O Boletim Focus e o viés financeiro: quando as expectativas criam a realidade, por Odilon Guedes

O boletim Fox é um tema de grande relevância para o debate econômico com o homem em nosso país. No artigo abaixo, vamos discorrer sobre as questões que são consideradas essenciais sobre esse boletim
Nesse sentido, o conselho elaborou o documento intitulado ‘O Boletim Focus e o Viés Financeiro: Quando as Expectativas Criam a Realidade’.
O Boletim Focus é uma publicação semanal divulgada pelo Banco Central do Brasil (BCB) e representa o resumo da mediana das projeções do “mercado” para os principais indicadores econômicos do país. Trata-se de uma compilação de dados sobre a economia, com estimativas de cerca de 160 respondentes, normalmente instituições financeiras e consultorias econômicas. Ele repercute de forma contundente nas decisões dos agentes econômicos, para além do próprio mercado financeiro. A relevância do Focus é imensa, considerando seu impacto nas deliberações da própria autoridade monetária sobre a política de fixação da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 14,25% ao ano.
Os fundamentos para a criação do Boletim Focus são diversos. Dentre eles, destacam-se o alinhamento das expectativas com os objetivos da política econômica e a redução da assimetria de informações. Todavia, pouco se debate sobre o que o Focus não é, embora pareça ser. Em primeiro lugar, ele não expressa a opinião do BCB como muitos empresários e parte significativa do público em geral são levados a crer, apenas é tabulado e divulgado por ele. O levantamento explicita exclusivamente a percepção das instituições participantes.
Em segundo lugar, o Focus carrega o viés de interesse dos respondentes, majoritariamente instituições financeiras, que objetivam maximizar seus retornos, como por meio de aplicações com taxa de juros altas e baixo risco. Ressalte-se que os Títulos Públicos estão entre os principais destinos das aplicações dessas instituições financeiras e que, além terem o menor risco do mercado brasileiro e elevada liquidez possuem suas remunerações atreladas à taxa Selic. Logo, as pressões por mais aumentos da já elevada taxa Selic, a partir das expectativas tabuladas no Boletim Focus, por si só, já denotam um conflito de interesses. Nesse
ponto, ciente dessa implicação, o BCB, por meio da divulgação do Focus – Top 5, busca dar destaque às instituições com projeções mais próximas dos resultados efetivos posteriormente apurados. Entretanto, isso é insuficiente para mitigar o viés de interesse, pois o critério está atrelado apenas aos acertos. Não se sabe quais instituições mais erram, embora continuem influenciando as medianas e, portanto, os resultados do boletim.
Em terceiro lugar, os agentes econômicos têm sido levados a erros de interpretação e direcionamento de suas decisões devido aos recorrentes deslizes nas projeções do Focus. Considerando o primeiro e o último Relatório Focus divulgados em 2024, as estimativas variaram de 3,9% para 4,9% no IPCA; de 1,59% para 3,49% no PIB; de R$ 5,00 para R$ 6,00 no dólar; e de 9% a.a. para 11,75% a.a. na Selic. A variação entre um relatório e outro indica expressivos desacertos nas previsões.
Provavelmente, parte desses erros é influenciada pelo que Arthur Schopenhauer chamou de “perversão de nossa vontade”, em seu livro A arte de ter razão. Em outras palavras, as estimativas do mercado revelam mais os desejos do que projeções fundamentadas sobre o que realmente se acredita que ocorrerá. Há um incentivo intrínseco, quase sem risco, de grande parte dos respondentes em superestimar a inflação, com o objetivo de pressionar pela manutenção de elevada taxa Selic e, consequentemente, assegurar juros reais mais elevados na economia brasileira e garantir alta rentabilidade nas suas operações financeiras e nos seus fundos administrados.
Como está hoje, o Focus impacta as expectativas de forma positiva e negativa, mas sempre com o viés interpretativo do mercado financeiro, que tem uma presença exagerada na composição da amostra. Empresários que investiriam na economia real tornam-se mais refratários, o que afeta o crescimento econômico, os investimentos produtivos, a geração de empregos e a própria competitividade sistêmica brasileira. Quase todos perdem, pela ausência de diversidade de agentes econômicos respondentes, diante do desequilíbrio decorrente da amostra que origina o levantamento. É necessário buscar uma forma alternativa — para o bem do Brasil, pois como está, o Focus desvirtua a realidade em favor de poucos.
Nesse sentido, o Relatório Firmus é uma importante iniciativa. Porém, precisa ganhar fôlego e receber a devida atenção da sociedade, da mídia e até do próprio BCB. Trata-se de uma pesquisa trimestral, ainda em fase piloto (já na terceira edição), cujo objetivo é captar a percepção de empresas não financeiras sobre a situação de seus negócios e em relação às variáveis econômicas que influenciam suas decisões. Notam-se duas diferenças fundamentais, entre o Focus e o Firmus: 1) O intervalo de divulgação do Firmus é trimestral e, portanto, não provoca turbulências de curtíssimo prazo, como o Focus; e 2) No Firmus, diversos segmentos econômicos devem estar representados, incluindo a indústria, o comércio, os serviços, a agricultura e os trabalhadores, pois todos esses atores integram a economia brasileira.
A economia não é uma ciência exata. As expectativas formam as decisões e essas têm efeitos práticos na vida econômica e social dos brasileiros. Está desbalanceada a atenção que a autoridade monetária dispensa ao Focus, em detrimento do Firmus. Embora o sistema financeiro seja fundamental para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país, ele não deve ter o monopólio na formação das expectativas dos agentes econômicos. É preciso ouvir os múltiplos setores da sociedade, devidamente qualificados para o debate.
Nesse sentido, o CORECON-SP acredita que essa é uma das matérias mais relevantes da atualidade — sobretudo diante da insuportável taxa de juros reais imposta à sociedade brasileira, com efeitos deletérios ao artigo 3º, inciso III, da Constituição Federal, que representa aspectos fundamentais do pacto social do país. O Focus, como está, servindo para justificar “tecnicamente” juros reais cada vez mais elevados, é contraproducente na busca por erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais. É nesse espírito que o CORECON-SP busca chamar a atenção para temas que podem mudar essa realidade, trazendo-os ao debate público.
Odilon Guedes-Economista, Mestre em Economia pela PUC/SP. Professor Universitário. Presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP). Foi Vereador e Subprefeito na cidade de São Paulo. Autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora L. Física).