Tarifaço: roubo?, por Jeffrey Sachs
“Enquanto os EUA se enredam em suas próprias contradições, o mundo assiste — e se prepara para pagar o preço”, escreve Sachs

As tarifas vão diminuir os padrões de vida. Vão destruir a economia dos EUA e estão sendo impostas por razões inacreditavelmente bizarras e equivocadas — completamente falaciosas. Deixe-me explicar.
Os Estados Unidos têm um grande déficit em seu comércio de bens e serviços — o que é chamado de conta corrente —, e esse déficit é de cerca de um trilhão de dólares. Trump diz: “Ah, isso é porque outros países estão roubando os Estados Unidos”. Não consigo nem começar a dizer o quão absurda é essa linha. A palavra é infantil.
Ter um déficit em conta corrente significa — e significa precisamente — que os Estados Unidos estão gastando mais do que produzem. É isso que leva a um déficit. Você gasta mais do que produz. E nós gastamos mais do que produzimos porque temos uma poupança muito baixa neste país. Temos um enorme déficit orçamentário.
O governo é como o cartão de crédito nacional — ele funciona a crédito. Transfere dinheiro, paga por guerras, paga pelas guerras de Israel, paga por bases militares em 80 países ao redor do mundo, gasta mais de um trilhão de dólares por ano com o establishment militar e centenas de bilhões a mais em gastos associados ao complexo industrial-militar. E dá cortes de impostos para os americanos mais ricos. Permite a evasão fiscal pelos americanos mais ricos — e digo evasão, porque não faz auditorias e enfraquece a fiscalização tributária.
Assim, temos déficits hemorrágicos e uma dívida pública crescente. Por causa disso, os gastos do país são muito maiores do que a renda nacional. É um trilhão de dólares a mais do que a renda nacional. Esse é exatamente o desequilíbrio entre nossas importações e exportações de bens e serviços.
Tudo isso para dizer que o que Trump chama de “roubo” é apenas a irresponsabilidade absoluta da classe política em Washington. É um gangsterismo corrupto e plutocrático que concede benefícios e cortes de impostos aos mais ricos e entra em guerra após guerra — a crédito. E isso gera déficits que Trump culpa em outros países. Agora, ele acredita que vai corrigi-los aumentando tarifas. Claro, isso não resolverá nada.
Os déficits continuarão porque vêm da prodigalidade de Washington, não do fato de outros países estarem nos roubando. Ele aumentará as tarifas. Os americanos mudarão seus gastos — por exemplo, de carros importados para carros nacionais —, pagarão preços mais altos e nossa indústria automotiva exportará menos. Haverá menos importações e menos exportações, e o saldo não mudará. Nada disso resolverá a irresponsabilidade fiscal. Qual é a grande ambição de Trump?
Manter os cortes de impostos para os mais ricos, que custarão US$ 4 trilhões em dez anos. Esses cortes deveriam expirar, mas ele insiste: “Não, não — são impostos para meus doadores ricos, então continuarão”. Ele não resolverá a crise orçamentária nem o déficit comercial — que deriva dela. Mas reduzirá os padrões de vida do país e do mundo, pois o comércio gera benefícios (os ganhos do comércio). Compramos mais barato, vendemos bens com vantagem comparativa e ambos os lados ganham. Claro, exageramos ao gastar demais — mas isso é outra questão.
Ninguém está roubando os EUA. Não sei se é retórica, ignorância ou confusão, mas é uma política econômica desastrosa. Não dará em nada. E, já que mencionou: tarifas são impostos. Quem deveria aprová-los? [O Congresso.] Mas o Congresso não tem voz. É um show de um homem só. O que aconteceu com este país? Trump declara “emergência” e agora temos um governo unipersonal — baseado em premissas falaciosas que não sobreviveriam a uma aula introdutória sobre déficit comercial.
Leccionei isso por 20 anos em Harvard: como o déficit comercial se relaciona com gastos excessivos e poupança baixa? Nada disso importa. Não há questionamentos, audiências ou análises. É um show de um homem só, baseado em falácias que destruirão nossa economia e o sistema comercial global. E digo mais — converso com líderes mundiais, inclusive na Ásia, e as palavras que usam para descrever isso são… impublicáveis.