Plural e resistente, militância petista é sinônimo de força para o partido
Nas ruas e nas redes sociais, militantes mantém viva a construção da organização e disseminam a voz do PT no debate cotidiano

Com 45 anos de atividade, o Partido dos Trabalhadores já atravessou diferentes desafios, tanto nos embates das casas legislativas e nas medidas tomadas à frente do Executivo em diferentes esferas, quanto nas tradicionais campanhas eleitorais ou na luta social em defesa dos interesses do povo. Em tantas batalhas, para dar materialidade aos temas na sociedade, existe um cenário: a rua. E seus protagonistas: a militância.
Com mais de 1.653.361 filiados, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (outubro de 2024), o PT se diferencia dos outros partidos no assunto. Mesmo atrás do MDB em número total de filiações, o partido está enraizado no imaginário do que significa ser um militante partidário atuante no Brasil, em especial em momentos decisivos da vida política do país, quando centenas de milhares saem às ruas portando bandeiras, vestidos com camisetas vermelhas e, na ponta da língua, um discurso afiado para rebater fake news.
Desde a criação do partido, em 10 de fevereiro de 1980, no colégio Sion, em São Paulo, a pluralidade de atuação estava presente com sua formação a partir de sindicalistas, militantes egressos da luta armada contra a ditadura, integrantes de movimentos populares de origem camponesa e católica, intelectuais, entre outros segmentos.
O sentimento de construir um instrumento para defender os interesses do povo brasileiro segue como um objetivo do PT. “Temos muito que celebrar neste dia e o mais importante é renovar nosso compromisso com a classe trabalhadora e com o povo brasileiro”, afirmou a presidente Gleisi Hoffmann, em um vídeo em comemoração ao aniversário divulgado nesta segunda-feira.
Hoffmann apontou também as dificuldades atuais: “nossa responsabilidade hoje é ainda maior, porque temos de reconstruir um país devastado pelo neoliberalismo privatista e excludente”. E completou dizendo que “45 anos não são 45 dias. O PT aprendeu muito e cresceu com o povo brasileiro nessa trajetória”.
Base participativa
“A pátria petista, isso não é novidade, ela se move até mesmo sem esperar a direção partidária, ela vai criando fatos, criando movimentos, essa militância petista continua tendo uma importância muito grande de mobilização e iniciativa”, afirma Breno Altman.
O jornalista, filiado ao partido desde 1986, foi um dos coordenadores da Campanha Lula Livre e acompanhou de perto a resistência de militantes na pressão para a soltura do atual presidente, que ficou preso 580 dias na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
A soltura de Lula ocorreu em novembro de 2019, mas, antes disso, desde o processo que tirou Dilma Rousseff do poder em agosto de 2016, não é exagero apontar que a militância petista não teve um dia de paz. Foram diversas campanhas nas quais os petistas estiveram engajados, desde o “Não vai ter Golpe”, passando pelo “Fora Temer” até chegar ao contexto do “Ele Não”. Durante o governo Bolsonaro, foram realizados inúmeros protestos e atividades de solidariedade para ajudar a população mais vulnerável no período da pandemia.
Com esse caldo de acúmulo de intensos anos de manifestações de rua e com o maior expoente do partido, Lula, dando indícios de que retornaria ao jogo eleitoral, em 2021, o Partido dos Trabalhadores alcançou a marca de um expressivo crescimento nas filiações, com mais de 62 mil novos registros somente naquele ano.
Para o coordenador da Campanha Lula Livre, é importante que haja uma ampliação no poder decisório da militância, que poderia ser retomado a partir das tecnologias disponíveis atualmente, com a realização de consultas online de maneira transparente.
Em relação ao aprendizado que a direção pode absorver perante aos exemplos militantes, Breno Altman defende mudanças. “A lição que podemos tirar é uma profunda reestruturação. O PT nasce como partido de massas, depois, no final dos anos 90, passa a ser um partido eleitoral, e nos últimos anos se tornou uma legenda eleitoral pela qual diversas correntes e lideranças disputam as eleições. Falta compromisso com a construção coletiva do partido, com as resoluções. O PT precisa voltar a ser um partido de massas, que educa, mobiliza as massas”, opina Altman.
PT Futebol Clube
Dentro do universo da militância, cabem os filiados, os simpatizantes e aqueles que são conhecidos por familiares e amigos como “torcedores fanáticos” do PT. São pessoas que, para além de construírem o cotidiano do partido, contribuem para manter viva e pulsante a simbologia da luta política nos bairros de diferentes cidades brasileiras.
Ainda a partir da analogia do futebol, são aqueles militantes que continuam vibrando com o partido, assim como um time, mesmo nas fases mais difíceis, como foram os últimos anos, desde o golpe sofrido por Dilma Rousseff até a saída de Bolsonaro. Nesse sentido, separamos alguns depoimentos de militantes que representam a “torcida” do partido, confira:
Lúcia Maria Xavier da Silva
70 anos, professora aposentada, Rio de Janeiro

