Polêmico, divertido e comprometido: assim é José Pereira de Abreu Júnior, ou como os brasileiros o conhecem pelas novelas: Zé de Abreu. O ator tem trajetória de luta política desde os tempos no teatro TUCA, em São Paulo, e é um dos principais defensores do PT e ideais petistas no chamado “mainstream”: a imprensa dominante. Ator da Globo há quase cinco décadas, garante que a emissora nunca interferiu em sua militância. Em entrevista à Focus, fala sobre relação com Cuba, a carreira de ator e a recente empreitada: foi convocado para colaborar com o plano de governo petista em Maricá (RJ), onde o deputado Washington Quaquá concorrerá à prefeitura

Fernanda Otero e Guto Alves 

"Espero que o próximo país em que o Sebrae vá aplicar a tecnologia seja Cuba"

Polêmico, divertido e comprometido: assim é José Pereira de Abreu Júnior, ou como os brasileiros o conhecem pelas novelas: Zé de Abreu. O ator tem trajetória de luta política desde os tempos no teatro TUCA, em São Paulo, e é um dos principais defensores do PT e ideais petistas no chamado "mainstream": a imprensa dominante.
Divulgação – TV Globo

Descendente de italianos, Zé de Abreu nasceu em Santa Rita do Passa Quatro, São Paulo. Aos 14 anos, mudou-se para a capital paulista, onde começou a trabalhar como assistente de laboratório e office-boy. Ingressou no Teatro da Universidade Católica (TUCA) em 1967, debutando na peça “Morte e Vida Severina”, e simultaneamente estudou Direito na PUC-SP. No entanto, sua carreira artística foi interrompida por sua militância política, resultando em prisão e exílio na Europa em 1968.

No retorno ao Brasil em 1974, Abreu estabeleceu-se no Rio Grande do Sul com sua esposa, Nara Keiserman, onde ambos deram aulas e ele produziu espetáculos musicais, o que o faz apresentar-se como “gaúcho honorário”.  A carreira televisiva de Abreu decolou após seu envolvimento no filme “A Intrusa”, levando-o a participar de diversas telenovelas da Rede Globo, incluindo papéis memoráveis em “Senhora do Destino”, “Avenida Brasil” e “A Regra do Jogo”. Em 2020, após 40 anos, Abreu não renovou seu contrato exclusivo com a emissora pois com a retirada de direitos promovida pelo governo golpista de Michel Temer, a empresa “estava pedindo para todo mundo virar PJ”.

Conhecido também por suas posições políticas, Abreu é um vocal apoiador do Partido dos Trabalhadores e frequentemente usa suas redes sociais para criticar a direita. Além de sua carreira de atuação, ele é conhecido por causar polêmicas e em meio a controvérsias e ativismo, Abreu mantém sua presença destacada no cenário artístico e político brasileiro.

Nesta entrevista, um panorama da sua carreira, militância política e projetos atuais.

Zé, você começou dizendo que estava trabalhando em um projeto para inscrição e captação de recursos na Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura). O que vem por aí? Como lidar com essa Lei diante de tanta mentira sobre ela?

