Prestes a completar dois anos no cargo, o Ouvidor das Polícias de São Paulo, conhecido como professor Claudinho, fala sobre os desafios de atuar para a sociedade e para os policiais com imparcialidade e equilíbrio e defende pacto nacional de enfrentamento aos homicídios 

Cláudio Silva: 'O desafio é atuar em defesa da população e dos direitos dos policiais'
Reprodução Brasil de Fato/Igor Carvalho

A Ouvidoria das Polícias de São Paulo foi a primeira do país. É um órgão independente ligado à Secretaria de Segurança Pública e recebe denúncias tanto de policiais quanto da população. O atual ouvidor, o professor Claudio Silva, conhecido como Claudinho, está prestes a completar dois anos no cargo, período que ele descreve como “o mais desafiador da sua vida”. 

Indicado pela Associação Santos Mártires, foi eleito após o processo de escolha conduzido pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo, Condepe, em novembro de 2021. Rodrigo Garcia (sem partido), ex-governador do estado, quando substituiu João Dória e ficou no cargo de abril de 2022 a janeiro de 2023, foi obrigado a fazer sua nomeação após uma representação movida pelo Condepe por improbidade e prevaricação por deixar o cargo vago.

Vida política 

Filiou-se ao PT em 1998 e atuou como assessor do ex-deputado estadual Vicente Cândido, e ocupou a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT. Foi coordenador de Políticas para Juventude da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania durante a gestão do prefeito Fernando Haddad. Entre 2019 e 2021, coordenou o SOS Racismo da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Claudinho enfrenta os desafios diários sob a perspectiva de “um homem preto favelado”. Nascido e criado na favela de Monte Azul, no Jardim Santo Antônio, passou por um período de abandono durante a infância e foi engraxate durante muitos anos. Descobriu o Movimento Negro Unificado quase que por acidente, e começou a participar das reuniões. 

Seu mandato pode ser renovado mais uma vez – e ele pretende permanecer no cargo para atuar na construção de um pacto nacional de combate e prevenção de homicídios. 

Prestes a completar dois anos no cargo de ouvidor, pode nos relatar como têm sido o trabalho e a experiência neste período?

É uma experiência interessante e a mais desafiadora da minha vida. Ela diz respeito a você pensar esse lugar, que é a ouvidoria da polícia, sem trazer consigo os rancores históricos que um homem preto favelado pode ter em relação ao tema da segurança pública e às forças de segurança pública, conjugando isso com a não transformação desse espaço, que é a ouvidoria da polícia, num aparelho de oposição governamental, em razão das paixões que todo e qualquer ouvidor tem. Então, é um tanto quanto desafiador. Para além disso, pensar a política de segurança pública no estado de São Paulo é pensar também com o viés de se colocar no lugar daqueles e daquelas que fazem essa política de segurança pública acontecer. Então, estou falando aqui da gente discutir em segurança pública direitos humanos, mas pensar os direitos humanos também sob a perspectiva dos profissionais e das profissionais que atuam com segurança pública. 

Quais foram esses desafios?

