Bolsonaro na UTI: o reality show do ex-presidente investigado por golpismo
Ex-presidente transmitiu vídeos da UTI, recebeu visitas políticas e expôs procedimentos médicos, transformando um ambiente reservado em espetáculo político e midiático

Durante a pandemia de COVID-19, o então presidente Jair Bolsonaro minimizou a gravidade da crise sanitária, chegando a imitar pacientes em UTIs com falta de ar, enquanto questionava os brasileiros: “E daí? Querem que eu faça o quê? Não sou coveiro”.
Anos depois, já como ex-presidente e réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro alegou incapacidade e desumanidade ao ser intimado no quarto de luxo em que estava internado — mesmo após participar de uma live direto da UTI.
A intimação, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, ocorreu no dia 23 de abril no hospital DF Star, em Brasília, onde ele estava internado desde 12 de abril. O STF justificou a decisão afirmando que a transmissão ao vivo demonstrava sua condição de responder à Justiça. Em nota, a defesa de Bolsonaro criticou a medida, questionando sua “necessidade e urgência” e destacando que o ex-presidente nunca teria se esquivado de cumprir obrigações processuais.
A intimação, no entanto, não foi o ponto alto da internação do ex-presidente. Em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital de luxo DF Star, da rede D’Or, o episódio transformou-se em um espetáculo midiático da pior qualidade — para não dizer macabro. Jair Bolsonaro ficou internado por três semanas no local e teve alta no dia 4 de maio. Longe de ser um tratamento médico discreto, o episódio virou uma peça de propaganda política, marcada pela espetacularização da saúde e pela exposição extrema do ex-presidente.
Reality show macabro
Desde o primeiro momento, tudo parecia calculado. Jair Bolsonaro apareceu em fotos sem camisa, exibindo cicatrizes da facada de 2018 e das sucessivas cirurgias. Enquanto isso, na frente do hospital, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), reuniu parlamentares para uma oração em favor do ex-presidente.

A cena representou — ou melhor, todo o conjunto da obra — um constrangimento para a direção do hospital, que tolerou uma série de atos incompatíveis com o ambiente hospitalar. Seu quarto de UTI virou palco de lives nas quais Bolsonaro atacou o Supremo Tribunal Federal (STF), repetiu acusações contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defendeu os envolvidos no 8 de janeiro.
A situação ultrapassou o campo político. Em uma das transmissões, organizada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-presidente fez propaganda de um capacete fabricado por uma empresa da qual é sócio junto com o filho.

Em uma publicação em seu perfil no ‘X’, enquanto tinha removida a sonda nasoenteral — cena repugnante —, o texto alertava que as “cenas são fortes”, mas pedia aos seguidores: “assista”. Na mesma postagem, lia-se que a “cirurgia ainda é consequência da real tentativa de homicídio de Adélio Bispo (lulista, antigo militante do Psol, o homem mais protegido do Sistema do Brasil)”.
Quando se imaginava que o show havia terminado, uma nova foto do “capitão” durante a cirurgia foi publicada na semana do dia 3 de maio. O conteúdo não exibia aviso de “conteúdo sensível” — o que seria o mínimo esperado para postagens do tipo.
Procurada pela reportagem da Focus para comentar a sindicância e os excessos cometidos na UTI, a Rede D’Or não respondeu até o fechamento desta edição.
Investigação no CRM-DF
Em nota enviada à Focus Brasil, o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal explicou que “as unidades de terapia intensiva (UTIs) acolhem pacientes em condições de saúde delicadas, exigindo ambientes rigorosamente controlados para favorecer a recuperação. O aumento no número de pessoas circulando nesses espaços pode comprometer a evolução clínica dos pacientes e aumentar o risco de infecções hospitalares. Por isso, cabe à instituição — especialmente ao Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar — estabelecer critérios claros sobre a quantidade de pessoas e quem pode acessar a unidade, de acordo com as normativas legais vigentes no país”.
O CRM-DF esclareceu que irá apurar os fatos ocorridos no Hospital DF Star, mas que “tais procedimentos são amparados pelo sigilo processual”.