‘A educação é um campo de disputa permanente’, afirma Cesar Callegari
Novo presidente do CNE defende revisão da BNCC e critica escolas militarizadas e homeschooling
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Com mais de 40 anos dedicados à educação, o professor e sociólogo Cesar Callegari se tornou uma das principais vozes na defesa de uma educação pública de qualidade, inclusiva e transformadora. Agora, assume um novo desafio: pelos próximos dois anos, estará à frente do Conselho Nacional de Educação (CNE), onde pretende garantir que a produção normativa do órgão seja sempre pautada pelo diálogo com especialistas e entidades do setor.
Nesta entrevista exclusiva, Callegari analisa os desafios e perspectivas da educação brasileira, destaca as medidas do governo Lula para valorização da carreira docente e defende a revisão imediata da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, critica os projetos de escolas militarizadas e o homeschooling, que, segundo ele, fragilizam o direito à educação.
“A educação, como sabemos, é um campo de disputa permanente, e é um campo de conflito também”, afirma o professor, que tem uma trajetória marcada pelo compromisso com o ensino público.
Uma vida dedicada à educação
Professor, escritor e militante, Cesar Callegari construiu uma carreira sólida em importantes instituições educacionais. Foi Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Secretário de Educação do Município de São Paulo, Diretor da Faculdade SESI-SP de Educação, além de ter ocupado cargos de destaque no Ministério da Ciência e Tecnologia e na Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo. Também é autor de diversos livros e estudos sobre políticas educacionais no Brasil.
A presidente do CNS disse em entrevista à Focus que o órgão está concentrado em aumentar a participação social nas bases através dos conselhos municipais. Como está pensada a articulação entre CNE e os conselhos municipais e estaduais, numa perspectiva de organização do Sistema Nacional de Educação e qual a relação dessa articulação a vista do PL 235/2019 que está em tramitação na Câmara Federal?
Bom, primeiro que a nossa diretriz, consensuada aqui entre os membros do Conselho Nacional de Educação, é que toda a nossa produção de diretrizes, produção de pareceres, deve sempre ser precedida por uma ampla participação e uma ampla discussão com as entidades do campo educacional, incluindo aí, claro, os conselhos, os conselhos de secretários estaduais de educação, secretários municipais de educação, enfim, também os conselhos estaduais e conselhos municipais de educação e também as entidades estudantis. Logo mais nós vamos receber aqui no CNE para uma reunião a União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), que são as entidades representantes dos estudantes brasileiros. Temos uma conexão muito grande com o Fórum Nacional de Educação, inclusive o presidente do Fórum Nacional de Educação, o professor Heleno Araújo é um membro do conselho, portanto, a nossa diretriz, o nosso compromisso, é de dialogar com todos. Este é o meu quarto mandato atuando no Conselho Nacional de Educação, do ponto de vista de mandatos, eu sou veterano, talvez por isso eles tenham me escolhido para ser o presidente, mas de qualquer maneira é um compromisso que nós sempre tivemos, que eu sempre tive, de garantir que a produção normativa, que é a atribuição do Conselho Nacional de Educação, seja sempre precedida e embasada em um processo de ampla participação e debate com as entidades do campo educacional do nosso país.
O Conselho tem esse papel de analisar as medidas do governo, as políticas públicas e as suas formas de financiamento. Como elas concorrem para cumprir as metas e as estratégias do Plano Nacional de Educação e ainda, como o Conselho monitora e avalia o PNE?