Um desafio é lidar com as injustiças que os policiais sofrem no seu cotidiano, nos seus ambientes de trabalho, verbalizar isso, se indignar com isso também e conseguir tomar as medidas que precisam ser tomadas em relação a essas questões, mas, ao mesmo tempo, também discutir com o movimento de direitos humanos o que é isso. Porque, muitas vezes, vários movimentos de direitos humanos trabalham na perspectiva de que os policiais são nossos inimigos. Quando a gente sabe que quem atua com direitos humanos não pode achar que o ser humano é inimigo de si próprio. A gente acredita na recuperação plena do ser humano, sempre. Então, a gente precisa, nesse momento, ter coerência com esse discurso. Eu não acredito na recuperação apenas do ser humano que eu seleciono para ser recuperado, qualquer pessoa pode ser alvo desse processo de recuperação. Para além disso, pensar o policial ou a policial como seres humanos também. Pessoas que também são detentoras de direitos humanos, que são questões fundamentais, esse é um desafio enorme na discussão com o movimento social, especialmente os movimentos sociais mais radicalizados. Os movimentos sociais que enxergam o policial como se fosse o próprio sistema de segurança pública. A gente sabe que tem problemas gravíssimos a serem corrigidos, inclusive esses problemas das questões internas relacionadas aos direitos humanos desses policiais. Então, isso é um desafio. Você conseguir ter a imparcialidade e a compreensão de entender que policiais também são seres humanos, que policiais também têm seus direitos violados e que eles também precisam que quem defenda direitos humanos, especialmente a ouvidoria da polícia, que tem um papel de equilíbrio, imparcialidade, consiga defender também os seus direitos, porque a ouvidoria da polícia está aí para a sociedade buscá-la para preservar e reaver seus direitos; mas também a ouvidoria está à disposição dos policiais. Isso é um grande desafio, um desafio enorme. No início da minha gestão, quando comecei a vocalizar isso, trazer isso à tona, recebi duras críticas dos movimentos sociais. Mas, com o tempo, isso foi sendo compreendido e hoje consigo fazer esse debate com um pouco mais de tranquilidade. Esse é um aspecto. O outro aspecto também é você ter essa tarefa de, em vários momentos, ter que se contrapor à atividade policial, dialogando sem generalizar, porque sabemos que em todos os grandes grupos, sejam eles grupos empresariais ou de trabalhadores e trabalhadoras, no ambiente público ou no ambiente privado, sabemos que existem pessoas boas e pessoas não tão boas. Pessoas que fazem o seu trabalho primando pela legalidade e pela responsabilidade, etc; e pessoas que também não se preocupam muito com isso. Então, também é um desafio, com a história de um homem negro pobre, favelado, fazer o debate de discutir os erros cometidos pela polícia ou pelas polícias, porque a gente atua com a Polícia Militar, Civil e Científica, sem generalizar, sem colocar todo mundo no mesmo pacote, no mesmo balaio, individualizando a responsabilidade de cada um e também sabendo distinguir quando essa responsabilidade é daquele cidadão, daquela cidadã que cometeu aquele erro ou adotou uma prática irregular ou quando essa responsabilidade também pode ter sido ocasionada dessa responsabilização. Essa irregularidade pode ter sido ocasionada em razão das condições sistemáticas que essa pessoa tem para poder trabalhar. Assim, muitas vezes, a pessoa acaba sendo induzida ao erro, por isso também temos que saber localizar essas questões e isso também é muito desafiador. E ainda o desafio de manter a ouvidoria como órgão independente e autônomo. O tempo inteiro a ouvidoria é assediada, é criticada, é mal interpretada, muitas vezes por falta de compreensão mesmo das próprias pessoas, outras vezes por falta de responsabilidade mesmo ou até por desonestidade. Então, manter a ouvidoria viva com sua autonomia e sua independência também foi um desafio muito grande. E essa atividade não é uma atividade simples, né? Ser ouvidor da polícia no Estado de São Paulo, e aí eu não quero nem discutir a realidade política local, ou a qual aspecto político o governador, o secretário de Segurança Pública pertence, mas vamos discutir a segurança pública sob o ponto de vista do conceito que vem sendo aplicado no nosso país ao longo dos anos. Isso é desafiador para nós. Ser ouvidor da polícia nesse lugar aqui não é simples não, não é qualquer coisa.

Nós acompanhamos os últimos episódios envolvendo a sua atividade. É claro que precisamos valorizar e reforçar a atividade policial, mas você não acha que a polícia brasileira precisa passar por um processo de reeducação de conduta com o cidadão, de servir à coletividade? 

Eu acredito que temos um problema muito sério na origem da nossa polícia, que é a questão da sua formação. Hoje, temos uma polícia, especialmente a Polícia Militar, cuja base de formação é um decreto da ditadura militar. Esse decreto ainda existe, está em vigor e faz uma menção objetiva ao ato institucional número 5, que foi o ato mais grave da ditadura contra os civis. Quando temos uma legislação que fundamenta a formação das nossas instituições policiais e militares e que faz referência ao AI-5, submetendo-se a ele, já podemos ter uma ideia de como essa corporação se relacionará com a sociedade civil como um todo. Então, acredito que uma série de reformas no sistema de segurança pública precisam ser implementadas, e uma dessas reformas é alterar a legislação que institui a criação e a formação das nossas polícias militares, que é o Decreto 667/69.

Você está acompanhando a discussão sobre o SUSP do Governo Federal?

