“Não conseguiram detectar nenhum incêndio causado por raios. Isso significa que tem gente colocando fogo na Amazônia, no Pantanal e sobretudo no estado de São Paulo”, disse Lula.  Segundo o secretário nacional da Defesa Civil, no caso alarmante de São Paulo, ação humana causou “99,9%” dos incêndios. Outros estados, como Minas Gerais e Paraná também enfrentam situações de calamidade 

Incêndios: Governo prepara ações de resposta e pede investigação rígida
“Não conseguiram detectar nenhum incêndio causado por raios. Isso significa que tem gente colocando fogo na Amazônia, no Pantanal e sobretudo no estado de São Paulo”, disse Lula.  Segundo o secretário nacional da Defesa Civil, no caso alarmante de São Paulo, ação humana causou “99,9%” dos incêndios. Outros estados, como Minas Gerais e Paraná também enfrentam situações de calamidade
Marcelo Camargo Agência Brasil

Desde o último domingo (25), mais um evento climático tem causado terror a brasileiros: uma onda de incêndios com indícios de origens criminosas assustou o país e tomou conta do céu de parte do Brasil. As imagens chocam – e com razão: os incêndios podem agravar os efeitos da crise climática e ameaçar biomas brasileiros de diferentes regiões. 

O estado de São Paulo acumula números que assustam: nos últimos dias, mais de 3 mil focos de incêndio – um recorde. Sob suspeita de ação intencional, o número é dez vezes maior que o mesmo período no ano anterior e está no centro das investigações – 5 pessoas já foram presas pela Polícia Federal com suspeita de envolvimento. 

O fogo, no entanto, atinge diversas regiões do país, e preocupa autoridades federais. Governo alerta para “novo dia do Fogo”, com fala da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. O Planalto emitiu nota também informando que o Governo Federal já apura os eventos e “pede investigações sobre incêndios e garante apoio aos estados no combate ao fogo”.

O presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra Marina Silva participaram de reunião no Prevfogo/Ibama no último dia 25, em emergência. A PF anunciou que já abriu 31 inquéritos para investigar possíveis ações criminosas. 

“Não conseguiram detectar nenhum incêndio causado por raios. Isso significa que tem gente colocando fogo na Amazônia, no Pantanal e sobretudo no estado de São Paulo”, disse Lula durante apresentação na sala de monitoramento do Prevfogo. 

O estado de São Paulo registrou 2.191 focos de calor em 48 horas, que correspondem a cerca de 42% dos focos no estado em 2024. Ao todo, 46 municípios paulistas estão em alerta máximo para incêndios.

“Em São Paulo não é natural em hipótese alguma que em poucos dias tenha tantas frentes de incêndio envolvendo simultaneamente vários municípios”, declarou Marina em entrevista coletiva após a reunião.

A ministra destacou que os esforços federais estão mobilizados para combater os incêndios e punir ações criminosas relacionadas ao uso do fogo:

“É preciso parar de atear fogo. Mesmo colocando tudo que está à disposição dos governos estaduais e municipais, dos esforços privados e do governo federal, se não parar de colocar fogo em um período de temperatura alta, baixa umidade relativa do ar e ventos que vão até 70 km/h, não há como conter o fogo. Ações criminosas serão punidas com todo o rigor que a lei oferece”, afirmou Marina.  

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que 15 delegacias no interior paulista e a superintendência regional da PF no estado foram mobilizadas para as investigações. Destacou também que já foram abertos outros 29 inquéritos relacionados aos incêndios na Amazônia e no Pantanal:

“É um movimento atípico, mas as conclusões só virão com a conclusão dos inquéritos”, disse Rodrigues. 

Com a retomada da governança ambiental desde 2023, Ibama e ICMBio atuam com mais de 3 mil brigadistas no país, incluindo 1.468 na Amazônia, onde a mudança do clima intensifica a pior seca em pelo menos 40 anos. 

Na quarta-feira (21/8), após reunião com governadores da região amazônica, o governo federal anunciou a criação de três bases interfederativas para aumentar a cooperação entre União e estados no combate aos incêndios no bioma. Os representantes federais e estaduais concordaram também em intensificar ações de fiscalização em regiões críticas nos eixos da BR-319, da BR-230 e da BR-163.

“Se não tivéssemos reduzido o desmatamento em 45,7% de agosto de 2023 a julho deste ano, estaria uma situação incomparavelmente mais difícil”, disse Marina referindo-se a dados da área sob alertas de desmatamento medidos pelo sistema Deter, do Inpe. 

As condições climáticas também anteciparam em dois meses a temporada de incêndios no Pantanal. Segundo boletim semanal da sala de situação criada em junho para coordenar as ações federais de prevenção e combate aos incêndios, há 959 profissionais do governo federal em campo na região, apoiados por 18 aeronaves.

Em São Paulo, o governo federal apoia o combate e o monitoramento de áreas atingidas com seis aeronaves, entre elas um avião KC-390 com sistema para lançamento de água. Cerca de 400 militares atuam na região. 

Prevenção e combate

Lula indicou que participará da reunião desta semana da sala de situação, coordenada pela Casa Civil. Os governadores dos estados atingidos pelo fogo também serão convidados, disse o presidente.  

