Eliana Rocha analisa o plano de assassinatos contra autoridades da República
Joedson Alves/Agência Brasil

A nação brasileira está em choque com as derradeiras informações sobre a tentativa de golpe de Estado perpetrada no país no ano de 2022, e que vieram a conhecimento público pela investigação criteriosa da Polícia Federal, ao acessar os dados da nuvem dos celulares dos investigados, ironicamente conseguidos com a tecnologia israelense. A trama macabra teria seu ápice com as mortes, por envenenamento, do presidente da República, do seu vice-presidente e do Ministro do Supremo Tribunal Federal. É isso, estivemos a dois passos do precipício. Um golpe batizado de punhal verde-e-amarelo.

É essa a notícia: terroristas fardados e seus asseclas iam matar o presidente eleito legitimamente, sob o comando de um ex-presidente, que nunca fez segredo de ser contumaz propagador da ditadura militar. Um criminoso de ficha corrida.

A PF encerra o inquérito e indicia 37 vis personalidades, do exército (com letras minúsculas mesmo, como no livro Os meninos da rua Paulo) a presidentes de partido político. O rito institucional que se segue é a entrega das mais de oitocentas páginas que passarão das mãos do Ministro do STF responsável pelo caso ao Procurador Geral da República. Como até os seixos que rolam nos poderes constituídos brasileiros sabem muito bem, a PGR tem historicamente um papel pífio em favor do bom funcionamento da República, pela qual deveria zelar.

A partir daí é que quero exercer um direito ao contraditório, sobre um aspecto do debate que mais enfaticamente domina a semana de 18 a 22 de novembro do ano de 2024: agora precisamos aplacar toda nossa expectativa; agora precisamos deixar que o tempo mítico da instituição se faça, à distância de qualquer fala ou comportamento que possa sugerir ou questionar celeridade no trabalho; agora faz-se necessário calarmo-nos e reconhecer humilde e humilhantemente esse direito divino e inquestionável o “tempo”. O tempo é dele. O tempo do procurador, seja ele qual for, dure o quanto durar; nós não somos como os golpistas, nós temos obrigação moral e precisamos nos submeter, sem discussão, para não parecermos indevidamente ansiosos ou talvez até parecermos antidemocráticos, por não nos ajoelharmos frente ao “tempo”.

Juristas, jornalistas, comentaristas, âncoras, especialistas de plantão soam quase em uníssono. E felizmente há aqui esse “quase”. É nele que me apego. Perplexamente

assistindo à cobertura sobre o golpe que iria matar por envenenamento o Presidente da República e toda a linha de sucessão democrática, não vamos nem pressionar por prisões preventivas? São terroristas que serão um dia julgados pelo crime de abolição do estado de direitos e outros crimes correlatos, mas nós, os simples mortais, devemos subalternamente entender (não dá para entender) que só o tempo – esse constructo teórico – livre de qualquer pressão da sociedade e sem qualquer limite de prazo, possa produzir uma denúncia consistente, uma denúncia que não deixe qualquer margem para revisão. Vamos argumentar aqui que há uma robusta estrutura a assessorar o trabalho da PGR para que além de produzir uma denúncia consistente, também o faça com a devida celeridade. Oitocentas páginas, das quais provavelmente mais da metade são de relatos já de conhecimento da PGR.

É de deixar boquiaberto o argumento de que só falta um mês para o fim do ano. E daí, é sério esse argumento? Eles iam matar por envenenamento o presidente da República e sua linha sucessória: mas o ano está acabando, como poderíamos ousar imaginar uma prioridade para esse caso? Eles iam matar o presidente da República e instalar uma ditadura aos moldes requentados do Silvio Frota.

Mas tem as festas de fim de ano, o recesso e o carnaval. Somos pacíficos, somos ordeiros, somos cabisbaixos e precisamos dar tempo ao tempo, mesmo que isso nos humilhe até o último fio de honra cívica e amor à Democracia. Precisamos ouvir quem tem juízo, e o único juízo é que o tempo, sem qualquer limite e sem qualquer pressão da mais justa indignação, é o único que pode garantir a lisura do “nosso lado”, afinal não somos iguais aos terroristas, precisamos, para além de qualquer insegurança da sociedade (afinal os terroristas continuam em ação, com bombas quentes e outras de dissonância cognitiva) garantir o devido processo legal, e este só se fará, irremediável e aprioristicamente, se atado ao critério do tempo (subjetivo e político) do procurador.

Eliana Rocha é Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ e autora do livro Lula: a parresía no cárcere, pela Kotter Editorial.