Bem, começando pelo final, acabamos de criar aqui, por proposta minha, uma comissão bicameral, com integrantes da Câmara de Educação Superior e da Câmara de Educação Básica, que acompanhará a tramitação final do projeto de lei do Plano Nacional de Educação, ainda no Congresso Nacional, e depois o acompanhará. É uma atribuição precípua do Conselho acompanhar a implementação dos planos, especificamente o Plano Nacional de Educação. Essa comissão já está constituída e continuaremos a acompanhar como aconteceu na edição ainda vigente. Durante vários períodos no Conselho, nos últimos anos, fizemos grandes debates e lidamos com dados do alcance das metas e objetivos do PNE. Isso vai continuar e não é apenas um debate, mas, a partir deles e desse monitoramento, faremos indicações e participaremos do diálogo sobre a implementação de políticas públicas em vários campos e níveis, com o Governo federal, com o Ministério da Educação e outros ministérios, governos estaduais e municipais, pois a implementação do Plano Nacional de Educação, com seus objetivos e metas, é uma atribuição de todos. Na educação básica, quem implementa são os estados e municípios, que regem as escolas particulares, indicações nossas são contribuições nessa área. O Conselho Nacional da Educação não é um órgão executivo, mas normativo, com a responsabilidade principal da produção infralegal relacionada à educação superior e a todos os níveis, etapas e modalidades da educação básica.
Em 2024, foi aprovada as diretrizes de formação dos professores e professoras, objeto de parecer do Conselho Nacional de Educação. Em uma entrevista sua, o senhor disse que a formação de professores deixava a desejar e usou o termo “colapso completo” e “apagão do magistério”. Será que essa regulamentação vai melhorar a qualificação dos professores? Qual a sua expectativa?
Bem, eu apenas repito algo que todos sabem: vivemos realmente um problema, uma crise grande na formação de professores no Brasil. Isso é particularmente grave na educação básica, mas também preocupante no que diz respeito à formação de quadros docentes para a educação superior. Embora, na educação superior, haja várias políticas, principalmente as implementadas pelo Ministério da Educação, através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, de valorização e investimentos na formação complementar e contínua dos profissionais; na educação básica, precisamos tomar várias medidas. Acabaram de ser tomadas medidas importantes pelo governo brasileiro, pelo governo Lula, pelo ministro Camilo Santana como a criação do programa “Mais Professores”, que faz parte de um conjunto de medidas para estimular que jovens vejam a profissão docente como atraente. A juventude brasileira que vai para o ensino superior, vê a profissão de docente ou a formação nas licenciaturas como algo a ser evitado. Nós precisamos mudar isso: ser professor no Brasil tem que ser uma opção realmente atraente do ponto de vista salarial, da carreira e da formação.
Enfim, é muito importante que façamos isso, e o governo brasileiro, através do Ministério da Educação, tem tomado medidas nessa direção, precisamos manter o olhar um pouco para o futuro e nunca abandonar os nossos desejos e visões. Acredito que duas coisas são essenciais: primeiro, o Brasil tem um patrimônio valiosíssimo: 2 milhões e 300 mil professoras e professores da educação básica, esse é o maior patrimônio. É com eles e com elas que faremos as mudanças necessárias para alcançar e realizar os direitos educacionais de crianças, jovens e adultos no Brasil, esse é o primeiro ponto. Mas também precisamos ter a visão de criar, a partir de um conjunto de medidas, uma nova geração de professores, que naturalmente vão chegar e vão chegando, pois muitos dos 2 milhões e 300 mil estão se aposentando ou se aposentarão em algum momento. Precisamos, portanto, criar, a partir desse movimento, uma nova geração de professores.
E temos tudo para fazer isso no Brasil. O que falta, eu sei que não é uma operação trivial, mas eu defendo que nós tenhamos: formação em tempo integral para os futuros professores em todas as licenciaturas, incluindo a pedagogia; bolsa permanência; início da carreira de docente a partir do momento em que ele/ela entra na escola de formação de professores. Precisamos de uma carreira que seja realmente atraente, inclusive com remuneração que seja atraente dentro das comparações do mercado de trabalho. Não é nenhum chute o que eu vou falar aqui, mas um professor no Brasil, de boa qualidade, com essa formação, e dentro do que precisamos ter no Brasil, tem que ter remuneração superior a R$ 9 mil mensais. É isso que precisa acontecer para que seja atraente, não apenas do ponto de vista do salário, mas também do ponto de vista de uma carreira que permita alegrias, que permita criatividade, que permita um aperfeiçoamento contínuo, que garanta uma estabilidade relacionada, inclusive, à qualidade desse profissional.
