As duas sessões 2025: o final de um ciclo quinquenal chinês, por J. Renato Peneluppi Jr.

No início de março de 2025, a China realizou as “Duas Sessões” (两会), evento annual que marca o ciclo legislativo do país. O termo refere-se às reuniões da Assembleia Popular Nacional (APN) e da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh), que acontecem simultaneamente. Esses encontros são essenciais para o planejamento político e estratégico da nação.
Esse é o momento em que o governo apresenta e delibera sobre planos de longo prazo, para o ano vigente, ou ajustes levando em conta o relatório do ano anterior, observando como atingir os palanos mais amplos em áreas essenciais como economia, defesa, comércio, diplomacia e meio ambiente, refletindo prioridades nacionais dentro da política de “democracia popular ao longo de todo o processo” (全过程人民民主).
As “Duas Sessões” são essenciais para o acompanhamento e ajuste do Plano Quinquenal, garantindo que suas diretrizes se adaptem às necessidades do país ano a ano. A APN avalia a implementação do plano, aprova ajustes e define novas metas, enquanto a CCPPCh contribui com análises e recomendações. Esse processo assegura que o desenvolvimento do país siga de forma estratégica e alinhada aos desafios atuais.
O Partido Comunista da China (PCCh) segue uma estrutura organizada em ciclos rigorosos, refletindo seu modelo de centralismo democrático. Desde a Revolução Cultural, os Planos Quinquenais—principal ferramenta de planejamento estatal—são elaborados em anos terminados em 1 ou 6. Já o Congresso do Partido, responsável pela escolha da liderança, ocorre em anos terminados em 2 ou 7. Esses eventos se alternam de forma precisa, garantindo continuidade e controle estratégico no desenvolvimento do país.
As sessões desse ano são especialmente importantes, pois marca a última “Duas Sessões” do 14º Plano Quinquenal e servirá como base para o 15º Plano Quinquenal, que será apresentado em 2026. As decisões tomadas nas sessões desse ano terão um impacto profundo no futuro econômico e estratégico da China. Para melhor entender é preciso destacar duas características interessantes do 14º Plano Quinquenal: Primeiro, ele se sobrepõe à segunda metade do plano decanal chamado de “Made in China 2025”, desempenhando um papel importante na conclusão deste plano.
O segundo componente é o “Objetivo de Desenvolvimento de Longo Prazo até 2035”, um plano de quinze anos que visa consolidar o crescimento sustentável da China. Seus primeiros cinco anos coincidem com a segunda metade e conclusão do “Made in China 2025” e estão ancorados no 14º Plano Quinquenal, tendo ambos iniciados junto, garantiram a continuidade estratégica. A conclusão dessas iniciativas posicionará a China na metade do caminho para sua segunda meta centenária em 2049 – Nova Era. A partir de 2035, restarão quinze anos para concretizar o Sonho Chinês de rejuvenescimento da Nação.
Relatório anual de trabalho
O relatório anual de trabalho, apresentado pelo primeiro-ministro Li Qiang, na abertura do APN confirmou o cumprimento das metas das “Duas Sessões” de 2024, nas quais o governo chinês projetou um crescimento do PIB de aproximadamente 5%. Ao final do ano, a economia atingiu o objetivo,
registrando um PIB de 134,91 trilhões de yuans (cerca de US$ 17,8 trilhões). Embora a taxa de crescimento já não seja mais central nessa nova fase de desenvolvimento, essa foi a taxa de crescimento mais lenta desde 1990, porém o volume absoluto do PIB é o maior já registrado na história do país.
Destaque especial ao fato de terem alcançado a taxa de urbanização 67%, com a taxa de desemprego urbano em 5,1%, a matriz energética nacional com aproximadamente 40% de energia renovável. A fabricação de alta tecnologia teve um aumento de 8,9%, e a produção de veículos de nova energia ultrapassou 13 milhões de unidades. O país também contribuiu com cerca de 30% para o crescimento econômico global, mantendo mais de US$ 3,2 trilhões em reservas cambiais.
A economia digital ainda representa menos de 10% do PIB, indicando espaço para crescimento, especialmente diante das ambições do governo de fortalecer o setor tecnológico. O valor agregado dos serviços de TI, atingindo 10,9%, mostra um avanço na digitalização e inovação. Esses números sugerem que, embora o setor de tecnologia esteja se expandindo, ele ainda não domina a economia, alinhando-se à estratégia chinesa de equilibrar modernização digital com setores tradicionais e manufatureiros
Segundo Xiaohuan Lan, autor do livro How China Works: An Introduction to China’s State-led Economic Development, destaca essa transformação ao afirmar: “A China está se movendo em direção a um modelo econômico que prioriza a inovação e o conhecimento, abandonando gradualmente o foco exclusivo na manufatura.”