“Cresci no Rio de Janeiro e mudei para Contagem, uma cidade industrial de Minas Gerais, em 1986. Meu berço político foi lá, eu era vizinha da Marília Campos e fiz amizade com o pessoal do Sindicato dos Bancários. Descobri que no ambiente político eu, enquanto mulher e mãe, tinha um lugar para conversar assuntos super interessantes e ainda podia sair para tomar uma cerveja com as mulheres após as atividades, o que não era tão comum nos anos 90.
Me filiei em 2003, nesse contexto de eleição do Lula e da Marília na prefeitura. Depois fiz a transferência para o PT do Rio porque voltei a morar aqui em 2004. Ao longo do governo petista, foi muito bom ver meus filhos na faculdade, era o Brasil que a gente queria. Nos últimos anos, era uma militância louca a gente vivia na rua ‘Fora Temer, Fora Temer, Fora Temer’ todo dia. Era muito desgastante, mas ao mesmo tempo muito produtivo.Eu trabalhava na sede do PT no Rio quando nosso presidente foi preso e a gente conseguia levar algumas camisetas brancas para o Lula, em Curitiba, e ele assinava pra gente.
Algo bastante marcante pra mim foi a campanha presidencial em 89. Teve um comício perto da minha casa, eu estava com um bebê de dois meses em casa, e minha filha com menos de dois anos foi junto comigo ver o Lula, ela sabia de cor a letra do “Lula Lá” de tanto que ouvia em casa. Então, ele pegou ela no colo, eu me emociono até hoje em lembrar. Quando Lula foi eleito, agora em 2023, nós fomos na posse, minha família toda, até o meu neto pequeno. Fizemos o réveillon lá, foi uma festa linda.
Posso dizer tranquilamente que, além da minha família, minha vida é o PT e as relações que construí a partir dele. Eu sou uma pessoa que respira PT, durmo PT, sonho PT. É uma torcida louca, eu me sinto agradecida ao universo pela minha relação com o partido”.
Nelson Jandir Canesin
66 anos, aposentado, São Paulo

“Eu era militante político da Libelu, que era crítica ao PT, e eu não concordava com essa posição, já era bastante simpatizante do partido e, portanto, resolvi me filiar. Me filiei em fevereiro de 1982, no Bar do Cebolinha, ao lado da prefeitura de Osasco, o bar era do pai do Silvio Pereira, que foi Secretário-Geral do PT e ele que me filiou. Era um momento de turbilhão na vida política, com a ascensão da organização dos movimentos sociais, e eu era militante do Sindicato dos Bancários.
Esse último período que começa com o golpe da Dilma já não começou muito fácil. A reeleição da Dilma já havia sido complicada, tínhamos enfrentado as jornadas de junho de 2013, que resultaram no levante do fascismo. Eu fui a uma dessas manifestações enquanto movimento sindical, junto com a CUT, e saímos de lá debaixo de porrada. Eles nos cercavam, gritavam ‘sem partido’ e no fim foram todos para partidos de direita. No momento do golpe, estava no Vale do Anhangabaú assistindo aquele circo de horrores.
Estava em São Bernardo no dia que o Lula resolveu se entregar para ser preso e foi um dos dias mais tristes da minha vida. Quando voltei pra casa, em Ibiúna, no interior de São Paulo, já saí pichando a cidade com os dizeres ‘Lula Livre’. No dia seguinte, eu fui pra Curitiba. Estava todo mundo acampado na rua ainda. O MST fazia almoços e jantares. Eu fiquei três meses ali, depois consegui ir para casas alugadas pelos bancários e pelos químicos. Foi uma experiência muito rica para mim.
Quando fui para a vigília, eu era petista, depois daquele período passei a ser também lulista. Vi muita gente bastante simples, trabalhadores rurais, que trabalhavam como boia-fria, fazia um dinheirinho da roça, iam pra lá ficar acampados um tempo, depois voltavam, exemplos lindos de militância.
Não consigo me ver fora do PT e vejo que muita gente da antiga também é assim. É como um time, se eu sair do PT não tenho pra onde ir, não me vejo em outros partidos. Nós já tivemos fases muito difíceis em que mal dava para sair com a camiseta do partido na rua e isso permanece até hoje, o ódio plantado foi tão grande que permanece complicado. Em Curitiba, quando estava na Vigília e precisava sair pra resolver alguma coisa no centro da cidade, era uma loucura, parecia que eu era um ser de outro planeta, a gente era muito hostilizado, mas o PT é isso, estamos sempre juntos, não fugimos da luta.
Vejo que a importância do PT no Brasil é que ele conseguiu aglutinar militantes que estavam com atuações dispersas nos movimentos sociais, o PT veio como um ímã para se tornar um dos maiores partidos de esquerda do mundo. O PT veio pra ficar”.
Alexandre Fossatti
42 anos, publicitário, Santa Catarina