Nós não temos que ter medo, nunca, de avaliação. Profissionais de educação não devem temer a avaliação: a avaliação tem que ser algo que contribua para a carreira e que não seja um instrumento de punição ou de opressão para os profissionais de educação.
Para responder objetivamente à sua pergunta sobre a resolução que foi aprovada em 2024, antes da nossa chegada no CNE é importante dizer que ela ainda está em processo de aperfeiçoamento. Após a aprovação, o Conselho Nacional de Educação recebeu muitas demandas e dúvidas, responder a essas questões faz parte do processo natural de aprimoramento das produções normativas do Conselho. Acredito que a resolução tem aspectos positivos, até muito positivos, mas alguns ainda precisam ser aperfeiçoados. É fundamental que todos nós comprometidos com a melhoria da educação, especialmente através da formação do magistério no Brasil, contribuamos para esses aperfeiçoamentos, e eu convido a todos e todas para se juntarem a nós. As normas do Conselho visam sempre um processo mais estável, mas estamos sempre abertos a realizar os aperfeiçoamentos necessários.
Uma outra Resolução do CNE No. 2/2017, que estabeleceu a Base Nacional Comum Curricular, prevê uma revisão cinco anos após a sua efetivação. Primeira pergunta, esse prazo de revisão está vencido, que medidas estão em andamento para a revisão da BNCC? Está previsto algum debate público envolvendo a sociedade, a comunidade científica e as escolas? Como isso se dará?
Vamos falar aqui com franqueza e clareza. É verdade o que você lembrou: o prazo de cinco anos para a revisão da Base Nacional Comum Curricular, cuja primeira etapa foi aprovada em 2017, envolveu a educação infantil e o ensino fundamental. Naquela época, eu presidia a comissão de elaboração da BNCC aqui no Conselho. Em 2018, a segunda etapa foi a Base Nacional Comum Curricular relacionada ao ensino médio, muito ligada à antiga reforma do ensino médio, elaborada a partir de uma medida provisória no governo Michel Temer. Era visível, para fazer um comentário sobre o ensino médio, que ele entraria em um processo de destruição. A proposta elaborada durante o governo Temer implicava uma redução significativa dos direitos educacionais dos jovens brasileiros, um processo de exclusão a partir da exclusão educacional, e o aprofundamento das desigualdades sociais em geral e propriamente educacionais, envolvendo as juventudes no Brasil. Era visível, tanto que naquela época eu renunciei à presidência da comissão de elaboração da BNCC, para denunciar com clareza os desastres que iam acontecer e que, lamentavelmente, aconteceram, levando à produção de uma nova lei do ensino médio, sancionada pelo presidente Lula no final de julho de 2024, para a qual produzimos, e estamos terminando de produzir, as diretrizes curriculares nacionais dessa nova política do ensino médio, instituída a partir dessa nova legislação. Feito esse comentário sobre o ensino médio, falando especificamente da BNCC, eu estava como secretário nacional de educação básica, em 2012, quando a lei do Plano Nacional de Educação estava sendo elaborada, e fui um dos responsáveis, como integrante do Ministério da Educação, por apresentar, como proposta de inclusão no Plano Nacional de Educação, a necessidade de elaborarmos, no Brasil, uma Base Nacional Comum Curricular, como expressão dos direitos e objetivos de aprendizagem das crianças, jovens e adultos do nosso país.