Metas para 2025
O relatorio de trabalho do governo também apresentou metas economicas e sociais para o corrente ano, mantendo o crescimento do PIB em 5%, e a geração de 12 milhões de empregos urbanos, com a meta de 5,5% de taxa de desemprego urbano. Na abertura o primeiro-ministro logo destacou a implementação de politicas e subsidiso para aumentar a taxa de natalidade e resolver a questão demografica da China.
O governo chinês adotará medidas para impulsionar o consumo, fortalecer os retornos sobre investimentos e ampliar a demanda interna. Estão previstas iniciativas específicas para aumentar o poder de compra, expandir a oferta de produtos e serviços de qualidade e aprimorar o ambiente de consumo, explorando o potencial de gastos diversificados e promovendo sua modernização.
Para estimular a economia, haverá um esforço para elevar a renda pessoal por diferentes meios. Além disso, serão emitidos títulos do Tesouro Nacional de longo prazo, no valor de 300 bilhões de yuans, destinados a programas de renovação de bens de consumo. O governo também realizará uma avaliação da política de erradicação da pobreza para verificar sua eficácia. Novas forças produtivas servirão como um novo motor para promover o desenvolvimento de alta qualidade e avançar a modernização chinesa, bem como uma nova força motriz que impulsiona o crescimento económico mundial.
Um dos principais focos será a meta de crescimento para 2025, demonstrando a capacidade da China de manter sua economia resiliente diante de desafios globais, como potenciais novas tarifas de Donald Trump. Esse cenário reforça a estratégia de transição econômica do país, com investimentos em tecnologia, digitalização da indústria e fortalecimento do consumo interno, alinhando-se à política de Prosperidade Comum, que busca um crescimento mais equilibrado e inclusivo.
O investimento da China em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) atingiu 3,61 trilhões de yuans (US$ 503,21 bilhões), consolidando o país como o segundo maior investidor nesse setor no mundo. O governo reafirmou seu compromisso com a inovação tecnológica, anunciando um fundo nacional de investimento em inovação de 1 trilhão de yuans para impulsionar avanços em áreas estratégicas.
Com esse aporte, a China busca fortalecer setores de ponta, criar novas forças produtivas de qualidade e impulsionar o desenvolvimento econômico e social de alta qualidade, consolidando sua posição como líder global em inovação.
As duas sessoes para o mundo
Durante as Duas Sessões de 2025, em um dos tradicionais e importantes momentos, o principal diplomata da China, Wang Yi, cedeu uma entrevista que delineou os principais aspectos da política externa do país. Ele criticou as tarifas dos EUA como prejudiciais à estabilidade global, enfatizou o papel da China como uma “força estabilizadora” e reafirmou seu compromisso com o multilateralismo.
Wang Yi também destacou a forte parceria da China com a Rússia e defendeu negociações políticas em zonas de conflito, particularmente na Ucrânia e no Oriente Médio. Suas declarações reforçaram a posição diplomática da China em meio às incertezas globais.
Como “força estabilizadora”, a China para consolidar sua autossuficiência estratégica e projetar-se como potência global até 2049, precisará de metas claras e estratégias decisivas para garantir estabilidade. A inovação torna-se o motor central desse desenvolvimento, reduzindo vulnerabilidades externas e impulsionando um crescimento mais resiliente e sustentável.
Sendo crucial implementar plenamente o novo conceito de desenvolvimento, acelerando a construção de um novo padrão econômico, a China se redefinira no mundo. Como destaca Kishore Mahbubani em Has China Won?, “A notável transformação da China é resultado de uma governança pragmática, planejamento de longo prazo e um profundo compromisso com a modernização à sua própria maneira.”
Ao invés de seguir modelos ocidentais, a China traçou seu próprio caminho, combinando inovação, estratégia e visão de futuro. Seu progresso não é apenas econômico, mas também tecnológico e social, impulsionado por uma abordagem única de desenvolvimento da prosperidade comum. O impacto dessa modernização está apenas começando a moldar o século XXI—e o mundo deve se preparar para um futuro em que a China será um protagonista central na construção da nova ordem global.