“Entrei em 2018, foi o primeiro partido ao qual me filiei, apesar de já ter atuado anteriormente com outro parlamentar de outra legenda. A conjuntura política no momento da minha filiação era o avanço do bolsonarismo e da extrema-direita suprimindo os direitos do povo brasileiro. Era triste ver que 80% dos meus amigos estavam nessa onda.
Naquele momento, eu já tinha morado na Inglaterra em 2008 e me surpreendido com o quanto o presidente Lula era querido no exterior, daí comecei a estudar mais a história do partido naquele momento e me identifiquei muito com o patriotismo dentro PT, que pra mim é o único partido real no Brasil, já que o resto são meramente associações de deputados, salvo as exceções de outros partidos de esquerda que são muito menores na comparação com o Partido dos Trabalhadores.
No período crítico depois do golpe, eu produzia outdoors com os escritos ‘Anula STF’ em relação à prisão do Lula, chegando a 400 espalhados no Brasil inteiro. Lembro que era pecado falar de Lula naquela época. Muitos outdoors foram derrubados, alguns tacaram fogo. Nos organizamos a partir de um coletivo de pessoas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina que se juntaram em um grupo de Whatsapp chamado ‘Anula STF’ e fazíamos vaquinhas para fazer os outdoors com mensagens políticas em cidades demandadas pela militância.
Depois da atuação nesse coletivo, eu fui para as redes sociais e acabei criando um perfil do Lula no TikTok, que até então não estava lá. Com essa conta, alcançamos mais de 8 milhões de pessoas por dia de audiência, foi uma experiência muito interessante, que me colocou em contato com a equipe do presidente. A página acabou derrubada durante a campanha por causa de uma postagem de uma fala de Bolsonaro sobre a Covid.
Eu vou ser sempre petista, pra mim é o único partido articulado que tem um projeto para o país. Eu acredito que ser do PT é um privilégio de saber quem são os verdadeiros patriotas desse país que lutam por um país verdadeiramente liberto.”
Regyani Nascimento da Silva
40 anos, publicitária, Pará

“Minha mãe sempre foi bastante atuante na militância de bairro e ela teve muito contato com as pessoas que fundaram o partido em Belém, no Sacramento, onde eu nasci. Nesse contexto, eu me filiei com 16 anos, em um processo de filiação interna. Desde muito cedo, tive contato com o PT.
Como sou dirigente do partido aqui, participei de inúmeras atividades, principalmente no período da prisão do Lula, denunciando, fazendo passeatas, fizemos até um ato de julgamento simbólico para denunciar a parcialidade da Justiça naquele momento, era um sentimento muito grande de impotência, achávamos que a saída seria a longo prazo, então nos preparamos para a resistência. E para organizar a resistência a gente se apegava uns nos outros, na própria militância, conversávamos muito, sempre um ligava pro outro pra saber como o outro estava, isso foi o que meu força para aguentar, inclusive, o julgamento público porque era tudo muito difícil, andar nas ruas com a camisa do PT, a gente também acabou julgado junto com o presidente.
Pra mim, torcida boa é a que está com o time em todos os momentos, mas sempre cobrando, não só dando força, mas, principalmente cobrando. Nossa militância é muito aguerrida, tem cidades aqui no estado que têm 70% de bolsonaristas e a nossa turma está lá, resistindo. A nossa força é essa, a nossa militância, é quem faz o debate no micro, na rua, onde o debate político acontece com muita força, isso é tão importante quanto o que acontece no Congresso.
Acho que se a classe trabalhadora não tivesse o PT como instrumento de luta social, não estaríamos nessa posição que estamos hoje, com ganhos sociais, mesmo a partir das lutas. Isso é muito importante para o país também, ter um partido que defende as pessoas de maior vulnerabilidade, isso é um ganho para o povo do Brasil.”
Fabiano Leitão Duarte
45 anos, músico, Brasília

“Quando eu tinha 10 anos, eu ficava nos semáforos com a bandeira do PT panfletando com minha mãe, era o caminho natural das coisas que eu me filiasse um dia. Morei no Japão um tempo e quando voltei, resolvi me filiar. Queria fazer algo na sociedade e percebi que não se muda as coisas sozinho, era importante ter um coletivo, me filiei no período que estava fazendo trabalho social em uma comunidade em Samambaia, cidade satélite aqui de Brasília.
Nesse período do golpe contra Dilma e a prisão do Lula, inclusive, tive duas perdas muito doloridas de dois alunos no contexto de violência, o Júlio e o Evandro. E como eu era um professor de música na periferia, resolvi entrar para a luta com as armas que eu tinha: meu trompete e o ar dos meus pulmões. Quis colaborar assim, nesse sentido, eu invadia os links de transmissões ao vivo da Globo para chamar a atenção para aproveitar a audiência que eles tinham, principalmente no Jornal Nacional.
Somos uma torcida de guerreiros que lutam pelo projeto de país que investe na educação do nosso povo, no trabalho. Temos que continuar com esse projeto, precisamos mudar a desigualdade desse país. Nós somos os verdadeiros patriotas, os que lutam pelo povo.
Na minha opinião, se não fosse o PT, o Brasil já teria sido todo depenado. Acho que o partido é a última barreira para que isso não aconteça, países como os Estados Unidos já teriam roubado todas as nossas riquezas. O PT tem esse papel de defesa do país e do povo brasileiro, e o Lula é um grande símbolo disso. O Brasil precisa muito do partido. O PT é resistência, é vanguarda, é sonho de um Brasil mais justo. Por isso, temos que defender o partido.”