Bom, a Rouanet… Eu vou remontar Os Saltimbancos (peça de Chico Buarque), que montamos em Porto Alegre em 1977. Eu e um dos melhores diretores de teatro de Porto Alegre, o Dilmar Messias. A última Lei Rouanet que participei foi em 2000 (como contratado, não proponente). Eu pedi uma carta para o MinC, que eles me deram, e ela diz que eu não tenho nenhuma inadimplência, que o último trabalho que fiz foi em 2000, que foi tudo aprovado. O Dilmar foi diretor do Teatro São Pedro, que é um teatro maravilhoso em Porto Alegre, que foi durante anos dirigido pela Eva Sopher, a maravilhosa Eva. O teatro é lindo. E depois que ela morreu, o teatro passou para o Dilmar, pois ele desde antes estava trabalhando com ela. Vamos participar desse coletivo que está gerando empregos para Porto Alegre. Só eu, que sou um gaúcho honorário, e o Sérgio Guizé não somos gaúchos. Os outros atores são gaúchos, a equipe é gaúcha, o diretor é gaúcho, todo mundo é gaúcho. Diretor musical, diretor de arte, cenógrafo, figurinista, coreógrafo, só vai ter eu e o Guizé que não somos gaúchos. A ideia é pegar todo mundo de lá. E a gente resolveu remontar uma peça que já tínhamos feito. Eu fazia o Jumento (de Os Saltimbancos) e ele era o diretor, e a gente co-produziu. E a gente resolveu co-produzir agora, fazer uma montagem mais moderna. Obviamente que de 1977 para cá, evoluiu-se muito em iluminação, em efeitos teatrais e tal. Uma novidade maravilhosa que descobri é que a Orquestra Petrobrás Sinfônica gravou a trilha da peça. Porque o disco Saltimbancos e todas as montagens, pelo menos as que não usam música própria, como algumas nordestinas que já fizeram com música própria, a maioria usa a Orquestra Sinfônica de Roma, que foi a que o Chico gravou. Aquelas quatro vozes da Miúcha, da Nara Leão, do Magro e do Ruy, do MPB4, que gravaram o disco Saltimbancos. A peça é linda, o texto é maravilhoso. Sérgio Bardotti, autor de todas as músicas do Sérgio Endrigo, das letras. A melodia é de um argentino-italiano, Luis Enríquez Bacalov, que já morreu, era um excelente compositor. E eles gravaram com a Sinfônica de Roma. Aí o Chico Buarque traduz, inspiradíssimo, aquela maravilha do Sérgio Bardotti para o português. Hoje, eu estava escrevendo, qual é a moral da peça? Todos juntos somos fortes. Não há nada para temer. É para cima. A versão da Orquestra Sinfônica da Petrobras é mais leve do que a de Roma, que foi gravada em 1972. E a Sinfônica da Petrobras é maravilhosa. O regente chefe é o Isaac Karabtchevsky, o Felipe Prazeres é que rege essa versão. É linda, tem no YouTube, eu aconselho. Eles fazem com os cantores fazendo as vozes, fica bonitinho porque os cantores usam os bonequinhos como se fossem o Jumento, o Cachorro, a Gata e a Galinha. É superinteressante. Mas nós vamos fazer a valer, nós vamos fazer teatrão mesmo. Nós vamos fazer os quatro personagens e mais seis no elenco. Eu vou fazer o Jumento. Outra vez. Eu faço parte de várias associações de proteção ao jumento. A gente vai ajudar, vai fazer uma liga disso.

E a ideia do espetáculo , “A Baleia”, que foi sucesso nos cinemas, como está este projeto?

A Baleia vem em seguida,  assim que eu estrear Os Saltimbancos… A Baleia ficou para o ano que vem. Faremos Os Saltimbancos só sexta, sábado e domingo, porque é uma peça infantil. A gente não vai concorrer no horário noturno. Se bem que, em Porto Alegre, fizemos umas apresentações noturnas e enchia, os pais gostam muito de Os Saltimbancos. Eu tenho conversado com pessoas de 50 anos, por aí, e todo mundo sabe as letras de cor. Tem um movimento nacional de contratar o pessoal de teatro gaúcho para trabalhar, mesmo que seja fora de lá. Até voltar ao normal é difícil. É como na pandemia, a gente é quem sofre primeiro. A primeira coisa que fechou foi o teatro. Inclusive, um que eu estreei e inaugurei, o Teatro Renascença, foi alagado.  Lá no Centro Municipal de Cultura, ele foi alagado. A outra coisa que estou ocupado nesse momento é que eu fui provocado pelo PT e pelo Quaquá para ajudar a fazer o plano de governo de Maricá, caso ele seja eleito. Ele é pré-candidato a prefeito de Maricá. E eu estou fazendo um plano, um pré-plano cultural por uma possível volta de governo dele. E, como o Quaquá, eu e o Frei Betto, que a gente está muito próximo, a gente é muito ligado à Cuba, a gente vai tentar juntar a fome com a vontade de comer. Fazer alguns projetos juntos com entidades de Cuba de excelência. 

A Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba  está no projeto? 

