Participação social aumenta no governo Lula 3, aponta estudo da Abong
Pesquisa realizada em parceria com a Fundação Friedrich Ebert abordou a reativação dos Conselhos após desmonte em gestões anteriores

Em 2023, quando tomou posse, o governo federal escolheu como slogan “Brasil: união e reconstrução”. A menção à reconstrução é passível de ser lida de maneira ampla, pois, após os anos da gestão Bolsonaro, diferentes setores da máquina pública se assemelhavam à terra arrasada. Uma dessas frentes, praticamente extinta neste período, foi a da participação social.
Grande marca dos governos petistas, os conselhos participativos surgiram ainda nos anos 90, como saldo das conquistas estabelecidas após a Constituição de 88, e alcançaram um período bastante ativo a partir de 2003.
Os colegiados (não só Conselhos, mas também Comitês, Grupos de Trabalho, Comissões, Conferências e Observatórios), que discutem e recomendam a implementação de políticas públicas, sofreram um processo de desmonte na última década — que começou ainda no governo de Michel Temer e terminou com o decreto 9.759, de 2019, assinado por Jair Bolsonaro.
O decreto teve como finalidade dar fim à Política Nacional de Participação Social (PNPS) e ao Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), estabelecidos em 2014 pelo então ministro Gilberto Carvalho. Tais articulações do governo Dilma, fruto de muito diálogo junto aos movimentos sociais, visavam integrar os conselhos e melhorar a metodologia e as ferramentas de participação social existentes.
Junto ao fim da política de integração, diversos Conselhos (os que eram estabelecidos por decreto) foram totalmente desativados. Entre eles, o Consea, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que foi criado em 1993, desmontado em 2019, e reativado, agora, no governo Lula 3.
A reconstrução desse espaço é considerada simbólica pelo papel estratégico do colegiado no enfrentamento à fome e à insegurança alimentar e pela incidência nas políticas públicas do setor. A cerimônia de reativação foi realizada, logo no início da gestão, em fevereiro de 2023, com a presença de diversos representantes da sociedade civil no Palácio do Planalto.

O levantamento
A reconstrução da malha de participação popular no governo Lula 3 é tema de um levantamento divulgado, neste mês, pela Abong, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, em parceria com a Fundação Friedrich Ebert.
As entidades lançaram uma publicação do estudo que apontou a retomada a partir de indicadores como a medição de frequência das reuniões e a ampliação no número de integrantes da sociedade civil nos espaços.
Com um mapeamento de 25 Conselhos, foi observado que, em 2023, 40% dos colegiados se reuniram até três vezes e 16% tiveram um número superior a três encontros; 76% ampliaram o número de cadeiras no comparativo com 2019.
“A metodologia combinou uma pesquisa documental robusta, incluindo revisão de literatura, análise do marco legal dos conselhos e conferências e entrevistas qualitativas com representantes da sociedade civil e gestores federais. Também realizamos o Seminário Nacional OSCs e Participação Popular, em fevereiro de 2024, reunindo especialistas, ativistas e lideranças de diversas regiões do país, cujas contribuições foram incorporadas ao estudo”, comenta Franklin Félix, secretário-executivo da Abong.
Félix, que é também conselheiro da Presidência da República e membro-fundador da Aliança pelo Fortalecimento das OSCs, destaca que a pesquisa se soma a um esforço mais amplo que a Abong está desenvolvendo em articulação com a Secretaria Nacional de Participação Social, o “Nossa Part”. Com financiamento da Open Society Foundations, o projeto visa aprofundar o debate público sobre os desafios da participação no Brasil.
Em 2023, além de revogar os decretos de Bolsonaro que extinguiram os Conselhos, Lula instituiu um Sistema Nacional de Participação Social, mais enxuto do que o de 2014, e que está sob o guarda-chuva da Secretaria Geral da Presidência da República a partir da Secretaria Nacional de Participação Social.
O secretário-executivo da Abong lembra que “para além da existência formal dos Conselhos e outros espaços, é fundamental avaliar a qualidade do diálogo, a escuta ativa do Estado, a incorporação efetiva das propostas da sociedade civil nas decisões governamentais e a devolutiva institucional desses processos”.

Foto: Abong/Reprodução
Segundo o ativista, o processo de participação da sociedade nas decisões ainda carece de ousadia, transversalidade e prioridade política. “Falta ainda consolidar uma estratégia de participação como eixo de governo, como foi defendido nos anos 2000 com a ideia de ‘governar com o povo’. Diante do novo contexto político, com um Congresso mais conservador e ameaças constantes da extrema direita, é urgente retomar e atualizar as práticas anteriores, conectando participação com mobilização popular e construção de uma nova institucionalidade democrática”, defende Félix.
Na opinião do secretário-executivo da Abong, os movimentos sociais seguem atuando fortemente na luta por mais espaço, mas esbarram nos desafios da estrutura. “Muitos conselhos ainda se encontram burocratizados, distantes da base social e com pouca capilaridade territorial”, opina Félix.