Humberto Costa fala sobre sua nomeação interina à presidência do PT e compartilha suas prioridades para o partido, incluindo isenção de impostos e redução da jornada de trabalho

Humberto Costa sobre anistia: 'O que não aconteceu após a Ditadura, precisa acontecer agora'
Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Primeiro nordestino a ocupar a presidência do Partido dos Trabalhadores, o senador Humberto Costa fala sobre o significado de sua nomeação e a importância do Nordeste para o PT. Em entrevista, ele destaca suas prioridades, como a unificação das eleições internas, a isenção do Imposto de Renda para rendas de até R$ 5 mil e a redução da jornada de trabalho. Também comenta suas expectativas sobre o julgamento da tentativa de golpe de Estado. 

Assumindo o comando do partido em um momento estratégico, Humberto Costa ressalta o papel do Nordeste nas vitórias do PT: “O Nordeste tem sido, em várias eleições, a região onde conseguimos nossos melhores índices, onde governamos quatro estados e promovemos grandes mudanças”. 

Com uma trajetória política consolidada e compromisso histórico com as pautas sociais, ele encara a missão com “alegria e honra”, mas sem planos de disputar a presidência do partido. “Minha disponibilidade é apenas para este mandato-tampão. Tenho várias outras atividades, incluindo a vice-presidência do Senado”, explica. 

No comando do PT, pretende fortalecer a relação com o governo Lula: “Nossa principal preocupação será viabilizar o diálogo e garantir o apoio do partido às políticas do governo”. 

Médico e jornalista, Humberto Costa tem longa carreira política. Foi ministro da Saúde no primeiro governo Lula (2003-2005), deputado estadual, federal e vereador do Recife, onde teve votação recorde em 2000. Em 2010, foi eleito o primeiro senador do PT em Pernambuco, sendo reeleito em 2018. Em 2025, tornou-se segundo vice-presidente do Senado Federal. 

A seguir, a entrevista com o presidente interino do PT à Focus Brasil: 

Como foi o processo de sua escolha? Como você recebeu a indicação?

Na verdade, o processo de escolha decorreu da indicação, para a alegria de todos nós do Partido dos Trabalhadores, da nossa ex-presidente, Gleisi Hoffmann, para a composição do ministério do Presidente Lula, no Ministério da Secretaria de Relações Institucionais. O processo dessa nomeação exigiria que ela não tivesse vínculos com a Direção Nacional do Partido, particularmente com a sua executiva, e mais particularmente ainda com o exercício da presidência. Pela decorrência estatutária, nós teríamos que escolher entre os vice-presidentes da legenda, aquele que pudesse ter a responsabilidade de levar o partido até a eleição de um novo diretor nacional e um novo presidente, que vai acontecer no mês de julho. Eu aceitei a indicação e o compromisso de ficar à frente do partido até a realização do PED. Posteriormente, nós teremos uma nova gestão do PT. Eu fiquei extremamente feliz, mesmo que por um período curto de exercício da presidência, com a responsabilidade de dirigir esse que é o maior partido do Brasil, que é o maior partido da América Latina e, sem dúvida, um dos maiores partidos de esquerda do mundo, estou fazendo isso com muita honra, sabendo das dificuldades, dos problemas, mas fazendo também com muita alegria e muita honra.

Qual é a importância para o partido de ter um presidente nordestino?

Olha, a alegria foi muito grande, quer dizer, o reconhecimento de que o Nordeste tem, hoje, uma importância muito grande dentro do nosso partido. O PT já é, há algum tempo, um partido nacional com distribuição e presença forte no Brasil inteiro, mas, além disso, o Nordeste tem sido, em várias eleições, aquela região onde nós conseguimos os nossos melhores índices de votação, onde estão situados os nossos quatro governos estaduais e onde nós estamos fazendo grandes mudanças, seja por intermédio desses governos de estado, mas, principalmente, por intermédio do governo federal. Então, é um motivo de alegria para mim, e acredito que é um motivo de alegria para todos os integrantes do PT, que são do Nordeste. O outro nome que estava sendo cogitado era do nosso líder do governo, José Guimarães, que também é do Nordeste. Portanto, eu vejo como um reconhecimento do PT a tudo que o PT da região Nordeste tem feito ao longo desses anos e da forma como tem contribuído para esse nosso projeto nacional se tornar viável.

Existe alguma pauta prioritária na qual o partido vai atuar e como será feita essa atuação?