Não posso adiantar nada por causa da campanha eleitoral. Eu estava falando sobre uma coisa que eu estou tentando e vamos conseguir, com certeza, é levar o Sebrae para Cuba. Porque o Sebrae é uma das coisas brasileiras de excelência. Para ajudar esses novos comerciantes, a economia de Cuba está abrindo.  Antigamente, os paladares, os restaurantes, só podiam ter a porta virada para dentro; não podia ter a porta virada para a rua. Então, estavam em prédios ou usavam alguns artifícios, faziam o restaurante no fundo da casa. A porta do restaurante não podia dar para a rua, agora pode. Agora, eles podem montar um restaurante normal e está pipocando muitos restaurantes, o turismo está bombando, e outras coisas também, outros comércios e tal. E seria bom o Sebrae dar uma força lá, porque esse pessoal mais jovem, que está começando a fazer comércio, foi criado no socialismo. Eles não têm a malandragem… a malícia do comerciante de um mundo capitalista. Eu conversei com alguns deles, e eles não têm muita ideia do custo de todos os funcionários. Eles são obrigados a comprar na Espanha ou nos Estados Unidos, pagar antecipado, e precisam fazer essa análise de custo do transporte, dos garçons, cozinheiros. Para isso tudo, o Sebrae é maravilhoso para ensinar. Até ensinar a comprar, a fazer concorrência, a juntar vários restaurantes e comprar junto, conseguindo preços mais baratos. Essas coisas o Sebrae é muito bom em fazer. E o Sebrae também tem um lado agrícola, de ensinar a administrar pequenos pedaços de terra, porque o Sebrae se foca em pequenas micro empresas, médias e micros. É uma coisa que acho que vai ajudar bastante quando o Sebrae for para lá. O Lula já autorizou; o Sebrae já entrou em cinco países da África, e o Itamaraty está fazendo um estudo. Espero que o próximo país em que o Sebrae vá aplicar a tecnologia seja Cuba. E a pequena fazenda lá da escola, da EICTV, fica numa fazenda em Santo Antônio de Los Banos. A fazenda produzia uma parte da comida, tinha uma horta e tal. E foi um pouco deteriorada pela falta de dinheiro para pagar empregados para ajudar a cuidar. Eles me pediram uma força do Sebrae. Eu me lembrei que o MST tem um casal que mora em Havana e que faz essa ligação entre algumas entidades de Cuba e o MST, levando sementes para lá, importando sementes e alguns produtos agrícolas. Então, procurei esse casal. Eles, por acaso, estão aqui no Rio, assim que cheguei. Falei com o João Paulo, diretor do MST, ele autorizou e achou a ideia boa. Falei com esse casal, e acabei de receber o croqui da fazenda, e já está com eles. Eles vão visitar a fazenda. No ano passado, quando conheci o presidente de Cuba, foi na casa de um ex-MST que agora é o representante da FAO em Cuba há alguns anos, o Marcelo Rezende. O Marcelo doou para a fazenda US$94 mil em equipamentos da FAO e da União Europeia, incluindo equipamentos agrícolas de irrigação e três estufas enormes. A gente recebeu ontem a lista. O pessoal do MST ficou muito feliz quando viu. Eles disseram: “Tem o material aqui de irrigação de US$5 mil, US$4 mil, mas têm três estufas de US$22 mil”, eles ficaram muito felizes, porque a estufa é uma coisa que ajuda muito na produção. Isso já chegou, acho que dois terços já estão lá na fazenda. Assim que voltarem para Cuba, vão lá visitar e vão tocar a fazenda. Vamos conseguir alguns instrumentos agrícolas para mandar para lá: carrinho de mão, enxada, pá, essas coisas. Eles vão lá ver o que tem, o que precisa, que deve ser pouco. De repente, o próprio MST manda…

Como é sua relação com Cuba? Em que aspecto, como se deu essa relação?