A PEC é extremamente pertinente, fundamental. Vivemos em um ambiente em que, há algo em torno de 30 a 40 anos, o Estado brasileiro, ou seja, todas as unidades da Federação e o Governo Federal, tem sido derrotado pelo crime organizado do ponto de vista do quanto esse crime cada vez mais se aperfeiçoa e faz uso de tecnologias que, em muitos aspectos, os Estados não conseguem dar conta. E é fundamental, e acho que é um gesto muito bonito do Governo Federal, que ele se movimente no sentido de dividir as responsabilidades com os Estados em relação ao enfrentamento ao crime organizado. Então, eu acho muito válido que o Governo Federal, através do Ministério da Justiça e do presidente Lula, apresente uma proposta de emenda à Constituição. Primeiro, para elevar o Sistema Único de Segurança Pública para o patamar que deveria ter estado lá atrás, que é o patamar constitucional. Porque o Sistema Único de Segurança Pública, seu grande impulsionador é o modelo do SUS, e o SUS está na Constituição. E o Sistema Único de Segurança Pública, até o atual momento, foi aprovado por lei ordinária, o que é um equívoco. Então, a gente elevar para o texto constitucional é extremamente relevante, e partilhar as responsabilidades, definindo o papel de cada um nessa cadeia de enfrentamento ao crime organizado é fundamental. Embora hajam algumas rejeições, que a gente tem percebido aí de um ou outro governador, acredito que o caminho agora é enfrentar o debate, mobilizar a sociedade e a opinião pública e fazer com que isso efetivamente ocorra para garantir para as pessoas, para a sociedade brasileira, uma expectativa maior de segurança para o período mais breve possível.

A gente tem reparado que, ano após ano, o número de homicídios no Brasil continua lá em cima. Claro que uma parcela disso, entre 10% e 15%, é fruto, inclusive, da letalidade policial, e uma parte também está relacionada a crimes do cotidiano, como feminicídio, etc. No entanto, cerca de 80% a 90% desses crimes de homicídio são provenientes de brigas, assassinatos contratados e conflitos entre quadrilhas. Você não acha que a opção feita pelos governos de fortalecer a polícia ostensiva em detrimento da polícia investigativa, resultando na não elucidação da maioria desses crimes, contribui para que essa impunidade amplie a escalada criminosa?

Eu acredito piamente nessa possibilidade, e eu vou além. A maioria das pessoas que morrem no Brasil por mortes violentas, homicídios, são pessoas negras. E a maioria dessas pessoas, como você bem disse aí, não são mortas pela polícia. Uma boa parte delas são mortas pela polícia, sim, mas é importante dizer que também por esses outros meios, que não são os meios da atuação da polícia, quem mais morre são pessoas pretas. O que dá para nós a dimensão do desafio que é enfrentar o racismo. Porque a gente carrega muito na tinta nesse debate em relação à polícia, mas a gente sabe, e a gente tem clareza, de que esse debate é mais amplo do que a polícia. E a gente, lógico, tem que atribuir isso ao racismo. Nós não temos outro caminho de atribuição se não for o racismo. O racismo é tão desafiador que faz com que a gente tenha que enfrentá-lo até nos lugares mais longínquos da nossa sociedade, até nos lugares mais simples da nossa sociedade. E eu acredito que a gente precisa enfrentar esse debate da violência e das mortes decorrentes de violência, das mortes violentas, com um pacto nacional de enfrentamento aos homicídios, de redução. Esse pacto precisa estabelecer metas, métricas, que a gente vai ter que alcançar desafios para serem alcançados ano a ano. E, nisso, lógico que a gente vai ter que garantir uma efetividade no trabalho policial, notadamente no trabalho de inteligência, policial e de investigação, porque boa parte desses crimes são praticados porque as pessoas acreditam na impunidade, mas também vai ter que discutir, através da inteligência policial, por exemplo, o desmantelamento dessas organizações que praticam esses homicídios, além do desafio de se introjetar, introduzir nas corporações policiais formas de atuação que não culminem com a morte das pessoas. Então, temos uma série de condicionantes para fazer essa política funcionar, mas é isso, vivemos em um país que mata muita gente, os números são acima de vários territórios em guerra, e é um desafio que está colocado para a gente, especialmente pelo fato de que quem mais morre é quem está mais vulnerabilizado, no caso, a população negra.

