Rodrigo Carelli destaca que a corte age sistematicamente para colocar o Brasil na contramão do mundo do ponto de vista dos direitos trabalhistas 

Pejotização: STF está em uma cruzada contra os trabalhadores, aponta jurista 
crédito: Gustavo Moreno/STF

Em meio ao debate sobre as novas formas de trabalho, com o avanço da tecnologia como intermédio das relações e o levante da pauta pela redução das jornadas, um tema já bastante conhecido dos trabalhadores brasileiros, a pejotização, ganhou um novo capítulo na semana passada.

Conhecido por derivar da sigla PJ, que significa pessoa jurídica, o evento da pejotização trata da contratação de profissionais para atuar em diferentes segmentos sob o regime de contratos, ao invés da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. São prestadores de serviço, que se relacionam com instituições e clientes a partir da abertura de empresas. 

Por se tratarem de empresas, a relação trabalhista passa por outras frentes, porém o que tem ocorrido de maneira crescente é a contratação de funcionários, com todos os deveres e sem os direitos, por empresas que exigem que o trabalhador tenha sua pessoa jurídica para burlar as obrigações legais de uma contratação formal.

A partir deste cenário, o número de processos de reconhecimento de vínculo empregatício cresceu consideravelmente na Justiça do Trabalho. Somente em 2024, foram mais de 285 mil pedidos, um aumento de 57% em comparação ao ano anterior.

Com essa circunstância, na segunda-feira (14), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão de todos os processos que discutem a contratação de trabalhadores que atuam como pessoa jurídica para a prestação de serviços. A ideia é que a corte consolide e, possivelmente, altere o parecer atual da Justiça do Trabalho sobre o tema. 

Recentemente, o plenário do STF definiu que irá analisar o assunto e firmar um entendimento geral a partir de pontos como: a validade dos contratos; a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de fraude; e a definição sobre a quem cabe apresentar as provas no processo, ao trabalhador ou ao contratante. 

Segundo Gilmar Mendes, a suspensão foi necessária porque o Supremo está sobrecarregado com ações que resultaram no STF como uma casa revisora da Justiça do Trabalho. A justificativa, no entanto, é rebatida por especialistas da área, entre eles o jurista Rodrigo Carelli, que aponta que a corte, na realidade, está em uma cruzada para atacar os direitos dos trabalhadores e deslegitimar a atuação da instância que trata do tema.

Professor de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carelli lembra que este tipo de contratação por fora da CLT sempre existiu e é anterior à Reforma Trabalhista, apontada como marco por ter aprofundado o cenário. 

“A Reforma Trabalhista é um processo mais longo e em andamento, que começa no Supremo Tribunal Federal. Os dois pilares da reforma, a prevalência do negociado sobre o legislado e a liberação da terceirização, começaram a ser implementados no Supremo e são anteriores às mudanças na legislação em 2017”, destaca o professor. 

Ele é um dos autores, junto com Cássio Casagrande, de“A Suprema Corte contra os trabalhadores: como o STF está destruindo o direito do trabalho para proteger as grandes corporações”. Segundo o jurista, o livro recém-lançado aborda “o caminho político e ideológico de um grupo que altera profundamente o direito do trabalho sem diálogo nenhum com a doutrina do direito trabalhista e sem conexão com o que está ocorrendo no mundo”.

 “A decisão do Gilmar Mendes diz que a Justiça do Trabalho nega a vigência dos contratos. Pelo contrário, ela dá vigência aos contratos em termos legais, quando eles são ilegais ou fraudulentos, aí é que ela atua. Contratar em sistema de pessoas jurídicas não é proibido hoje, isso sempre foi permitido, desde antes da reforma, o que não é permitido é mascarar uma verdadeira relação de emprego com um contrato de pessoa jurídica, isso nem a Reforma Trabalhista permite, e é isso que o STF quer implementar”, afirma Carelli. 

Pejotização: STF está em uma cruzada contra os trabalhadores, aponta jurista 
crédito: Agência Brasília

O alerta sobre as consequências das ações do STF na matéria é compartilhado pelo professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Souto Maior. “Estamos diante da realidade concreta do fim do direito do trabalho”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.

A preocupação dos especialistas em Direito do Trabalho tem relação com a consolidação da pejotização como a base das contratações no futuro. “A tentativa é que nesse processo se emita uma decisão vinculante, então os juízes serão obrigados a seguirem essa linha, não poderão agir de outro modo”, analisa Carelli, que faz o seguinte prognóstico: “a consequência é que, com isso, ninguém vai mais contratar na forma de emprego porque nela há várias obrigações envolvidas, a possibilidade de organização via sindicato, tributos, garantias, então, mesmo os empregadores mais conscientes devem aderir. Se isso se tornar vinculante, todas as categorias estarão sujeitas”.  

Além do impacto na arrecadação de impostos, outro ponto que demanda atenção, sob o ponto de vista estrutural, é a questão da Previdência Social. Somente no primeiro trimestre deste ano, com um aumento de 35%, foram registradas 1,4 milhão de novas Microempresas Individuais, chamadas de MEIs, uma das principais vias para o boom da pejotização. De acordo com um levantamento do Sebrae em parceria com a Associação Nacional de Estudos e Pesquisas em Empreendedorismo, no Brasil há cerca de 47 milhões de pessoas no sistema empreendedor, seja formalizado ou informal. 

Dessa forma, existe a preocupação com a sustentabilidade da Previdência Social, da forma como foi constituída. “A previdência está em vias de desmonte completo em um curto espaço de tempo, já começou a apresentar problemas graves e deve ficar insustentável”, alerta Carelli. 

O professor de Direito Trabalhista da UFRJ comenta que as reações dos sindicatos, por meio de notas públicas, ainda são bastante tímidas e ineficientes perante o desafio que está colocado. “São os setores empresariais que estão pressionando politicamente o STF. O Brasil está na contramão do mundo, os direitos trabalhistas estão a beira de um colapso total por conta dessa decisão, onde está a reação das organizações de trabalhadores, dos partidos políticos? O empresário enxerga somente o que é imediato”, diz. E completa: “o Estado existe para olhar lá na frente, o STF não está sendo consequente e as consequências serão drásticas e danosas para o Brasil”.