Bem, a grande tarefa desse meu período de presidência do PT será construir um processo de eleição direta bastante legítimo e, ao mesmo tempo, bastante unificado. E essa é uma tarefa muito grande, porque todos sabem que o PT é um partido plural, é um partido que tem inúmeras correntes políticas e ideológicas também, é um partido que nas suas disputas internas sempre o faz de uma maneira muito firme, por isso é uma responsabilidade muito grande, especialmente por que estamos a um ano das eleições presidenciais, tentaremos levar esse processo a uma situação em que o partido possa sair unificado. Obviamente que nós vamos ter teses diferentes, vamos ter candidaturas diferentes, chapas diferentes para os diretórios estaduais, municipais e para o diretório nacional, mas a nossa perspectiva é que, quando o partido tomar suas posições, todo o conjunto partidário esteja unido para viabilizar essas posições, essas deliberações que vamos ter. 

Nós precisamos fazer um PED que seja resultado de uma grande mobilização interna, precisamos fazer desse PED um momento em que os nossos militantes e filiados participem ativamente dos debates, das discussões e do próprio processo de votação, que seja também uma espécie de “esquenta” para a eleição do ano que vem, para que a nossa militância esteja preparada para a grande disputa que vai acontecer em 2026. 

Em segundo lugar, são aquelas ações do ponto de vista político. E, politicamente, vejo duas grandes bandeiras que devem ser hasteadas agora, e que são, no meu ponto de vista, sendo uma: a proposta que trata da desoneração do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Esta semana, o presidente Lula deverá apresentar o teor da proposta que será encaminhada ao Congresso com esse objetivo. Essa proposta é muito importante porque ela atingirá boa parte da classe média do nosso país, atendendo às classes trabalhadoras também e, ao mesmo tempo, a exigência para que possamos fazer essa desoneração, é que nós venhamos a definir uma fonte a partir da qual esses recursos vão ser gerados. E a proposta que nós vamos apresentar, com certeza, será a de fazer com que os mais ricos, as pessoas mais abastadas, aqueles que não pagam imposto de renda no Brasil, venham a fazê-lo, gerando uma ampliação da contribuição do imposto de renda daqueles que ganham mais. 

E, finalmente, a outra proposta que é a redução da escala de trabalho, o fim dessa escala de seis dias de trabalho por um de descanso, uma redução dessa jornada sem redução salarial. Isso é, inclusive, uma maneira de dar mais qualidade de vida aos trabalhadores e às trabalhadoras formais que poderão dedicar mais tempo às suas famílias, ao estudo ou até mesmo para a realização de alguma atividade remunerada esporádica. Então, creio que essas duas bandeiras, com amplo poder de mobilização, terão sim uma participação muito ativa do PT dentro e fora do parlamento para viabilizá-las.

O senhor acha que encontraremos dificuldade para aprovar o imposto sobre os mais ricos para compensar a isenção de R$ 5 mil? 

Sim, eu acredito que sim, pois, obviamente, uma boa parcela do parlamento e as elites desse país não querem contribuir para que possamos não somente ter uma melhoria da condição de vida de uma parcela significativa dos trabalhadores brasileiros, mas também contribuir para que políticas públicas importantes continuem a ser implementadas sem qualquer risco de interrupção, por isso, eu entendo que teremos dificuldade. Agora, eu acredito também que se nós nos mobilizarmos, se nós formos para as ruas, se organizarmos com os movimentos sociais uma grande mobilização, isso irá influenciar também dentro do Congresso Nacional e vai nos ajudar a aprovar essa matéria que é absolutamente justa.

O senhor já ocupou vários cargos do Executivo, no Legislativo, tem muita experiência. Como o senhor imagina a relação entre o presidente do partido e o governo? Existe alguma interlocução e troca? Como a sua presidência pretende contribuir no período que o senhor estiver ocupando o cargo?

Bem, é preciso que realmente haja um espaço de diálogo, de conversa, não só com o presidente da República, mas com boa parte dos ministros do governo. Eu tenho uma relação de muitos anos, não só com o presidente Lula, mas com boa parte dos integrantes desse governo. Todos nós sabemos que aquele que assumir definitivamente a presidência do PT também precisará ter esse entendimento, esse espaço de negociação, e eu pretendo utilizá-lo no sentido de fortalecer o nosso partido. Eu entendo que o partido tem um papel muito importante a cumprir em relação ao governo. Obviamente que o partido não é uma estrutura subalterna, submissa aos interesses do governo, o PT pode ter posições independentes em relação a alguns assuntos ou até a muitos assuntos em torno dos quais o governo tenha um determinado posicionamento, mas obviamente que nós somos o partido do governo. O presidente Lula é o nosso mais ilustre filiado e, como tal, nós entendemos que esse governo é um governo nosso também e, portanto, a nossa principal preocupação, a nossa principal ação será no sentido de viabilizar esse diálogo e viabilizar esse apoio do partido às políticas do governo, inclusive a política econômica que têm sido implementada e que tem sido bastante exitosa para o nosso país.

