feito para criar alternativas? Uma, os chineses já estão fazendo. Os chineses já estão preparando, com seu profissionalismo e sua capacidade estratégica, todo um conjunto de passos para criar um sistema alternativo ao dólar. Isso já está em andamento. Agora, do nosso ponto de vista, nosso, de um Brasil e outros BRICS, exceto a China, seria melhor construir uma alternativa plurilateral ao dólar e não outra alternativa nacional, que seria a moeda chinesa. Essa alternativa plurilateral precisaria ser constituída no âmbito dos BRICS ou de um subconjunto dos BRICS. Pergunta-se se o governo brasileiro, o governo Lula, que tem a presidência do Brasil nos BRICS em 2025, está fazendo algo. Que eu saiba, nada. Pode ser que estejam acontecendo coisas ocultas, que eu não tenha conhecimento, e espero que sim, mas não há sinais disso, infelizmente. Então, estamos engatinhando, e esse engatinhar se deve em parte à incapacidade dos governos, inclusive do brasileiro, de testar os limites do possível.

Nesse cenário mundial que vivemos de incertezas, de conflitos e até uma nova aproximação do Reino Unido com a Europa, o senhor acha que o BRICS poderia ter um papel mais efetivo de construir esse novo cenário, essa nova possibilidade?

Existem duas dificuldades: uma é que os BRICS têm uma tradição problemática, que é resolver por consenso, entendido como unanimidade. Isso já era um problema quando tínhamos apenas cinco membros. Agora, com 10 ou 11, se considerarmos a Arábia Saudita, fica mais difícil alcançar um consenso. Então, qual é a situação? Um país que se opõe a uma determinada iniciativa tem mais peso do que o apoio dos outros dez ou nove, pois todo e qualquer membro do grupo possui poder de veto quando a unanimidade é exigida. Portanto, para que os BRICS possam avançar, seria preciso reavaliar essa forma de resolver questões dentro do grupo, papel para a presidência brasileira em 2025. Durante a presidência russa dos BRICS em 2024, um passo nessa direção já foi dado quando os líderes em Kazan endossaram uma proposta para um sistema de pagamento alternativo ao SWIFT, o sistema controlado pelos Estados Unidos, que seria o BCBI, Cross-Border Payment Initiative, Iniciativa de Pagamento Transfronteiriço dos BRICS, com um mecanismo voluntário e não vinculante. Veja bem: voluntário e não vinculante. Ou seja, não é necessário que todos os países participem na primeira etapa. A Índia não quer participar? A Índia espera, enquanto aguardamos a decisão da Índia, prosseguimos com o conjunto dos BRICS. O aumento no número de países membros pode até, por outro lado, favorecer essa solução. Por quê? Porque com dez países, será possível formar um subconjunto maior e mais específico para criar uma iniciativa de uma parte dos BRICS, entende? E, aliás, por que não incluir países que não são membros dos BRICS? É possível.

A minha sugestão ao governo brasileiro e aos outros governos, foi que se retire o nome BRICS das iniciativas. Não precisa ser BRICS Iniciativa de Pagamento Transfronteiriça dos BRICS, não, Nova Iniciativa de Pagamento Transfronteiriça. Senão, fica-se preso aos donos da sigla, entende? Então, há coisas que precisam ser feitas, que são delicadas politicamente, e nós estamos com um Itamaraty inerte, sem imaginação – diplomatas, não quero usar uma palavra muito forte, mas vou acabar usando: tacanhos, que não conseguem enxergar o básico. Então, estamos aí com a diplomacia de punhos de renda, uma baboseira constante do Itamaraty, e na Fazenda também, em menor medida. Na Fazenda, sim, ainda há algumas exceções, mas no Itamaraty, acho que não há nenhuma. No Ministério do Planejamento, nenhuma. No Banco Central, o Galípolo era para ser uma exceção, mas ainda não mostrou a que veio, entende? O Banco Central também tem incidência sobre esses assuntos, BRICS, por isso estou dizendo. Então, existem possibilidades, mas não estamos aproveitando.

