Seminário debate o papel das periferias na democratização do Brasil
Realizado em Brasília, evento teve a participação de representantes do governo federale de lideranças do movimento social de vários estados
O papel das periferias no processo de democratização no Brasil do século XXI foi um dos temas do seminário realizado pela área Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo, em 4 e 5 de dezembro, em Brasília. A abertura do evento teve a participação de lideranças do movimento social, do coordenador Paulo Ramos, de conselheiros e representantes de coletivos mapeados pela Reconexão, além da diretora da FPA Elen Coutinho e do vice-presidente, Breno Almeida. A vereadora reeleita pelo PT do Rio de Janeiro Tainá de Paula e o secretário nacional de Economia Popular e Solidária Gilberto Carvalho foram os expositores da primeira mesa.
Almeida destacou na abertura que os resultados da Reconexão Periferias refletem o estímulo à organização de base, essencial à luta das trabalhadoras e trabalhadores. E que as periferias têm representado o rearranjo da sociedade brasileira após o golpe sofrido pela presidenta Dilma Rousseff em 2016.
“À medida que a Fundação estimula esse tipo de iniciativa, expressa o entendimento de que a periferia não é apenas um posicionamento geográfico. O olhar sobre ela é, em certa medida, sobre a nossa realidade em sua maior exuberância. Hoje, a partir do conceito de Sul Global, o Brasil rompe com um grupo de nações privilegiadas, mais desenvolvidas e mais potentes, o que expressa sua força”, disse.
A vereadora Tainá de Paula falou sobre as grandes crises do Brasil hoje, que sinalizam os processos a serem enfrentados: as crises do trabalho, do futuro e ambiental. Em relação ao trabalho, argumentou que estamos sendo massacrados porque não há emprego para todo mundo, e o novo capitalismo resolveu nos descartar.
“A grande maioria do nosso povo hoje está no precariado, nem sequer compreende as relações trabalhistas. Há mais capital rentista do que gente com ‘grana’ querendo investir no Brasil. Nosso chão de fábrica e a capacidade de ter indústrias de base e transformação são pequenos. Portanto, nossa chance de obter um acordo laboral com o patronato que leve em conta a nossa vida com dignidade porque nossa existência é importante para produzir acabou”.
Ela afirmou que a base de sustentação que temos enquanto classe trabalhadora muito provavelmente irá sumir nos próximos dez anos. E se não começarmos a pensar sobre novos postos de trabalho. “A gente tem que inventar empregos para não morrer”.
A vereadora falou também sobre a baixa expectativa de vida nas periferias, que categorizou como crise do futuro. “O periférico hoje é muito saudoso da nossa agenda de bem-estar social e de consumo de 20 anos atrás. Existe uma consciência sobre a possibilidade de morrer a qualquer momento de bala perdida é uma incógnita sobre a capacidade de se observar como sujeito público com direitos, capaz de se libertar do aprisionamento”.
Por fim, de Paula mencionou a crise ambiental. “No começo do século XXI, não necessariamente existia uma pobreza ambiental associada à pobreza econômica. Hoje existe porque as periferias foram transformadas em zonas de sacrifício e sem condição de vida, porque não há política de resíduos sólidos, nem os compromissos morais, éticos com a qualidade dessa classe trabalhadora que mantém os bairros nobres eescolarizados”, pontuou.
O secretário Gilberto Carvalho disse que quando falamos em conexão com as periferias se trata da imensa maioria do povo brasileiro. E lembrou que, nos anos 1970 e 1980,quem levantou os movimentos de resistência à ditadura e construção de uma nova democracia foram elas. “O levante se deu na periferia, não foi no centro. Claro que houve alianças importantes com setores médios, com as universidades, os intelectuais.Mas o motor estava na periferia, onde trabalhava e morava o operariado de São Bernardo do Campo, do Rio de Janeiro, da Zona Leste mais remota”.
E retomou que, em 1987, quando foi realizado o quinto Encontro Nacional, decidiu-se que o PT seria um partido de massas com quadros e com uma estratégia de maiorias. “Lá surgiu o chamado Programa Democrático Popular. Nosso projeto foi vitorioso, ganhamos prefeituras, estados e a Presidência da República, em sucessivas eleições, mudamos a cara do país. E, por estranho que pareça, fomos mirados por um golpe e o povo não compareceu. Aí está a grande questão: por quê?”
Segundo Carvalho, conseguiram construir um muro entre nós e a periferia, entre nós e os pobres, e esse muro está muito consolidado hoje. “Não vamos achar que como em 2004, 2005, uma simples mudança econômica nos trará a população massivamente. Houve uma mudança estrutural, uma revolução cultural no mundo da comunicação, da linguagem, da simbologia, que nós temos de saber trabalhar. É necessário mudar a maneira de comunicar e também o método de governar, aprender com Paulo Freire que a gente educa a partir da prática. Se a gente não entender que não adianta entregar Minha Casa, Minha Vida aos milhares sem falar com o povo, seremos derrotados em 2026”.
Para ele, o desafio é pensar com muito mais público. “A periferia é protagonista. Temos de abrir espaço e encontrar formas de comunicação que permitam a potencialização de sementes libertárias que já estão nela e trabalham por meio de suas expressões culturais e organizativas. O governo bom não é aquele que faz apenas obras físicas e sociais. Um bom governo é pedagogo, é aquele que faz isso e estimula a organização do povo. É o governo que reforça a luta de classes no polo do povo periférico, da luta”, concluiu.