Nova política da Meta ameaça soberania e preocupa governos
Falta de checagem, derrubada de filtros em discursos de ódio e um claro alinhamento político à extrema direita motivam reações contrárias às mudanças anunciadas por Zuckerberg
Não é apenas a previsão de que as redes sociais devem se tornar um ambiente, cada vez mais, hostil com a derrubada da checagem e a adoção do sistema de Notas da Comunidade (modelo inspirado no funcionamento da plataforma X e adotado nas redes da Meta) que preocupa governos de diferentes países. Por enquanto, segundo a empresa, essa alteração ainda não está disponível globalmente, apenas nos Estados Unidos.
Apesar do fim da checagem independente ser central nos discursos oficiais, há outros pontos do anúncio que representam mudanças significativas e que já estão em processo de implementação.
É o caso das recomendações de conteúdo político que, após perderem espaço nos últimos anos, voltam à cena. Nesse sentido, a partir do novo algoritmo, os usuários devem perceber nas próximas semanas um aumento de conteúdo de caráter político, muitas vezes provenientes de contas das quais não são seguidores, nos feeds das três redes controladas pela empresa.
Para o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, o FNDC, o anúncio da Meta não se limita a uma nova política de moderação de conteúdo, mas configura um movimento político que ameaça a integridade das democracias em todo o mundo. “Ao alinhar-se às ideias de Donald Trump, Elon Musk, e outros representantes da extrema-direita, a Meta reforça uma agenda política destrutiva internacional, com objetivo de fragilizar as instituições democráticas”, aponta a entidade.
Outro ponto de atenção são as mudanças nas regras para conteúdos relacionados a discursos de ódio. De acordo com o anúncio de Zuckerberg, declarações relacionadas a temas como gênero, orientação sexual, questões religiosas e imigração não terão mais moderação da plataforma. Dessa forma, será possível relacionar minorias sociais à desordem mental ou a qualquer tipo de “anormalidade”.
A coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Renata Mielli, comentou a simplificação da política de restrições de conteúdos em um artigo publicado na Carta Capital. “Embora o argumento possa parecer correto, é fundamental lembrar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e não se sobrepõe a outros direitos. Moderar conteúdos que exaltam genocídios, celebram mortes de mulheres e crianças, ou promovem supremacia racial e homofobia é essencial”, afirma.
A flexibilização nos filtros de moderação automática já está em vigor nas três redes da empresa em caráter global, de acordo com a companhia. Casos antes considerados graves de violação da política da empresa, como postagens relacionadas a terrorismo ou exploração de pessoas, passam a ter postagens analisadas individualmente ao invés de banidas automaticamente.
Guinada à direita
No vídeo de anúncio das mudanças de funcionamento das redes controladas pela Meta, o CEO, Mark Zuckerberg, deixou claro o alinhamento político junto ao presidente republicano Donald Trump, em seu segundo mandato. “Vamos trabalhar com o presidente Trump para enfrentar governos que perseguem empresas americanas e pressionam por censura”, disse Zuckerberg.
O CEO da Meta criticou o rígido controle legislativo dos países europeus e o que chamou de “tribunais secretos” na América Latina, um claro recado ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, além de citar a China, também sob a ótica da censura.
Como forma de acelerar a discussão do tema na corte brasileira, o STF deve retomar no primeiro semestre deste ano o julgamento que discute a responsabilidade das plataformas por conteúdos publicados.
O julgamento começou em dezembro e já tem três votos, mas foi interrompido após pedido de vista do ministro André Mendonça. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, deve pautar a ação assim que for devolvida, em um prazo de até três meses.
O que está em discussão na ação é o modelo de responsabilização das plataformas pelo conteúdo de terceiros e as circunstâncias nas quais as empresas podem sofrer sanções por conteúdos ilegais postados por seus usuários. O debate está relacionado ao artigo 19 do Marco Civil, que estabelece responsabilização apenas em caso de não retirada do conteúdo pelas plataformas após decisão judicial.
Em uma postagem em suas redes sociais, o secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, avalia que a Meta irá atuar politicamente no âmbito internacional de forma articulada com o governo Trump para combater políticas dos países que buscam equilibrar direitos no ambiente online. Para Brant, o anúncio só reforça a relevância das ações já em curso na Europa, Brasil e na Austrália.