Neste contexto de desconfiança, as decisões do Banco Central do Brasil têm sido alvo de críticas e especulações sobre sua postura em relação ao governo

É preciso refletir: contradições da Faria Lima, por Pedro Henrichs
Marcelo Justo/Divulgação

A contradição no cenário econômico brasileiro evoca a famosa frase do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel: “O que é racional é real e o que é real é racional”. Esta máxima nos convida a refletir sobre a aparente irracionalidade da situação atual, onde a realidade do crescimento econômico parece desconectada da percepção racional do mercado interno.

Desconfiança do mercado nacional e ações do Banco Central

O mercado financeiro brasileiro continua demonstrando uma forte desconfiança em relação ao governo e suas políticas econômicas:

  • Uma pesquisa da Quaest revelou que 90% dos gestores e analistas financeiros avaliam negativamente a gestão econômica do governo Lula.
  • 96% dos entrevistados consideram que a política econômica do país está na direção errada.
  • Para 2025, 88% dos agentes acreditam que a economia brasileira vai piorar.

Neste contexto de desconfiança, as decisões do Banco Central do Brasil (BCB) têm sido alvo de críticas e especulações sobre sua postura em relação ao governo, lembrando-nos das palavras do economista John Kenneth Galbraith: “a única função das previsões econômicas é fazer a astrologia parecer respeitável”.

Manutenção de juros altos

O BCB tem mantido a taxa Selic em patamares elevados, atualmente em 11,25% ao ano, mesmo diante de sinais de desaceleração da inflação. Esta postura conservadora tem sido justificada como necessária para ancorar as expectativas inflacionárias, mas tem gerado críticas por parte do governo e de setores da economia que argumentam que taxas tão altas prejudicam o crescimento econômico.

Inação frente à valorização do dólar

Outro ponto controverso é a aparente inação do BCB frente à valorização do dólar. Enquanto muitos países intervêm ativamente no mercado de câmbio para conter flutuações excessivas, o BCB tem adotado uma postura mais passiva. Esta abordagem tem levantado questionamentos sobre se a instituição está fazendo o suficiente para proteger a economia brasileira de choques externos.


Projeções positivas de agências internacionais

Em contraste com o cenário interno de desconfiança, instituições internacionais e dados econômicos recentes apresentam um quadro mais otimista:

  • O Banco Mundial projeta um crescimento do PIB brasileiro de 2,8% em 2024, uma revisão para cima em relação à previsão anterior de 2%.
  • O Brasil teve o quarto maior crescimento econômico no terceiro trimestre de 2024 entre os países do G20, com uma expansão de 0,9%.
  • Comparado ao mesmo período de 2023, o Brasil apresentou uma expansão de 4% no PIB, ficando atrás apenas da Índia, Indonésia e China.

A contradição aprofundada

Esta disparidade entre a percepção interna, as ações do BCB e as projeções externas cria uma situação ainda mais paradoxal:

  1. Crescimento robusto vs. política monetária restritiva: enquanto o país registra um crescimento econômico significativo, superando muitas economias desenvolvidas, o BCB mantém uma política monetária restritiva que pode estar limitando um crescimento ainda maior.
  2. Revisões positivas vs. expectativas negativas: instituições como o Banco Mundial estão revisando suas projeções de crescimento para cima, enquanto o mercado interno e o BCB parecem operar sob a expectativa de riscos econômicos iminentes.
  3. Destaque internacional vs. críticas domésticas: o Brasil se destaca no cenário internacional em termos de crescimento do PIB, mas enfrenta críticas severas internamente quanto à condução da política econômica e monetária.
  4. Autonomia do BCB vs. alinhamento com objetivos governamentais: a postura do BCB levanta questões sobre o equilíbrio entre sua autonomia institucional e a necessidade de alinhamento com os objetivos macroeconômicos do governo.


Implicações e especulações

A manutenção de juros altos e a aparente inação frente à valorização do dólar por parte do BCB tem alimentado especulações sobre possíveis motivações políticas. Como diria o filósofo político Nicolau Maquiavel, “A política não tem relação com a moral”. Esta máxima nos faz questionar se as decisões econômicas estão sendo tomadas puramente com base em fundamentos técnicos ou se há outros fatores em jogo.

  • Pressão sobre o governo: alguns analistas argumentam que a postura do BCB pode ser interpretada como uma forma de pressionar o governo a adotar medidas fiscais mais austeras.
  • Desalinhamento institucional: críticos sugerem que pode haver um desalinhamento entre os objetivos do BCB e as metas de crescimento e desenvolvimento do governo federal.
  • Debate sobre autonomia: a situação reacende o debate sobre os limites da autonomia do BCB e sua responsabilidade em coordenar suas ações com a política econômica mais ampla do país.


A contradição entre o otimismo internacional e o pessimismo doméstico, somada às ações controversas (para não dizer outra coisa), do Banco Central, cria um cenário econômico complexo e desafiador para o Brasil. Esta situação nos lembra das palavras do economista John Maynard Keynes: “O mercado pode permanecer irracional por mais tempo do que você pode permanecer solvente”.

A resolução dessas tensões será crucial para o futuro econômico do Brasil, exigindo uma coordenação mais eficaz entre a política monetária e fiscal, bem como uma comunicação mais clara sobre os objetivos e estratégias econômicas de longo prazo. Somente através de um esforço conjunto e alinhado será possível capitalizar as oportunidades de crescimento identificadas internacionalmente, ao mesmo tempo em que se abordam as preocupações legítimas do mercado financeiro doméstico.

Pedro Henrichs é gestor público, CEO da Henrichs Consultoria, Secretário Executivo da Regenera Brasil, ex-presidente do Fórum de Juventude dos BRICS, observador eleitoral há 14 anos, 18 países na América, 4 países na Europa, 1 na África, e 3 na Ásia.