O senhor pretende se candidatar?

Não, na verdade, quando eu fiz o acordo para ser presidente interino, eu coloquei que a minha disponibilidade, minha disposição era só para esse mandato tampão, porque eu tenho várias outras atividades, entre elas a de ser vice-presidente do Senado, tenho a disputa eleitoral do ano que vem quando serei candidato à reeleição, e não tinha como exercer essa função, portanto, não sou candidato.

Está agora em discussão no Senado o projeto de reforma do Código Eleitoral e o atual presidente da CCJ teria dito “que precisamos acabar com a eleição a cada dois anos, isso é um desassossego para prefeitos e governadores, termina uma eleição e começa a outra”. Como você vê essa questão das eleições de 2026, em especial para o Senado, que se transformou em um grande espaço de disputa de poder entre o bolsonarismo e o campo progressista?

Eu acredito que, em relação a mudanças mais profundas no sistema eleitoral, nós temos algumas limitações para fazê-lo nesse espaço de tempo. Aliás, a existência de eleições a cada dois anos dificulta que nós possamos fazer mudanças na legislação eleitoral e, portanto, eu tenho uma certa dúvida se conseguiremos fazer mudanças profundas, mas obviamente também nós temos aí já há algum tempo em discussão no Congresso Nacional, no Senado, mais especificamente, um conjunto de mudanças na legislação eleitoral e algumas delas podem realmente vingar. Vai depender muito de como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o Senado lidar com essa questão. Condições há, tempo há para mudanças que talvez não sejam tão profundas, mas para mudanças profundas eu acredito que será necessário ter mais tempo, mais aprofundamento nessa questão. 

O Senado já aprovou requerimentos para receber 16 ministros nas Comissões. O primeiro deles parece ser o ministro Alexandre Padilha, que acabou de assumir o Ministério da Saúde. O senhor pretende acompanhar essas agendas?

Sim, na medida do possível, sim, porque além de ser presidente do partido, eu sou também senador, sou integrante de várias comissões relevantes, entre elas a Comissão de Assuntos Sociais, entre elas, onde o tema saúde entra em discussão, com certeza vou acompanhar essa audiência pública, como acompanharei outras audiências públicas, também com a presença de ministros do governo Lula. E esse comparecimento é sempre algo muito importante, porque o papel do parlamento é exatamente fiscalizar as ações do Poder Executivo, acompanhar o que está sendo feito, o que está sendo implementado, além de produzir novas leis, não é? E, portanto, isso é uma coisa crucial como função, como papel do parlamento, apresentar ideias, sugestões a esses ministros que lá compareceram, e, portanto, eu vejo como uma coisa normal da independência entre os poderes e creio que deve continuar sendo assim.

Com relação aos atos que aconteceram no domingo, 16, em São Paulo e no Rio de Janeiro, em especial o ato da Paulista, foi convocado para alavancar um possível fora Lula, diante de um quadro de baixa popularidade do presidente, porém, o ato de São Paulo foi um verdadeiro fracasso, e no Rio, teve o ato pela anistia, dois eventos com temas diferentes. Qual é a sua avaliação sobre os atos?