Outras ações do governo federal para a prevenção e combate aos incêndios na Amazônia incluem a sanção em julho da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que será implementada em cooperação entre União, estados, municípios, sociedade civil e entidades privadas. 

A política proíbe o uso do fogo para desmatamento ou supressão da vegetação nativa, exceto quando há queima controlada dos resíduos de vegetação. Para práticas agropecuárias, o uso será permitido apenas em situações específicas, e os proprietários poderão ser responsabilizados em caso de incêndio. 

O governo federal também aprovou R$ 293 milhões em recursos do Fundo Amazônia para Corpos de Bombeiros dos estados amazônicos. Já o Programa União com Municípios, destinará R$ 780 milhões para ações de combate ao desmatamento e incêndios florestais em 70 municípios prioritários na Amazônia.

PF abre 31 inquéritos

A Polícia Federal abriu 31 inquéritos para investigar suspeitas de incêndios criminosos no país.

Ao todo, 29 inquéritos são sobre ocorrências na Amazônia e no Pantanal. Outras duas investigações envolvem São Paulo, que tem 48 municípios em alerta máximo de queimadas.

Duas pessoas foram presas neste fim de semana por atear fogo em áreas de mata de Batatais e São José do Rio Preto. O estado concentrou, entre sexta e sábado, mais de 30% dos focos de calor do Brasil, com quase 2.200 registros.

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmou que 15 delegacias no interior paulista e a superintendência regional da PF no estado participam das investigações.

Segundo o governo, mais de 3 mil brigadistas atuam no combate ao fogo no país, cerca de 1.500 na Amazônia, que enfrenta a pior seca em 40 anos.

Estranheza

Durante a coletiva de imprensa, o diretor de Controle do Desmatamento e Queimadas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Raoni Rajão, classificou os incêndios registrados ao longo do fim de semana no estado de São Paulo como “situação anômala”. “No momento, não temos todas as informações. As investigações estão avançando”.

“O que causa estranheza é o aumento repentino [de focos] em áreas relativamente distantes umas das outras”, disse, ao citar que alguns municípios atingidos chegam a estar a dezenas ou mesmo centenas de quilômetros distantes uns dos outros. Ainda segundo Raoni, as áreas atingidas pelo fogo concentram lavouras de cana. “Não faria sentido que, naquelas áreas, [os focos de incêndio] fossem utilizados para o manejo da cana”.

“São todos elementos que estamos investigando. As dinâmicas são muito diferentes de local para local”, destacou. “A produção agrícola perde com o fogo, ela não ganha com o fogo”, disse, ao lembrar que também não houve registros de raios e relâmpagos no momento em que os focos começaram, nem mesmo de acidentes com torres de alta tensão que pudessem dar início ao fogo.

Defesa civil confirma suspeitas

O secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Wolnei Wolff, disse nesta segunda-feira (26) que 99,9% dos incêndios registrados no estado de São Paulo ao longo do fim de semana foram causados por “ação humana”. Segundo ele, pelo menos 31 inquéritos já foram abertos junto à Polícia Federal (PF) para investigar possíveis incêndios criminosos na região.

Em coletiva de imprensa, o secretário destacou que a corporação vai utilizar imagens de satélite que possam auxiliar na identificação de como se deu o início dos focos. “Quando a Polícia Federal acha que há alguma coisa de provocação humana, esse inquérito é aberto e o processo corre”, explicou. “Quem vai decidir [o resultado de cada inquérito] é a investigação”, disse.

Wolnei classificou como motivo de “surpresa” o fato de praticamente 50 municípios paulistas registrarem focos de incêndio de forma concomitante. O secretário citou ainda outros dois fatores que acabaram por contribuir para o cenário registrado no fim de semana: a ausência de chuvas no estado até o sábado (24) e ventos que chegaram a 70 quilômetros por hora.

Diretor-geral da PF vê punição branda 

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, disse ao G1 na manhã desta terça-feira (27), no contexto das investigações dos incêndios que têm atingido o interior de São Paulo nos últimos dias.  Andrei enfatizou a necessidade de revisar a legislação para garantir que pessoas responsáveis por incêndios criminosos permaneçam presas e não voltem a cometer os mesmos crimes.

“Essa questão da legislação branda, eu diria, é uma realidade, talvez, global, de nós ainda não termos nas legislações de diversos países a penalidade que seja correspondente à gravidade do dano que é causado. Vejam que aquilo que poderia parecer ‘apenas’ um fogo em um canavial se tornou um grave problema nacional, afetando aeroportos, rodovias, a saúde das pessoas, o setor produtivo e a economia do país”, afirmou ao G1.

Referindo-se ao crime de incêndio, cuja pena máxima é de 4 anos, o diretor-geral da PF sugeriu que o tema seja revisado no Congresso Nacional. “Precisa ser revisitado, rediscutido e, então, definidas punições, ferramentas e mecanismos para as polícias judiciárias poderem atuar com mais firmeza e mais rigor”, disse ele. O diretor-geral da PF também mencionou que as atuais punições para crimes ambientais dificultam o combate a esse tipo de delito.