Shopping Center: a utopia do neoliberalismo, por Emir Sader
Encontrar as marcas que diariamente a propaganda incute na cabeça de cada um dá uma falsa sensação de reencontro consigo mesmo
Há um espaço que caracteriza, de maneira concentrada, a era neoliberal, aquela em que tudo se transforma em mercadoria, tudo tem preço, tudo se compra, tudo se vende: o shopping center. O shopping center é o que a antropologia chama de “não lugar”. Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico, definirá um não lugar. A supermodernidade, segundo Marc Augé, é produtora de não lugares.
Ao se falar de não lugar, se está fazendo referência a uma espécie de qualidade negativa do lugar, de uma ausência do lugar em si mesmo. Ir a um não lugar é definir uma forma de ser no mundo, de se relacionar com o que se consome e consigo mesmo. Se deixa de ser chofer, cozinheiro, operário, para ser consumidor, que só reencontra sua identidade no caixa. “O espaço do não lugar não cria nem identidade singular, nem relação, mas sim solidão e similitude”, segundo Augé.
Cria-se um verdadeiro sistema em que uma parte remete e reitera a outra, fechando-se sobre si mesmas. Decorre disso uma espécie de sistema de um mundo de consumo que todo indivíduo pode assumir como seu, porque é permanentemente interpelado por ele. Assim como uma forte tentação narcisista, pela convocação a “fazer como os outros para ser você mesmo”, o máximo das despersonalização camuflada de encontro consigo mesmo.
O mundo da publicidade globalizada produz uma falsa identidade de cada um. “O outdoor de uma marca de gasolina constitui para ele um sinal tranquilizador, e ele encontra, com alívio, nas gôndolas dos supermercados, os produtos de limpeza, domésticos ou alimentícios, consagrados pelas firmas multinacionais” , segundo Augé. Reencontrar as marcas que diariamente a propaganda incute na cabeça de cada um dá uma falsa sensação de reencontro consigo mesmo. Topar com agências do Itaú em Buenos Aires ou em outra cidade latino-americana reforça a sensação de que o consumidor não está desamparado, que sempre pode apelar para o gerente do banco em que ele tem conta.
Nesse sentido, o não lugar é o contrário da utopia, é um território desenraizado, desterritorializado. E uma parte cada vez maior da humanidade vive, cada vez mais, nessa situação de desterritorialidade. “(…) a experiência do não lugar (…) é hoje um componente essencial de toda existência social.” E conclui Augé: “E’ no anonimato do não lugar que se experimenta solitariamente a comunhão dos destinos humanos.”
Paradoxalmente, os shopping centers promovem um processo de liquidação dos centros urbanos tradicionais das cidades, aqueles territórios com que as pessoas costumavam se identificar, assumir sua identidade de ser urbano. Não por acaso, a cidade modelo da pós-modernidade e dos shoppings é Los Angeles, uma cidade, por definição, sem centro. As pessoas vão perdendo, cada vez mais, seus bairros e circulam, cada vez mais, pela cidade – salvo as que estão obrigadas diariamente, a percursos enormes para trabalhar longe de onde vivem.