Se deu através do Frei Betto. Comecei minha carreira no Tuca, com Morte e Vida Severina e O & A. O Frei Betto dava aula de Realidade Brasileira no Convento dos Dominicanos, que ficava a duas quadras da PUC de São Paulo. A gente ensaiava no Auditório Tibiriçá, que agora se chama Tuca. Naquele tempo, Tuca era o nosso grupo, era o Teatro dos Universitários da Católica. Eles nem gostavam muito da gente, não. Ali chamava-se Auditório Tibiriçá. Deve ter uma placa até hoje lá. Mas, quando não podíamos ensaiar lá no Tuca, ensaiávamos nos Dominicanos. Tínhamos uma ligação muito grande com eles. E o Frei Betto era funcionário do Tuca; ele dava aula de Realidade Brasileira. Isso em 1967. Um dia, liguei para o José Dirceu e perguntei se ele tinha o telefone do Betto, ele disse que tinha. Eu liguei e o Betto falou que estava em Cuba, eu disse que estava indo para lá no dia seguinte, e que a gente ia se encontrar.  É muito engraçado, porque ele é o quarto revolucionário. Frei Betto é muito conhecido em Cuba, porque foi ele que fez a cabeça do Fidel Castro, ele mudou o estatuto do Partido Comunista Cubano e depois a Constituição, porque a manifestação religiosa era proibida no primeiro momento. Fidel estava muito bravo com os bispos, que foram todos contra a Revolução, e proibiu a religião. E o Betto começou a ver que era um erro crasso, porque lá, além de ter muitos católicos, há muita santeria, que eles chamam, as religiões de raízes africanas. E o Frei Betto, um dia, encontrando o Fidel numa cerimônia, ele sussurrou algumas palavras no ouvido do Fidel. Tem tudo contado no livro Fidel e a Religião e em outro livro do Frei Betto, Paraíso Perdido, que é genial, que conta tudo, como ele fez a cabeça do Fidel. Ele soube que o Fidel tinha estudado num colégio jesuíta e disse assim: se estudou no jesuíta, sabe bem a vida de Cristo. Na hora em que foi cumprimentar o Fidel, soltou uma minhoca no ouvido dele. Quando acabou a cerimônia, o Fidel perguntou, não me lembro para quem, “quem é aquele menino que me provocou com uma pergunta filosófica, que está me rebatendo na cabeça até agora. Aí falaram: é um frei dominicano, um cara bacana. Ele disse “quero falar com ele, bota ele no hotel”. O Betto ficou duas ou três semanas trancado no quarto, até que um dia chegou alguém, bateu na porta e falou “desce, o Fidel vai te receber”. Ele foi e eles começaram a ter conversas. Não sei quantas foram, mas foram muitas. E eles ficaram muito amigos, Frei Betto  fez a cabeça do Fidel de uma maneira muito clara de que Jesus Cristo foi o primeiro socialista. Aí o Frei Betto e eu ficamos no mesmo hotel e começamos a sair. Eu sou muito famoso lá, porque minha novela passa há mais de 50 anos. O Frei Betto é famoso pra caramba, mas quando a gente sai na rua, fica tirando fotografias o tempo inteiro. É um costume entre nós, para saber quem tira mais fotos.

Você contou que foi do teatro Tuca, na década de 1960. Isso foi antes ou depois de Ibiúna? 

