Roubos de celulares: da sensação de insegurança às medidas de enfrentamento
Com lançamento de sistema de notificação de alerta e projeto de lei para aumento de penas, governo federal sinaliza preocupação com criminalidade focada nos aparelhos

Frequentar ou morar em uma cidade de médio ou grande porte no Brasil, nos últimos anos, requer um código de conduta, geralmente seguido à risca: jamais deixar o celular à mostra, manuseá-lo somente quando estritamente necessário e, se possível, substituí-lo por outro aparelho, de menor valor e com menos dados pessoais, ao circular em áreas já manjadas como pontos recorrentes de assaltos.
Segundo os dados da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho do ano passado, foi registrada uma queda de 10% nos crimes envolvendo celulares entre 2022 e 2023. A medição é feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que analisou também as diferenças entre roubo e furto dos aparelhos.
Enquanto os roubos são realizados na maior parte das vezes em dias úteis, nas vias públicas, em horários de saída e chegada do trabalho, os furtos acontecem muitas vezes em horário de almoço, aos finais de semana e em estabelecimentos comerciais. De acordo com o anuário publicado em 2024, o cenário foi de queda no registro de roubos (21%) e um aumento nos furtos (13%).
Apesar do quadro geral apontar para a redução deste tipo de criminalidade, os números seguem altos. Um levantamento do Datafolha, de 2024, apontou que um em cada dez brasileiros tiveram o celular subtraído no período entre julho e junho de 2024. O instituto de pesquisa também trouxe informação sobre a subnotificação desse tipo de crime, demonstrando que apenas 55% responderam ter feito boletim de ocorrência.
Fora do espaço dos dados, é preciso olhar para a sensação de segurança da população, explica Leonardo de Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Nem sempre as duas coisas caminham juntas, às vezes a estatística mostra uma redução do crime, mas a população se sente mais insegura, esse é o cenário que temos hoje em termos de roubos de celulares”, afirma.
O pesquisador destaca a centralidade que os celulares ganharam na atuação da criminalidade ao longo do tempo. “O celular é um objeto fundamental na vida cotidiana hoje, é usado para deslocamento, pedir comida, pagar contas, redes sociais, é uma concentração grande de dados pessoais, sem contar o valor do aparelho. Então, na dinâmica criminal, como um todo, o celular acabou ganhando um protagonismo. Em outros momentos, eram os veículos, os carros-fortes, as instituições financeiras”, analisa Carvalho.
O estudioso do Fórum Brasileiro de Segurança Pública classifica que este tipo de crime é “democrático” no sentido de que todos os cidadãos, tanto nos bairros nobres quanto nas periferias, estão sujeitos. Na última edição do anuário, Manaus foi a cidade brasileira com o maior número de ocorrências a cada 100 mil habitantes: 2.096. Na sequência estão Teresina, com 1.866, e São Paulo, com 1.781.
Em um discurso, em março, o presidente Lula mencionou a apresentação de uma PEC da Segurança e acabou abordando o assunto. Ele disse que “a gente não vai permitir que a república de ladrão de celular comece a assustar as pessoas na rua desse país”.
Leonardo de Carvalho explica que, ao longo dos anos, esse tipo de crime foi se complexificando e, por consequência, causando mais mortes. O pesquisador destaca a influência do acesso mais facilitado às armas de fogo no mercado ilegal como um dos pilares. Recentemente, em São Paulo, dois casos de latrocínios relacionados a roubo de celular ficaram famosos, um ciclista e um motorista, assustando ainda mais a população.
Celular Seguro
Nesta segunda-feira (7), o Ministério da Justiça e Segurança Pública iniciou o programa Celular Seguro, que envia mensagens aos aparelhos roubados com notificações de alerta de bloqueio.
São duas modalidades, que podem ser escolhidas pela vítima, uma de “bloqueio total”, que desativa a linha telefônica a partir da desativação do IMEI (número de identificação do aparelho) e outra no “modo recuperação”, em que a linha é bloqueada, mas o IMEI permanece ativo, em uma lista de restrição, para o caso de tentativa de recuperar o bem. A orientação é que, ao tentar utilizar um celular que tenha recebido a mensagem de alerta, a pessoa que adquiriu este celular sem saber a procedência deve levá-lo imediatamente a uma delegacia.

Logo no primeiro dia de funcionamento do programa, o Ministério da Justiça já identificou a atuação em uma rede interestadual das quadrilhas, algo descrito a partir dos estudos do Fórum de Segurança Pública como uma atividade comum neste tipo de crime.
O cruzamento de dados da pasta indicou que aparelhos roubados em São Paulo, de onde partiram 210 notificações, foram encontrados em pelo menos 15 estados diferentes, como Amazonas, Bahia, Goiás e Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, onde foram emitidos 174 alertas, foram localizados celulares em Alagoas, Ceará, Minas Gerais e Pará. Enquanto no Ceará, que teve 95 notificações emitidas, foram encontrados aparelhos em outros oito estados.
PL para aumento de penas
No final de março, o ministro Ricardo Lewandowski encaminhou ao Planalto um Projeto de Lei para aumentar em 50% os crimes de receptação de celulares e outros tipos de dispositivos eletrônicos. As penas que atualmente variam entre 3 e 8 anos podem ser alteradas para no mínimo 4 anos e seis meses e no máximo 12 anos de prisão.
Em nota, o ministério disse que o objetivo do PL é “coibir de maneira mais acentuada a prática de crimes patrimoniais sob encomenda de organizações criminosas que exploram o mercado paralelo de produtos furtados”.
Benedito Mariano, que atuou como Secretário de Segurança em gestões petistas, além de ter sido ouvidor da Polícia Militar de São Paulo, avalia como positivas as medidas, tanto com relação a criação do sistema Celular Seguro quanto a intenção de aumento das penas, mas alerta para a necessidade de que este tipo de crime seja enfrentado em uma atuação conjunta das entidades do setor.
“Além de aumentar a pena, é importante que o governo federal induza os estados a criarem forças-tarefas integradas para asfixiar a rede de receptação de celulares roubados, com atuação das prefeituras, da Polícia Civil, Polícia Militar, Receita Federal. A prefeitura pode, por exemplo, atuar com medidas administrativas, multando locais que vendem os aparelhos ilegalmente”, afirma Benedito Mariano.
O sociólogo petista aponta como positiva a ideia de que o governo federal possa propor e orientar medidas no tema da Segurança Pública. “Eu acho boa a ideia de ter diretrizes, estando na Constituição temos um grande avanço, mas tenho uma certa preocupação com a tramitação na Câmara dos Deputados porque ela pode ser totalmente desfigurada”, afirma. De acordo com Benedito Mariano, “é preciso construir uma política nacional de Segurança Pública que independe de emenda na Constituição”.