A BNCC da educação básica já estava como dispositivo de obrigação de fazer. E sempre digo que direitos, quando falamos de direitos educacionais, eles precisam ser enunciados. Não existe direito, no caso da educação, que não precise ser enunciado. E ele é enunciado de várias formas: em leis, em normas, como a Base Nacional Comum Curricular, como expressão de direitos e objetivos de aprendizagem. Também se expressa em livros didáticos, programas de formação de professores, materiais diversos e avaliações nacionais. São formas de expressão ou de acompanhamento e monitoramento dos direitos estabelecidos pela legislação como forma de enunciação. A Base Nacional Comum Curricular, para fazer um comentário final, foi produzida em um contexto adverso. Houve, naquele momento, uma pressão muito grande de setores muito conservadores da sociedade brasileira, para dizer o mínimo, que incidiram fortemente sobre o Ministério da Educação. Na época, o ministro Mendonça Filho assimilou, com muita tranquilidade, essas pressões negativistas e reducionistas de direitos apresentadas por setores ultraconservadores. O que produzimos como Base Nacional Comum Curricular, que não é currículo único nem mínimo, mas uma base como expressão de direitos de aprendizagem, deve ser uma inspiração para a produção de currículos, programas, projetos político-pedagógicos e tudo mais.
A Base Nacional Comum Curricular tem qualidades e defeitos, e nós deveríamos – essa é a minha posição, e a defendo sempre – fazer uma revisão a partir de uma ampla discussão com o campo educacional brasileiro. Analisar as experiências dos últimos seis anos de BNCC em andamento, ver suas contribuições, seus defeitos, como foi ignorada, como está sendo considerada, o que podemos aprender com esse período e aperfeiçoar. Defendo que isso seja feito agora, começando agora e indo até o ano que vem. É um debate delicado. Há quem argumente que, na correlação de forças atual, há o risco de que a BNCC, com suas incompletudes e também virtudes, sofra retrocessos em uma possível revisão. São argumentos válidos, mas defendo que, após amplo debate com as entidades da educação e a sociedade, façamos uma revisão e atualização da Base Nacional Comum Curricular da educação infantil, ensino fundamental e médio até porque, muita coisa está mudando rapidamente, como a inteligência artificial e as novas tecnologias. Precisamos não apenas atualizar, mas produzir uma revisão da BNCC que olhe para o futuro e prepare a juventude brasileira.
O CNE pode atuar no sentido de criar mecanismos que impeçam a ampliação de escolas militares? E sobre o homeschooling?
De maneira limitada, sim. Limitada porque, dentro do pacto federativo brasileiro, os estados e municípios possuem autonomia relativa e considerável para tomar decisões. Esses assuntos têm sido objeto de judicialização, pois há um entendimento, do qual compartilho, de que a legislação brasileira é ferida pela questão das escolas militarizadas. Essa questão está no Supremo Tribunal Federal, que tem dado respostas, algumas ainda não definitivas. Mas eu sou contra. Acredito que todos nós que participamos do campo progressista devemos ser contra, pois escolas militares são destinadas a formar militares. A ideia de que a escola deve impor ordem e controlar os alunos vai contra tudo aquilo que pensamos, acreditamos e defendemos ao longo de nossas vidas para a educação. A educação deve ser um campo de liberdade, um campo de experimentação. A educação e a escola, na relação entre crianças, jovens, a relação entre eles e os profissionais da educação, devem ser um espaço de interação com o máximo de liberdade, com responsabilidade, mas um campo de experimentação. A ideia de disciplinar, controlar e, de certa forma, oprimir, vai contra a corrente mundial. Não é apenas uma questão de nossas crenças, daqueles que têm um compromisso com o humanismo democrático, é um valor para a educação no mundo inteiro.