Fui preso em Ibiúna depois que eu tinha brigado no Tuca e tinha saído. Eu já estava fazendo teatro profissional. O que aconteceu naquela época é que o movimento estudantil era muito radicalizado, entre a AP, a Action Populaire francesa, baseada e inspirada em Jacques Maritain, e o Théâtre de Sardine, essas coisas, cujos fundadores foram o José Serra, o Roberto Freire, o tanque de guerra do Fernando Henrique Cardoso, o Serjão Motta, esse pessoal todo que fez a AP, que dominou o movimento estudantil durante anos, anos. O Luiz Guedes era da AP; o José Serra foi presidente da UNE. Aliás, foi o único que fugiu durante a ditadura; todos os outros ficaram na clandestinidade. Depois, veio o Luiz Guedes, que também era da AP. O Guedes aguentou a ditadura quatro anos na boa como presidente da UNE. Quatro anos, não, acho que foi um ano só. Depois do Luiz Guedes, veio o Luiz Travassos, que também aguentou. Era da PUC, assim como o Dirceu. Então, o Tuca era de AP. O que aconteceu foi que, no Tuca, na segunda montagem, na primeira montagem, Morte e Vida Severina, a AP não era tão presente. Tinha pessoal da Arte pela Arte, tinha alguns da AP. Em O&A, tinha gente da Arte pela Arte, tinha gente da AP, mas também tinha pessoas da dissidência do Partidão, da dissidência paulista, em que o Zé Dirceu era um dos líderes. E eu ficava nas duas canoas, na AP e na Dissidência. Teve um momento em que acabou o dinheiro do Tuca. E o Tuca, quando foi para Paris, convidado pelo governo francês, ganhou o prêmio de melhor espetáculo estudantil do mundo em Nancy. Em Paris, o Tuca lotou o teatro durante um mês. Depois, foi para Lisboa e lotou o teatro durante um mês. Eles chegaram aqui com malas e malas de dinheiro. E nós fomos montar uma peça que foi caríssima, a O&A. Tinha cinco projetores de slide com retroprojeção,  direção musical de Júlio Medaglia, gravamos com Damiano Cozzella, gastamos uma fortuna. Eu era o diretor de produção, mas não tinha acesso ao dinheiro. Eu comprava as coisas e o presidente tinha que pagar. E o presidente era líder da AP, Henrique Schuster. Ele era um excelente produtor, um judeu cantor de sinagoga, e tinha uma voz linda. Ele fazia uma boa média com o reitor da universidade. A peça era muito política, e o reitor queria proibi-la. O Monsenhor Benedito de Ulhoa Vieira, que era o capelão e muito ligado ao pessoal… Porque a AP foi mais ou menos uma união de JOC, JEC e JUC, que era a Juventude Operária Católica, a Juventude Estudantil Católica e a Juventude Universitária Católica. Então, o monsenhor Benedito tinha uma certa afinidade com o Tuca e com a AP. Ao mesmo tempo, o Henrique era um judeu clássico, cantor de sinagoga, com uma espiritualidade muito intensa. Isso tudo formou uma simbiose que fez com que o reitor acabasse liberando a peça. E a censura federal também. Mas chegou um momento em O&A em que acabou o dinheiro, e a gente queria saber onde o dinheiro tinha sido gasto, porque se gastou muito mais do que… Eu sabia o que tinha sido gasto. E o Henrique falou assim “vocês querem o quê? Entidade clandestina não dá recibo”, dizendo que o dinheiro tinha sido para a AP, que fez o Tuca para isso, para fazer proselitismo e tentar ganhar dinheiro para poder fazer a luta armada contra a ditadura. Quando ele disse “entidade clandestina não dá recibo”, um pessoal da dissidência falou “espera aí, a gente trabalha igual ao pessoal da AP, a nossa ‘O’ – que a gente chamava de O, a organização – a nossa ‘O’ também não teria direito?” E aí surgiu um racha no Tuca. Esse racha acabou com a peça. Depois de um certo tempo, a peça também começou a… Não foi um sucesso como Morte e Vida. E a peça também começou a degringolar e o Tuca foi acabando. Depois, um outro tucano, como a gente chamava, de Morte e Vida, que era um diretor de teatro, assumiu com os alunos de um colégio moderno lá e continuou com o nome Tuca, mas não era aquele Tuca antigo de Morte e Vida e O&A. Fui ao Congresso da UNE, fora do Tuca, fazer Electra de Sófocles, uma montagem no Teatro Sesc. E foi aí que eu estava na organização do congresso da UNE. O Sesc ficava na rua de trás da Maria Antônia, onde estava a Faculdade de Economia. A Maria Antônia, a Faculdade de Filosofia e Ciências Letras, tinha duas entradas, e ali, do lado do Sesc Anchieta, ainda tinha a Economia. Então, era um triângulo que, quando teve a guerra da Maria Antônia, aquele espaço ficou todo ocupado. Portanto, a peça saiu de cartaz porque ninguém conseguia chegar no Teatro Anchieta.

Você acha que sua atuação política inviabilizou em alguma medida a carreira de ator?