Nessa questão mais histórica, política, para nós que estamos no espaço de esquerda, quando falamos sobre esse processo de dolarização e de erosão etc., como é que podemos dialogar com esses outros atores que continuam batendo continência para a bandeira estadunidense? Como é que nós, de esquerda, podemos estabelecer esse diálogo com esse pessoal? Você pode dar dicas?

Olha, esse tema da desdolarização é natural não só para a esquerda, mas para todos os nacionalistas no mundo, que não são necessariamente de esquerda. Por quê? Porque o dólar, não vamos esquecer, é a moeda do país que mais estrago fez no mundo desde a Segunda Guerra Mundial: os Estados Unidos. Não há nenhum outro país no mundo que tenha feito tanto estrago. Jogou duas bombas atômicas, interveio em dezenas de países, derrubou governos, adotou medidas coercitivas, usando, inclusive, o dólar e o sistema de pagamentos que eles controlam, chamado SWIFT. Quem fez tudo isso? Os Estados Unidos. Se a moeda deles perde expressão, se eles, americanos, perdem a expressão, nós só podemos dar boas-vindas a isso, desde que não seja aquela esquerda identitária, que nada tem de geopolítica, que também existe. Mas, se houver uma esquerda que entende de geopolítica, que percebe que estamos num mundo, uma espécie de mudança de era, porque está acabando a hegemonia da civilização do Atlântico Norte, que durou séculos, remonta, pelo menos, à Revolução Industrial inglesa. Durante séculos, os europeus, depois os americanos, acostumaram-se a dar ordens. Isso está acabando.

Não está acabando instantaneamente, mas erodindo dessas forças internacionais. É muito visível. Ótimo, porque nada de decisivo ganhamos com a hegemonia americana e europeia. Portanto, para um país como o Brasil, isso é muito bem-vindo, para a esquerda brasileira também deve ser bem-vindo. Sem confusão, porque aí entram um pouco as discussões… Não sei se estou confundindo a sua pergunta, mas fica uma discussão sobre ditadura e democracia. Ah, Lula não devia visitar ditadores como Putin e Xi Jinping. Quando visitamos a África Saudita, ninguém fala nisso. Está certo? Quando os Estados Unidos visitam a África Saudita, está perfeito. Quando é a China…

Leva um avião novo para casa, todo mundo comemora também.

É o cúmulo do ridículo. Então, não sei se você concorda comigo, mas eu penso o seguinte: o Brasil não tem nada que se meter com o regime político dos outros. A Rússia tem um regime político? Nós temos relações com a Rússia? O Brasil vai se relacionar com a Rússia? O Lula vai poder visitar Putin? Seja qual for o sistema, a mesma coisa se aplica à China. Nós não vamos querer dar palpite em um sistema político chinês e ensinar democracia para ninguém. Nós temos relações econômicas e políticas importantes com a China e com a Rússia. Agora, ele se aplica à Venezuela, onde o governo Lula errou feio, querendo se meter no processo político venezuelano, dando palpite, pedindo atas, interferindo. Não é o nosso papel. A Venezuela resolve seus problemas, a China resolve seus problemas, a Rússia resolve seus problemas, e nós resolvemos os nossos, dispensando ajuda externa, porque essa ajuda nunca vem de graça.

Professor, para quem não é do ramo, economia é sempre uma coisa muito difícil, árida, deve ser o que um economista mais ouve, que economia é um tema árido. Esse conceito de tecnofeudalismo me parece, que não sou uma pessoa do ramo, bem palatável e acessível. Tem uma crítica também contra a esquerda de que não falamos mais sobre socialismo, de que deixamos de usar a palavra socialismo. Então, queria insistir nessa teoria, se o senhor conhece, se o senhor acha que isso pode representar uma mudança de paradigma. Do ponto de vista histórico, será que é possível criarmos formas de explicar o momento presente nessa perspectiva de um mundo multilateral, que é um tema muito presente na nossa realidade?