A educação deve ser um campo de liberdade, de experimentação, e tudo que se oponha a isso, como processos de regramento absoluto, obediência cega, ordem unida, dar continência, tudo isso decorre do mundo em que vivemos, que tem dado espaço para que ideias obscurantistas saiam do armário e se apresentem como propostas para políticas educacionais. Sou totalmente contra a ideia de escolas militarizadas, assim como sou contra o homeschooling e os vouchers, ideias ultraliberais que surgem periodicamente e são implementadas em diversos lugares do Brasil, como na cidade e no estado de São Paulo, entre outros. A educação, como sabemos, é um campo de disputa permanente, e é um campo de conflito também. E qual é o nosso papel aqui? Recebemos consultas e procuramos respondê-las com base na legislação, não podemos inventar nada que esteja fora da lei brasileira. Nosso trabalho é também fomentar debates que influenciem positivamente aqueles que tomam decisões sobre políticas públicas no país inteiro.
Enquanto secretário de Taboão da Serra, um município da região metropolitana da cidade de São Paulo, a secretaria de educação recebeu um prêmio do PNUD que seria transformado em um modelo para a ONU. Você tem notícias dos desdobramentos desse projeto e se ele ainda existe?
Tenho notícias sobre o que aconteceu com a cidade. Taboão da Serra é um município da Grande São Paulo, com muitos desafios, localiza-se no cinturão da capital, e enfrenta diversas dificuldades, mas também apresenta muitas soluções. Embora o projeto original tenha sido descontinuado, a rede educacional de Taboão da Serra, que nas avaliações de larga escala, quando iniciamos o trabalho, figurava entre os últimos lugares entre os 645 municípios paulistas, hoje está entre as 40 melhores do estado. Por quê? A cidade ficou rica? Não. Não houve nenhum milagre. O que ocorreu foi que, naquele programa em que as professoras e professores visitavam a casa de cada aluno, dentro de um processo formativo, houve um encontro entre duas esferas do campo educacional: família e escola. Esse encontro liberou uma energia transformadora, a ponto de a cidade se transformar em uma cidade educadora.
Portanto, foi um programa premiado, e teve alguma continuidade. Contudo, como frequentemente ocorre nas políticas públicas, especialmente nas educacionais, a mudança de gestão e de administração leva muitos fazem questão de descontinuar, ou mesmo procurar apagar, o que o anterior fez. Mas o bom é que a liberação dessa energia fez com que a cidade avançasse muito, mesmo que o programa não tenha tido continuidade. Defendo firmemente que a escola pública, em um ambiente de gestão democrática e participativa, deve sempre buscar formas renovadas e criativas de conexão, tanto em geral, quanto, em particular, com as famílias. As mães, pais e responsáveis pelas crianças não podem aparecer na escola só de vez em quando, ou apenas nas reuniões de pais e professores. Por vezes, a escola, e foi isso que fizemos em Taboão da Serra, precisa fazer o caminho inverso e visitar os alunos em suas casas. Nem preciso descrever a emoção e o impacto de receber a professora ou o professor de nossos filhos em casa, desperta-se ali uma energia colaborativa muito importante, que gerou, em Taboão da Serra e em outras cidades que adotaram a prática, resultados muito positivos na melhoria da qualidade da educação.
Professor, depois de tantos anos atuando na área, o senhor tem uma carreira reconhecida e respeitada na luta pelo professor, pela educação de qualidade, o que significa chegar à presidência do Conselho Nacional de Educação?
Bom, primeiro, é uma enorme responsabilidade para mim, que tenho 40 anos de militância na estrada da educação brasileira. Pessoalmente, considero este o ápice da minha carreira. Assumi esta posição com imenso respeito, honrado pela confiança dos meus pares, para este mandato de dois anos como presidente. Fui eleito pelos meus colegas em novembro, assumi em dezembro e tenho dois anos de mandato, é uma posição de grande responsabilidade. Temos limitações pessoais e institucionais para concretizar todas as nossas ideias. Este é um órgão colegiado, com diversas posições, origens e pensamentos entre os conselheiros. É um trabalho de coordenação, vamos assim dizer, de regente de uma orquestra múltipla, cujos naipes precisam ser sempre ouvidos, respeitados, que são as conselheiras e os conselheiros aqui da educação. E, claro, manter uma relação forte e produtiva com o Ministério da Educação, assim como com as diversas entidades do campo educacional, um campo muito variado: inclui as entidades representativas do Ministério da Educação, as entidades representativas dos gestores educacionais, dos produtores de livros e materiais didáticos, as universidades, toda a área de formação de professores e o legislativo brasileiro em todos os níveis.