Não, a Globo nunca se meteu, não. Uma vez passei lá no Instituto Lula para conversar sobre alguma coisa, não me lembro o que fui falar com ele. Na hora de eu ir embora, ele disse “estou preocupado com essas coisas do Twitter aí. Você está batendo na Globo toda hora, chamando de PIG, os caras vão te mandar embora.” Um mês depois, eu estava gravando uma novela das seis e meteram a mão na porta e entraram, quando metem a mão na porta e entram, é dono, ninguém faz isso na Globo quando está gravando. E era o João Roberto, que nunca ia à Globo, quem ia sempre era o Roberto Irineu, que era o presidente da TV.  O diretor ficava lá no switcher, longe. O que está acontecendo aí, Zé de Abreu, está maluco? Falei: não, nosso chefe está aqui. O João Roberto Marinho está aqui visitando o estúdio. Venha aqui, vou te apresentar a ele. Aí veio o diretor, apresentei. Os outros atores estavam ali e tal. Ele estava com o presidente, acho que da Tramontina, de alguma empresa grande. Eu chamei ele em um canto e falei: engraçado, falei com o Lula semana passada, ele disse que estava com medo, que eu estava fazendo muita política, que vocês iam me demitir. Falei na cara dura. Ele me disse “Zé de Abreu, você não vai ser demitido nunca. Por três motivos. Primeiro, você é um baita ator. Segundo, você é um baita ator da Globo, tua cara é de ator da Globo. E terceiro, você é a prova viva de que a Globo – fazendo aspinhas – não interfere na vida pessoal dos seus contratados. Essas aspinhas têm 50 anos; eles fazem isso para todo mundo. Todo mundo. Eles não se metem na vida pessoal do contratado. Aconteceu uma vez que eu fiz o “pai” da facção numa novela. É o Leandro dessa novela, O Fim do Mundo, do João Emanuel, na Rede Globo. Eu fazia um cara milionário, mas que era bandido de extrema-direita. E começaram a colocar na internet que eu tinha me inspirado no Lula. Eu falei: absolutamente, não é no Lula. O Lula não quer tocar na palma em favela e nem fica tomando vinho francês todo dia. Eu me inspirei no Fernando Henrique. Aí deu um bafafá. Uma das filhas do Fernando Henrique entrou em contato com a Globo e pediu a minha cabeça. Como era o nome do presidente da Globo? Ele saiu há pouco. O jornalista gaúcho, Schroeder mandou para a Mora. E a Mora perguntou: “Eu faço o quê?” Ela era diretora da novela, diretora de núcleo. O Schroeder falou as famosas aspas. E mandou para ela. E, uma semana depois, ela foi pega como a funcionária fantasma do Senado e ela pediu demissão. Mas eu nunca tive problema, não. Ali estavam Herson Capri, Osmar Prado e Paulo Betti, que davam opiniões. 

Isso se comprova nesse vídeo que recuperaram de 1989, todo mundo cantando, o elenco cantando Lula Lá, aquilo é um símbolo.

Você sabe que aquilo foi uma brincadeira com a festa de fim de ano da Globo? Hoje é um novo dia… Tinham pedido para a gente ir todos coloridos, mas para o Lula, nós fomos todos de branco. 

Já que falamos de presidente e de comunismo, estamos vivendo um novo evento na Venezuela…  na época do Guaidó, você foi empossado no Galeão como o autoproclamado presidente…

Jurei com a mão na Constituição e tudo. Depois fomos lá para o oito de março, na Cinelândia; eu não quis subir no palco, porque, obviamente, era Dia das Mulheres, não tinha nada que fazer lá. Mas fui para o Amarelinho, fiquei quatro horas tirando fotografias; nunca na minha vida de ator isso aconteceu. Eu ia no Amarelinho na boa, tirava duas, três fotos e acabava. Nesse dia, fiquei quatro horas, não conseguia tomar um chope sossegado, fiquei quatro horas. E as pessoas cantando: “Um, dois, três, quatro, cinco mil, o Zé de Abreu, presidente do Brasil!” Cada hora inventavam um chavão. Foi um negócio louco, foi uma coisa absurda; jamais pensei que isso fosse acontecer.  Alguém escreveu na Folha, eu acho, uma psicóloga, que é uma coisa meio junguiana, que o inconsciente coletivo estava precisando de uma piada nacional. Eu estava na Grécia, tinha tomado umas cachacinhas gregas, comecei a ler o Twitter, e vi o Guaidó se autoproclamando; falei: “Pô, vou me autoproclamar.” Fiz uns 10 tweets, uns 10 posts, e, no final, falei “Bom, vou dormir para me concentrar, para amanhã estar com a cabeça boa, e, como conselho presidencial, se puderem, façam sexo antes de dormir. Boa noite.” No dia seguinte, quando acordei, com o fuso com o horário, meu Twitter, meu telefone estavam entupidos. O Lula escreveu uma carta dando apoio, a Dilma dando apoio, o Haddad, o Cantalice, todo mundo. Foi um negócio de doido; foi uma catarse, foi uma piada. O Bolsonaro ficou louco, fez uma live, soltou os cachorros em cima de mim. Eu pedi demissão do cargo dia 1º de abril.