Pergunta difícil, você está pedindo para eu abordar o globo. Uma abordagem nova? Não sei se temos uma abordagem nova em nível global, sabe? Não creio que haja isso. Pode haver acertos parciais entre países que propõem abordagens diferentes. Mas não tenho a menor expectativa de que se possa fazer uma reforma da arquitetura internacional. Embora eu tenha mencionado isso no início da nossa conversa, é pura utopia. Por quê? Porque a arquitetura financeira, econômica e monetária internacional que hoje existe, criada pelos Estados Unidos e por seus aliados mais próximos, não tem maleabilidade alguma. Os americanos não têm interesse em mexer nisso. Ao contrário, se mexerem, vai piorar. Então, países como o Brasil teriam que participar de grupos de países de pensamento semelhante, que poderiam oferecer alternativas plurilaterais a isso. Então, por exemplo, o Banco Mundial não funciona bem? Criou-se um novo Banco de Desenvolvimento, presidido pela Dilma, que não está indo tão bem, mas já existe, tem dez anos de existência, fomos fundadores desse banco, é uma instituição concreta que pode se desenvolver. Então, nós não estamos contentes com o sistema de pagamentos que os americanos controlam, que os europeus controlam, o SWIFT? Criemos, então, um sistema de transações em moedas nacionais que bypass o SWIFT. Entende? Isso não é a revolução global do socialismo, mas é uma coisa importante para diminuir a volatilidade, a vulnerabilidade dos nossos países ao arbítrio dos Estados Unidos e dos europeus. Não se esqueça, que a Rússia teve cerca de US$ 300 bilhões de suas reservas, congeladas por europeus e norte-americanos, US$ 300 bilhões, quando da invasão da Ucrânia. Não há mais respeito por nada. 

E toda hora tem novas sanções que são aplicadas pela Comissão Europeia, é uma coisa permanente…

Essas sanções nem têm funcionado muito bem, como você sabe, a Rússia continua bem economicamente, mas não é brincadeira. O que acontece quando um país como a Rússia tem US$ 300 bilhões de reservas confiscadas, congeladas? A China, que tem mais reservas ainda em dólares e euros, fica preocupada e começa a retirar os seus recursos de lá. O que o Brasil está fazendo? Eu queria saber como está a distribuição das nossas reservas, que também são expressivas e que não podem ficar vulneráveis. Então, nós temos de ter uma diversificação monetária das nossas reservas também, porque não podemos confiar na boa vontade estadunidense. Ou podemos? 

Professor, eu queria fechar essa entrevista falando de um assunto pessoal, que é o seu pai. O senhor tem muita admiração por ele, enfim, é uma figura importante da diplomacia e para a história do Brasil, negociou acordos etc. Como é que o senhor acha que ele estaria vendo esse momento mundial e como é que o senhor acha que ele estaria aconselhando o Brasil nesse momento?

De vez em quando ele conversa comigo… Meu pai, falecido em 1994, deixou um legado muito importante, tanto em realizações quanto em publicações, o mais importante deles é seu trabalho sobre o Consenso de Washington e os problemas da América Latina, concluído pouco antes de sua morte. Acredito que, se vivo, ele estaria muito decepcionado com o Itamaraty, digo isso por conta própria, mas tenho quase certeza que ele concordaria… O Itamaraty, que outrora foi um serviço diplomático de excelência mundial, hoje se tornou uma burocracia medíocre, irreconhecível. Diplomatas como meu pai, Samuel Pinheiro Guimarães Neto, Ítalo Zappa e outros não mereciam ver essa transformação. Menciono isso com tristeza. Gostaria que o exemplo de meu pai fosse mais conhecido e valorizado no Brasil. Pelo menos para mim serve, ele sempre, mas eu gostaria que meu pai fosse mais conhecido, porque no Brasil os grandes brasileiros são esquecidos, e não são, a meu ver, suficientemente lembrados.