Cristalização da coalizão União-PP e suas implicações políticas, por Pedro Henrichs
Reprodução

A formação de coalizões partidárias é um fenômeno central para a estabilidade do presidencialismo brasileiro, especialmente diante da fragmentação do sistema político e da necessidade de construir maiorias funcionais no Congresso Nacional. A consolidação da federação entre União Brasil e Progressistas (PP), batizada de União Progressista (UP), representa não apenas uma resposta pragmática ao cenário de polarização entre lulismo e bolsonarismo, mas também uma demonstração de força que redesenha o equilíbrio de poder em Brasília.

Com 109 deputados federais e 14 senadores, além de quase 1,4 mil prefeitos e seis governadores, a União Progressista se tornou a maior bancada do Congresso, ultrapassando o PL de Jair Bolsonaro e a federação PT-PCdoB-PV. Esse poder numérico se traduz em acesso privilegiado aos recursos públicos para campanhas – cerca de R$ 953,8 milhões em fundo eleitoral e R$ 197,6 milhões em fundo partidário – e em uma capacidade inédita de influenciar a agenda legislativa e as negociações com o Executivo.

A ascensão da UP ocorre em um momento de evidente fragilidade do governo Lula, cuja reforma ministerial se arrasta há meses, expondo dificuldades em consolidar uma base de apoio estável. Prometida desde o final de 2024, a reestruturação ministerial foi adiada sucessivamente, refletindo o receio do governo de desarranjar ainda mais sua base e a desconfiança sobre a fidelidade dos parlamentares do chamado Centrão, que já deram sinais de deslealdade em votações sensíveis. Como observou Sérgio Abranches, “o presidencialismo de coalizão” brasileiro é marcado por instabilidade e alto risco, exigindo negociações permanentes e concessões que nem sempre garantem o apoio consistente das bases.

A UP, ao se posicionar como o maior bloco do Congresso, amplia seu poder de barganha para exigir mais ministérios, cargos estratégicos e influenciar diretamente políticas públicas, especialmente em áreas como agronegócio e infraestrutura. O governo Lula, dependente desse apoio para aprovar reformas estruturantes como a tributária e a fiscal, vê-se cada vez mais refém de uma coalizão que, embora aberta ao diálogo, não hesita em endurecer o discurso ou travar pautas quando seus interesses não são atendidos.

A relação da UP com outros partidos do campo da direita, como PL e Republicanos, oscila entre a concorrência direta por espaço e eventuais alianças pontuais em temas de interesse comum. O PL, liderado por Bolsonaro, busca se consolidar como principal força oposicionista, enquanto a UP adota uma postura mais pragmática, negociando com o governo sem abrir mão de sua autonomia. Em um contexto de radicalização do PL, a UP pode atrair parlamentares moderados e se apresentar como alternativa de governabilidade.

As alianças com Republicanos, partido de forte viés conservador, tendem a ocorrer em pautas específicas, como segurança pública e valores familiares, reforçando o caráter pragmático da federação. Como afirmou Marcos Pereira, líder dos Republicanos:

“Nosso partido está aberto a parcerias que fortaleçam valores familiares e desenvolvimento. Se a UP compartilhar desses objetivos, trabalharemos juntos.”

A cristalização da União Progressista representa uma estratégia de esvaziamento do poder do Executivo, ao transformar a federação em um polo de poder autônomo, capaz de ditar o ritmo da política nacional e condicionar a governabilidade à satisfação de seus interesses. Essa dinâmica aprofunda a fragilidade do governo, que patina na aprovação e na reforma ministerial, e evidencia os limites do presidencialismo de coalizão brasileiro, cuja instabilidade estrutural foi sintetizada por Winston Churchill:

“A política é quase tão excitante quanto a guerra, e não menos perigosa. Na guerra, você só pode ser morto uma vez, mas na política, muitas vezes.”
(Churchill, em discurso de 1946, Universidade de Westminster)

No contexto brasileiro, a frase de Ulysses Guimarães também se encaixa perfeitamente:

“A política ama a traição, mas abomina o traidor.”
(Ulysses Guimarães, discurso na Constituinte de 1988)

Essas citações ilustram a volatilidade e o pragmatismo das alianças, onde a sobrevivência política depende da capacidade de adaptação e negociação constante.

A União Progressista não apenas cristaliza uma nova correlação de forças no Congresso, mas simboliza o grau de fragilidade do governo Lula, que, ao depender cada vez mais de concessões, perde margem de manobra para impor sua agenda. A federação, ao contrário, se fortalece como árbitro do jogo político, podendo garantir a governabilidade até 2026 ou, caso suas demandas não sejam atendidas, migrar para a oposição e aprofundar ainda mais a crise de governabilidade. O futuro do sistema político nacional, diante desse cenário, permanece incerto e sujeito a mudanças.

Pedro Henrichs, gestor público e especialista em relações internacionais