Queria saber de você como está, primeiro, o acompanhamento do evento que ocorreu durante a Operação Verão, que resultou na morte de 77 pessoas. Além disso, gostaria de saber se a ouvidoria tem alguma ação relacionada a isso e se recebeu alguma demanda sobre o arquivamento do assassinato em Paraisópolis, que aconteceu durante a campanha de 2022. Você recebeu alguma demanda em relação ao arquivamento da investigação?

Em relação à questão de Paraisópolis, a gente recebeu, sim, questões, inclusive, da própria esposa, da própria ex-esposa do rapaz que foi morto naquele evento. Esse é um caso bastante delicado, bem nebuloso. Tem pessoas, inclusive, que são da Força de Segurança Pública Federal envolvidas nisso, e nesse caso, ao que me consta, a apuração aqui no Estado de São Paulo deve ter sido arquivada. Um caso muito grave e é um caso que merece a nossa atenção no sentido de que a gente precisa localizar eventuais novidades sobre esse caso, fatos novos, para podermos verificar a possibilidade de desarquivamento e início de uma nova apuração, se não for o caso também de, inclusive, mapear as possibilidades de busca pela estrutura federal, no caso, federalização do caso. Em relação à Operação Escudo e à Operação Verão, a Operação Escudo já tem oito policiais,  se não me engano, indiciados e tornados réus, em razão de provas que a investigação conseguiu apontar para indícios de execução dessas vítimas. Então, policiais foram indiciados, inclusive um capitão que era o coordenador operacional da Operação Escudo, se tornou réu. Quanto a Operação Verão, ainda não tem desdobramentos, os casos todos correm em segredo de justiça, nós ainda não temos desdobramentos mais objetivos como esses da Operação Escudo, mas é importante a gente deixar claro que boa parte desses casos acabaram tendo grande parte da investigação prejudicada porque os casos foram tratados de forma bastante ruim por parte dos gestores da Segurança Pública do Estado de São Paulo. A Operação Escudo, por exemplo, assim como a Operação Verão, houveram vários casos que tiveram dispensa de laudos de local, com o argumento de que a área não era propícia, o local era perigoso, oferecia risco para os policiais, eles dispensaram os laudos de local que poderiam ser determinantes para trazer efetivamente a dinâmica dos fatos. Então imagina você, numa favela com uma viela que tem no máximo 80 centímetros, os policiais chegam, argumentam que houve uma troca de tiros, eles foram recebidos a tiros pelas pessoas e aí eles tiveram que revidar e as pessoas morreram. Numa viela com 80 centímetros de largura, não vai ser difícil você mapear se houve ou não um tiroteio, mas para isso você precisa de um laudo de local. Por quê? Porque se houve um tiroteio numa viela com 80 centímetros de largura, o barraco vai ser alvejado, o poste vai ser alvejado, vai sobrar ali tiros em lugares que podem determinar se houve ou não um tiroteio. Agora, quando você dispensa o laudo de local, como que você apura isso? Como que você determina se isso aconteceu ou não? Então, isso foi muito grave. Na Operação Escudo, por exemplo, nós tivemos acesso a todos os boletins de ocorrência. Na Operação Verão, houve uma ordem superior da Secretaria de Segurança Pública tirando da ouvidoria o acesso aos boletins de ocorrência. Nós tivemos acesso a alguns boletins de ocorrência que as famílias nos trouxeram quando nos procuraram. Com o argumento do segredo de justiça, eles proibiram o acesso a boletins de ocorrência. Só que boletins de ocorrência não nascem em segredo de justiça. Então isso é muito grave. Mais grave é o fato de alguns órgãos de imprensa terem tido acesso aos boletins de ocorrência e a ouvidoria não ter tido sob esse argumento pífio de que os casos estão em segredo de justiça. Mas nós estamos atuando firmemente, fortemente, no sentido de que haja justiça. Então vamos acompanhar todos os casos até os seus desdobramentos finais e o que a gente quer é que efetivamente tenha justiça. Nós não queremos prejudicar esse ou aquele policial, nós não queremos prejudicar ninguém. A única coisa que a gente quer é que tenha justiça e que o Estado Democrático de Direito funcione efetivamente no Estado de São Paulo.

