Nos últimos seis anos, o comércio se tornou um ponto focal político, especialmente desde que a primeira administração Trump iniciou uma guerra comercial com tarifas sobre produtos chineses em 2018

Nos últimos seis anos, o comércio se tornou um ponto focal político, especialmente desde que a primeira administração Trump iniciou uma guerra comercial com tarifas sobre produtos chineses em 2018
Reprodução X/@POTUS

Em entrevista no Salão Oval da Casa Branca, durante a assinatura de decretos controversos, o Presidente Donald Trump reiterou sua ameaça de impor tarifas de 100% sobre produtos dos países do BRICS. Ele minimizou a relevância do bloco, subestimando a capacidade de resistência dos países do Sul Global, afirmando que os BRICS não representam uma ameaça real e que são eles, e não os EUA, que estão “incurralados”.

O presidente dos EUA parece ir na contramão do ensinamento de Sun Tzu em “A Arte da Guerra”, que recomenda manter a calma em momentos críticos (临危不乱). Sua estratégia desesperada para manter a hegemonia americana em um mundo cada vez mais descentralizado ignora o fato de que as nações do BRICS têm pouco envolvimento comercial com os Estados Unidos. Essa abordagem pode não levar em conta a dinâmica global emergente e os novos arranjos econômicos que estão se formando.

Nos últimos seis anos, o comércio se tornou um ponto focal político, especialmente desde que a primeira administração Trump iniciou uma guerra comercial com tarifas sobre produtos chineses em 2018. Após a pandemia, vários países ocidentais adotaram discursos sobre “de-risking”,”re-shoring” e “friend-shoring”, enfatizando a necessidade de reconfigurar cadeias de suprimentos globais e reduzir a dependência da China. Nesse cenário, a hiperglobalização iniciada na década de 1990, conforme proposto por Dani Rodrik, chegou ao fim.

BRICS e EUA

É importante destacar que o BRICS agora conta com a Nigéria como seu novo parceiro, um país que se destaca como o mais populoso da África e o sexto mais

populoso do mundo. Com a inclusão da Nigéria, o BRICS+ agora reúne 10 membros e 9 parceiros, representando impressionantes 54,6% da população global e 42,2% do PIB mundial. O PIB dessa nova configuração é amplamente sustentado pela economia real, em vez de depender apenas de setores como serviços e finanças. Essa expansão sinaliza um fortalecimento das vozes emergentes no cenário econômico mundial.

Os BRICS continuam a se consolidar como uma força significativa à medida que o comércio global evolui. De maneira geral, os EUA importam bens essenciais, como medicamentos, vestuário e eletrônicos, dos países que compõem o bloco, com a China liderando essas trocas. Em 2023, as importações provenientes da China totalizaram US$ 427 bilhões, de um total de US$ 578 bilhões entre os BRICS. Embora as ameaças tarifárias tenham seus impactos ignorados, elas ainda podem elevar os preços dessas importações, destacando o potencial impacto sobre o comércio e os custos para os consumidores.

Em 2023, os EUA importaram US$ 66,7 bilhões em celulares, US$ 37,4 bilhões em computadores e US$ 32 bilhões em brinquedos da China. Além disso, importaram US$ 151 bilhões de outras nações do BRICS, incluindo US$ 11 bilhões em produtos farmacêuticos, US$ 9 bilhões em diamantes, US$ 6,3 bilhões em petróleo bruto e US$ 6,1 bilhões em produtos de algodão, principalmente da Índia.

Destaca-se que a maior categoria de importações são os insumos da Índia para a indústria farmacêutica dos EUA. Com o novo secretário de saúde propondo reformas significativas no setor farmacêutico, essa relação comercial pode se alinhar a suas iniciativas, potencialmente fortalecendo a colaboração entre os dois países na área da saúde.

Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, e em 2024 o comércio bilateral atingiu um marco histórico, ultrapassando US$ 80 bilhões. Esse volume consolidou o Brasil entre os 10 principais parceiros econômicos dos EUA. As exportações brasileiras para os EUA somaram US$ 40,3 bilhões, enquanto as exportações americanas para o Brasil chegaram a US$ 40,6 bilhões, representando um aumento de 6,9% em relação a 2023.

Caso o Brasil perdesse acesso ao mercado americano, o impacto seria significativo para ambas as economias. Nesse cenário, o Brasil precisaria buscar novas oportunidades, redirecionando suas exportações para mercados como China, União Europeia e América Latina. Investir em setores como agricultura, energia renovável e tecnologia ajudaria a mitigar os impactos e ampliar sua presença global. Por outro lado, os recursos naturais e produtos agrícolas brasileiros são essenciais para as indústrias americanas, reforçando a forte interdependência entre os dois países.

Sanções e America First

A retórica “Eles precisam de nós mais do que nós precisamos deles”, típica da política “America First” (América Primeiro), reflete uma visão unilateral que desconsidera a crescente influência geopolítica e econômica do BRICS, especialmente diante dos esforços do bloco pela desdolarização e pela promoção da multipolaridade. No entanto, essa postura agressiva pode sair caro para os próprios Estados Unidos. Ao tentar subjugar os países do BRICS, Trump corre o risco de gerar instabilidade econômica global e intensificar tensões comerciais, comprometendo interesses americanos no longo prazo.

Essa medida tem potencial de elevar os preços de importações essenciais nos EUA, como eletrônicos, alimentos e matérias-primas, afetando diretamente os consumidores. A implementação dessas tarifas teria um impacto visível nas lojas do país. Algumas empresas, incluindo Walmart e Columbia Sportswear, já disseram que estão se preparando para aumentar os preços caso Trump implemente tarifas sobre os principais parceiros comerciais.

A Rússia já havia reagido à ameaça tarifária de Trump. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou aos repórteres que, se os EUA utilizarem “força econômica para obrigar os países a usar o dólar”, isso poderá incentivar esses países a adotarem outras moedas para o comércio internacional. Essa declaração sugere que a pressão econômica dos Estados Unidos pode, na verdade, levar a uma diversificação nas moedas usadas globalmente.

As tarifas propostas podem agravar a situação, em vez de resolvê-la. Por outro lado, a imposição de tarifas, longe de isolar os BRICS, pode acelerar a busca por alternativas ao domínio econômico dos EUA, reforçando a necessidade de uma nova ordem global mais justa e equitativa.

A busca do BRICS pela desdolarização, e a tentativa de desenvolver uma nova moeda ou outras formas alternativas de pagamento no mercado internacional, afastando a dependência do dólar americano, é uma forma de reduzir o risco de ataques. Esse movimento é impulsionado, em grande parte, pelo receio das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, que frequentemente utilizam o dólar como ferramenta de coerção política e econômica.

O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, por meio do Office of Foreign Assets Control (OFAC), define as sanções econômicas como “ações restritivas destinadas a alcançar objetivos de política externa e segurança nacional”. Sanções econômicas têm

se transformado em uma espécie de arma moderna usada em guerras híbridas globais, abrindo novos fronts ocultos de conflito.

Elas também se tornaram um símbolo de domínio dos EUA e seus aliados, sendo usadas como ferramentas para limitar o desenvolvimento e enfraquecer a soberania de outros países. Daniel Drezner define sanções econômicas como “instrumentos de coerção econômica usados para influenciar o comportamento de outro ator político”.

Uma abordagem mais construtiva envolveria diálogo diplomático e colaboração com o BRICS para soluções mutuamente benéficas. A estabilidade global depende de equilibrar interesses nacionais com relações internacionais sólidas, algo que a política “America First” de Trump parece negligenciar.


J.Renato Peneluppi Jr. Advogado; Doutor em Administração Publica na China; Membro pleno do Conselho Mundial de Sinologia; Diretor do Conselho de Cidadãos Brasileiros de Beijing Associado ao Center for China and Globalization (CCG); Membro do Global Youth Leader dialogue (GYLD)