Bem, eu acompanhei esses atos e acho que eles não atingiram a expectativa que a extrema-direita tinha de fazer grandes mobilizações e, com isso, tentar pressionar o Supremo Tribunal Federal contra um eventual julgamento do presidente Bolsonaro e de vários daqueles que eram os cabeças da tentativa de golpe de Estado que aconteceu em 2022 para 2023, e eu acho que esse objetivo foi frustrado, na minha opinião. Isso não quer dizer que a extrema-direita tenha perdido força no Brasil, mas evidencia que ela não tem mais aquele mesmo fervor pelo ex-presidente Bolsonaro. Acho que uma parcela significativa das pessoas que acompanham o bolsonarismo têm consciência de que Bolsonaro e aqueles líderes militares que o acompanhavam nessa tentativa de golpe têm responsabilidade. Creio que a índole da população brasileira e seu posicionamento político é pela manutenção e pela preservação da democracia e, portanto, esse é um tema que eu acredito que imobilize pouco a população que, de alguma forma, presta apoio ao ex-presidente Bolsonaro. Quanto ao ato pedindo o Fora Lula, eu acho que a população brasileira tem a mesma noção que nós temos. Nós vivemos um momento de dificuldade, isso é uma fotografia de um momento específico, não quer dizer que nós não venhamos a superar essa perda temporária de apoio ao nosso governo, nem significa que pela população considerar que há problemas no governo, ter uma avaliação crítica, de que esse governo deva ser derrubado. Eu acho que é uma posição profundamente equivocada, tem um componente golpista também muito forte e eu vejo que o Brasil, no dia de hoje, respondeu, seja porque houve também uma grande mobilização nas redes sociais dos que são contra essa amnistia e dos que apoiam o governo Lula, seja porque a ausência de muita gente nesses atos é uma demonstração cabal de que não há apoio suficiente para essas medidas poderem prosperar.

Senador, sobre os filiados no exterior que esse ano participarão do PED, na minha compreensão, é a primeira vez que poderemos votar no PED. Já estão previstos debates entre os candidatos, mas o senhor planeja, imagina, fazer alguma ação específica para esse grupo? Qual sua opinião sobre a inclusão dos filiados no exterior no processo?

Eu acho muito importante, principalmente porque os filiados do PT no exterior têm tido uma capacidade de mobilização importante. Lembro-me claramente durante o processo da luta pela libertação do presidente Lula, quando tive a oportunidade de viajar várias vezes a outros países para participar dessa campanha do Lula Livre, conversar com instituições internacionais sobre essa bandeira, sobre a perseguição que se travava naquele momento contra o presidente Lula e também nas eleições nacionais, quando elas acontecem, tem sido muito importante a mobilização dos nossos filiados no exterior, angariando votos, fazendo manifestações e, como tal, esse reconhecimento de eles poderem votar na eleição das nossas novas direções é uma coisa perfeitamente justa. Essas pessoas poderão participar, obviamente, dos debates, das discussões que serão feitas, porque todas elas serão abertas aos filiados, algumas delas abertas à população de um modo geral e nós vamos reforçar que isso seja feito de uma maneira tal que possa beneficiar os que queiram acompanhar do exterior, seja apresentando esses debates em mais de um momento nas nossas redes sociais, nas redes sociais do Partido, da Fundação, enfim, seja também permitindo a interação desses segmentos com o PT, com os debatedores nessas ocasiões. Vejo com muito bons olhos que estejamos fazendo isso e que isso seja uma coisa, inclusive, pioneira em relação aos demais partidos que existem no Brasil.

No dia 25 vai começar, finalmente, o julgamento na Primeira Turma do Supremo da denúncia da PGR sobre a tentativa de golpe. Qual é a sua expectativa sobre esse evento tão aguardado por todos nós? 

A minha expectativa é de que haverá um julgamento, sim, eu acredito que o Supremo, dada a robustez das provas que existem, resultado de uma investigação mais pormenorizada, muito rica, muito séria, por parte da Polícia Federal, ao mesmo tempo também em que a Procuradoria-Geral da República foi muito meticulosa na análise desse material que foi resultado desses inquéritos, e a denúncia é uma peça muito bem acabada, de modo que eu acho que o Supremo vai aceitar essa denúncia, vai tornar a maior parte daquelas pessoas ré neste processo que nós vamos ter dali para frente, e os processos serão instaurados. Acredito que haverá um julgamento com amplo direito e defesa, o Supremo vai ser justo nesse seu posicionamento, e acredito que se forem levadas em consideração, com máximo rigor, as provas que foram obtidas nesse processo, eu tenho certeza, tenho convicção de que haverá uma condenação àqueles que tentaram aplicar um golpe de Estado no nosso país. E é importante que haja a condenação para aqueles que forem merecedores de uma pena, para que nós possamos desestimular no futuro, breve ou mais para frente, qualquer tipo de tentativa de golpe novamente. Ou seja, aquilo que não aconteceu após o fim da ditadura militar, precisa acontecer agora, para ser um exemplo para todos aqueles que em algum momento pretendam atentar contra a Constituição brasileira, contra a liberdade e contra a democracia. Daí porque acho que esse julgamento vai galvanizar a opinião pública do Brasil, vai levar a um amplo debate na sociedade, e acredito que, ao final, o Supremo fará justiça ao povo brasileiro que não aceita conviver mais com a ideia de uma ditadura no Brasil.