Você tem abordado em entrevistas os índices de suicídio dentro da polícia. Há algo que você já conseguiu realizar nesse sentido? Esse seria um dos seus focos para uma eventual nova gestão, como está tratando essa questão?

O tema do adoecimento mental é um tema muito atual nas corporações policiais de todo o Brasil. É um tema que a gente trata com muita seriedade e ele é um dos temas que nos levam a crer que policiais são induzidos ao erro no curso das suas carreiras. Ele é um dos temas que podem justificar a atribuição de responsabilização extensiva aos comandos em relação às atitudes que esses policiais tomam no decorrer da sua carreira atuando no policiamento preventivo nas ruas. E estou dizendo isso por quê? Porque esse é um tema que nos mobiliza muito. A gente sabe que as estruturas policiais, especialmente as estruturas policiais militares, são extremamente hierarquizadas, e essa hierarquização traz uma série de consequências. Desde consequências relacionadas a humilhações e assédios morais vividos por esses policiais, passando por questões relacionadas até a assédios sexuais e chegando até, inclusive, a casos de tortura. Então, tortura, perseguições, são várias as injustiças que tomamos conhecimento que existem dentro das corporações. Falamos muito da polícia militar, mas é bom dizer que a polícia civil e a polícia científica não estão livres dessas situações também. A gente fala muito da polícia militar porque, quando se fala de polícia, a gente lembra primeiro da polícia militar, por razões lógicas. A polícia militar é a maior corporação policial em todos os estados. Então, a gente tem muito na nossa subjetividade a polícia militar como a polícia, mas a polícia civil e a científica também merecem a nossa atenção. A Ouvidoria da Polícia já desenvolveu um projeto de problematização e discussão, uma espécie de mapa, de diagnóstico da situação de saúde mental das nossas corporações policiais.

Existe um recorte de raça nesse levantamento? 

Não tenho informação sobre esse recorte de raça, eu precisaria me aprofundar nisso. Em relação à polícia civil, é importante dizer que essa situação é uma situação que é mais grave do que na polícia militar, inclusive. A polícia civil tem uma corporação muito menor, numericamente muito inferior à polícia militar, mas, do ponto de vista percentual, proporcional, ela tem mais pessoas adoecidas mentalmente do que a própria polícia militar. Especialmente pelo fato da polícia militar ter alguma estrutura de atenção à questão da saúde mental. A polícia militar tem o Hospital da Polícia Militar, tem o convênio que os policiais militares podem aderir também, e tem também psiquiatras e psicólogos na estrutura da corporação. Além disso, os comandos de policiamento interior, eles têm as UIs, as Unidades Integradas de Saúde, e dentro dessas UIs tem os CAPs e os NAPs, que são os Núcleos de Atendimento Psicossocial e o Centro de Atendimento Psicossocial. Então, a polícia militar tem alguma coisa estruturada em relação a isso. A polícia civil, não. A polícia civil já não tem nenhum hospital de atendimento, nenhum profissional especialista na área para poder dar conta dessa demanda, e isso acaba fazendo com que a polícia civil tenha um problema ainda maior do ponto de vista da proporcionalidade em relação à questão de saúde mental. A questão da saúde mental hoje é uma questão muito grave. No ano passado, morreram 42 policiais no estado de São Paulo, policiais militares no estado de São Paulo, de suicídio. Desses 42, 31 eram policiais da ativa, e, em serviço, morreram apenas nove policiais. Estou dizendo isso para ter noção do tamanho do desafio que é o desafio de enfrentar essa questão do adoecimento mental nas corporações policiais. E a gente avalia que boa parte dos erros cometidos  por esses policiais se dão em razão da falta de uma política efetiva de enfrentamento ao problema do adoecimento mental na tropa. Então, isso também é uma questão que está na nossa pauta, está na ordem do dia, para a gente discutir com as forças de segurança pública. Porque não se pode cobrar de um policial com adoecimento, com alguma questão mental, que ele tenha a plena condição de fazer o atendimento ao público e fazer o serviço de policiamento que ele precisa fazer. Então, entendemos que esse tema é muito grave, é um tema que tem que estar na ordem do dia de todas as secretarias de segurança pública do Brasil, e deveria estar na ordem do dia do governo federal. O governo federal deveria pensar uma política estrutural no país no sentido de conseguirmos dar respostas a essa questão do adoecimento mental, que é algo muito grave.