Em 16 de março de 1990, o então presidente decretava uma das medidas mais devastadoras da história econômica do Brasil

Há 35 anos: o confisco da poupança feito por Collor devastou a vida de milhões de brasileiros
Reprodução O Globo

As eleições de 1989 colocaram frente a frente duas forças antagônicas da política nacional: Fernando Collor de Mello, o “caçador de marajás“, alinhado à direita, e Luiz Inácio Lula da Silva, o sindicalista que representava os interesses da classe trabalhadora. Por uma série de razões, amplamente debatidas, o povo escolheu o “playboy” que prometia moralizar a gestão pública e tirar de cena os velhos caciques de Brasília.

A vitória de Collor, contudo, não impediu que, já no primeiro dia de seu mandato, ele demonstrasse a que veio: no dia 16 de março, no auditório do Ministério da Fazenda, em Brasília, o recém-eleito presidente anunciaria o confisco das poupanças e outras aplicações financeiras, um ato que levou milhares de brasileiros à falência e causou uma onda de desesperos, com diversos relatos de suicídios.

O Impacto do Confisco e a Reação da População

Naquele dia, a então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, em uma tentativa de controlar a inflação de 84% ao mês, anunciou as medidas de um novo plano econômico, o quarto em apenas cinco anos — os três anteriores haviam fracassado.

O confisco da poupança foi uma das intervenções mais brutais da história econômica desde a redemocratização. O bloqueio das cadernetas de poupança fez com que cerca de 80% do dinheiro aplicado fosse retido pelo Banco Central por 18 meses. Estima-se que o governo tenha confiscado o equivalente a cerca de US$ 100 bilhões, ou 30% do Produto Interno Bruto (PIB).

Há 35 anos: o confisco da poupança feito por Collor devastou a vida de milhões de brasileiros
HISTÓRICO – Caras-pintadas em manifestação em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, em setembro de 1992 Foto: Sergio Lima/Agência Brasil

A partir do dia 19 de março, correntistas e poupadores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, passaram a poder sacar apenas 50 mil cruzados novos, o equivalente a cerca de R$ 8.300 nos valores atuais. O restante seria devolvido em 12 parcelas iguais, a partir de 16 de setembro de 1991, acrescidas de correção monetária e juros de 6% ao ano.

O confisco afetou milhões de brasileiros, incluindo aposentados que dependiam desses recursos para sua sobrevivência. Relatos da época indicam casos de suicídios e agravamento de doenças relacionadas ao desespero causado pela perda das economias. Embora não existam estatísticas oficiais sobre quantos suicídios ocorreram diretamente em função da medida, jornais da época registraram situações em que pessoas tiraram a própria vida ao perceberem que não teriam acesso ao dinheiro necessário para pagar contas e manter o padrão de vida.

Luiz Inácio Lula da Silva, que era um dos principais líderes da oposição e deputado federal na época, fez duras críticas à medida. Ele a classificou como um “estelionato eleitoral”, afirmando que Collor havia enganado os brasileiros ao prometer resolver a crise econômica sem prejudicar a população.

Lula também condenou os impactos da medida sobre os trabalhadores e aposentados, que viram suas economias bloqueadas da noite para o dia. O líder oposicionista participou de protestos contra o governo Collor e defendeu a abertura de investigações sobre as irregularidades cometidas pelo governo. Mais tarde, o PT apoiaria o impeachment de Collor em 1992, devido às denúncias de corrupção.

Os escândalos de Collor: o caçador de Marajás 

Fernando Collor de Mello foi o 32º presidente do Brasil, eleito em 1989, com um discurso de moralização da política e combate à corrupção. Seu governo, no entanto, ficou marcado por polêmicas e escândalos, especialmente durante a implementação do plano econômico e o confisco das poupanças.

A medida do confisco, que causou grande sofrimento à população, foi apenas o começo de uma série de decisões questionáveis. Collor também foi acusado de corrupção, tendo sido alvo de investigações que culminaram no seu impeachment em 1992, após denúncias de envolvimento em esquemas ilícitos. O processo de impeachment foi impulsionado por uma série de acusações de corrupção envolvendo sua família e aliados políticos, além de outros escândalos ligados à sua gestão.

Em 1992, Collor se tornou o primeiro presidente da história do Brasil a sofrer um impeachment, sendo afastado do cargo. Posteriormente, ele foi absolvido das acusações no Senado, mas sua imagem ficou profundamente arranhada. Apesar disso, Collor retornaria à política e, em 2006, foi eleito senador por Alagoas, cargo que ocupa até hoje.

Trinta anos após o confisco, Collor se desculparia pela medida. Mas, para milhares de famílias, já era tarde demais: as consequências de sua gestão antipovo haviam deixado marcas profundas e irreparáveis.

O efeito Collor 

Confisco de poupança: A medida tomada por Collor resultou no bloqueio de cerca de 80% dos depósitos nas cadernetas de poupança, que ficaram retidos no Banco Central por 18 meses. Estima-se que o valor confiscado tenha sido de aproximadamente US$ 100 bilhões, ou 30% do PIB nacional.

Reações extremas: A perda repentina das economias gerou uma série de impactos psicológicos graves, incluindo vários relatos de suicídios e aumento de doenças relacionadas ao estresse e desespero. Embora não haja dados oficiais sobre o número de suicídios, a medida teve um impacto devastador na saúde mental da população.

Reformas econômicas fracassadas: O confisco foi uma tentativa de estabilizar a economia, mas representava o quarto plano econômico em apenas cinco anos, o que refletia a falha constante nas tentativas anteriores de controlar a inflação.

Críticas de Lula: Em seu papel de líder da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva criticou fortemente a medida, chamando-a de “estelionato eleitoral”. Ele denunciou a enganação da população e as consequências negativas para a classe trabalhadora e aposentados