Esse é um trabalho que nos exige antenas abertas e poros muito abertos para que possamos produzir aquilo que a educação brasileira necessita, não apenas respondendo às demandas que vêm desde o século passado ou retrasado, mas tendo uma visão de futuro, porque o Brasil, nesse momento, inclusive, e no campo especialmente da educação, não pode recuar, não pode se acovardar em relação aos ataques que têm sido proferidos pelos, vamos dizer, centro das forças conservadoras do mundo. Nem preciso dizer de onde elas vêm, mas esse negacionismo da ciência, negacionismo aos direitos humanos. O Brasil, como oitava economia do mundo, tem a responsabilidade de firmar posições, as posições inclusive que nos trouxeram até aqui: luta pela equidade, pelos direitos humanos, pela questão ambiental, pela defesa da ciência, contra as desigualdades que acontecem no mundo, a responsabilidade de combater a pobreza nas várias formas de expressão; esse é o papel do Brasil. Então, nós não podemos nos acovardar em momento nenhum de entrar nessa disputa, o Brasil tem peso no cenário internacional e o presidente Lula tem colocado isso com muita clareza, defendendo posições, que às vezes incomodam alguns, mas que são essenciais e precisam ser reafirmadas.
O senhor disse uma vez que a educação deveria ser pensada para formar perguntadores, e vivemos neste tempo que o senhor acabou de descrever em que a ciência tem sido questionada. Temos mais acesso à informação de uma forma inédita, que talvez quando o senhor fez essa afirmação, nem se imaginava que chegaríamos a um momento como o atual, portanto, não deveríamos estar vivendo um momento de luzes e não de trevas? Será que a sociedade falhou de alguma forma?
Talvez… Não diria que falhamos, mas acredito que não tenhamos conseguido remar contra a corrente com a força necessária, remamos, mas talvez não tenha sido suficiente. Creio que essa seja a questão crucial: precisamos reavaliar constantemente nossas posições e buscar formas de vencer a correnteza. Frequentemente, o mundo oscila, mas hoje o pêndulo pende para um lado muito negativo, um lado negacionista e excludente, que agrava as desigualdades. Lutamos a vida toda pela paz, mas vemos governos e regiões importantes que são claramente beligerantes e destrutivos, prejudicando a humanidade, as pessoas e o meio ambiente. Voltando à sua pergunta, a questão central da educação no país e no mundo, hoje, é clara: precisamos criar um sistema educacional que prepare crianças, jovens e adultos para formular perguntas, questionar sempre e ter repertório para fazer boas perguntas.
Veja, quem já utilizou os mecanismos de inteligência artificial, muitos de nós já estamos usando, e vamos usá-los cada vez mais, pois fazem parte da nossa vida de maneira muito presente, e quem já usou essas ferramentas, sabe que o segredo está em saber fazer perguntas à inteligência artificial. Ela é mais do que uma ferramenta, embora alguns digam que a inteligência artificial deixou de ser uma ferramenta para ser um agente no processo, sendo portanto, um agente com capacidade inclusive de intervir nas relações humanas, sociais, políticas e econômicas, precisamos nos preparar para ter uma relação mais qualificada com esse novo agente. Isso exige muito mais da educação do que pensávamos no século XX ou XIX. A educação, hoje, deve fomentar a criatividade, o questionamento, a experimentação e o experimentalismo, isso é absolutamente fundamental, portanto nunca foi tão importante sermos bons perguntadores em todos os aspectos da nossa vida. Façamos boas perguntas, saibamos questionar, e tenhamos sempre uma visão crítica e criativa sobre a nossa vida e o nosso mundo.