Você quer falar da experiência de Maricá?

Maricá é uma cidade sui generis. Faz um ano e meio que estou indo para lá e eu cada vez me surpreendo mais. O Quaquá fez uma revolução utópica lá, e o Fabiano é um pé de boi. O Fabiano trabalha, eu canso. Se você acompanhar o Instagram dele, você se cansa só de ver o Instagram. O cara não para. Tem aquela história do ônibus de graça desde o primeiro governo do Quaquá. Os vermelhinhos têm ar-condicionado, são ônibus novos. Ninguém estraga. Toda a rede de ônibus é gratuita. Até as bicicletas, as vermelhinhas. Depois, tem as vermelhinhas, as bicicletas, e tem as “vermelhinhas” que eu chamo de bicicletinhas, para as crianças poderem andar com os seus pais, que lançaram agora, no mês passado. Tem o Mumbuca, o Banco Mumbuca, e a moeda Mumbuca, que é a mais parecida com o Suplicy, R$ 200 em comida; a pessoa ganha um cartão e esse cartão é recarregável e ela compra nos armazéns que têm convênio com a prefeitura. Então, o cara que ganha Mumbuca, mas também o Bolsa Família, quer dizer… Se você está inscrito no Bolsa Família e no Mumbuca. Então, você bota R$ 600 mais R$ 200 do Mumbuca, totalizando R$ 800, que é o mínimo que uma pessoa ganha lá em Maricá. Tem incubadora social de cultura, tem incubadora social de computação e tem aquele plano cubano de alfabetização de adultos, que também está dando muito resultado. Estão tentando fazer todas as escolas em período integral; ainda não se conseguiu fazer todas. 

Você integra hoje o time da preparação do plano de governo do Quaquá em Maricá?

Exatamente, junto com o presidente do PT, o Joãozinho, presidente do PT estadual no Rio, que é candidato a vice. E com o pedido pessoal do Quaquá, deputado federal, que há um ano e meio está me namorando, há um ano e meio a gente foi junto para Cuba, no 1º de maio, começamos a conversar. E este ano, lá em Mariel, conhecendo Mariel, a gente acabou se encontrando. O Quaquá é muito fã do Vladimir Palmeira. O Vladimir é um utópico, um sonhador, uma cabeça maravilhosa. Conheci ele em 1968, fui segurança dele a primeira vez que ele foi para São Paulo. Uns meses antes do Congresso da União. Ele já estava condenado no Rio e a gente tinha que ficar escondendo ele lá. Ele só subiu no palanque na última hora, falou, já tinha tido a passeata dos 100 mil, já tinha tido o calabouço. E o congresso da União foi uma loucura, porque a gente ficou três dias lá discutindo o credencial para ver quem votava, a briga da AP com a dissidência. Porque o Vladimir era da dissidência carioca, o Dirceu, da Dissidência paulista. Tinha várias dissidências no Partidão. E o Travasso era de AP, era o presidente, o Dirceu era presidente da UE, de São Paulo, e o Vladimir era presidente da UMES, que era metropolitana, porque o Rio era uma cidade-estado. Então, em vez de ser UE, chamava UMES. Era um cargo parecido com o do Dirceu, mesmo nível. Então, eram dois candidatos da dissidência, uma carioca e uma paulista, e um candidato a presidente da União, que era o Travasso, que era o João Marco Van der Wey, aqui do Rio de Janeiro.

que você remeteu a esse período de ditadura etc., teve uma pesquisa recente que falou sobre a mudança da posição do Brasil com relação à liberdade de expressão e acesso à informação. Como você tem uma atuação muito forte no Twitter, o seu perfil é sempre referência para os dois lados, você percebe alguma mudança? Você acha que essa pesquisa demonstra mesmo uma nova realidade que estamos vivendo? E você acha que o Brasil deve ter uma regulação das mídias?

Olha, acho que o Twitter mudou muito, o Twitter era um campo mais de discussão política, mais elevado; aquela história de ter apenas 140 caracteres exigia um poder de concisão muito grande nas suas ideias. Não tinha essa coisa de juntar um tweet no outro, de fazer thread; quer dizer, você tinha que ser curto e grosso, porque o outro tweet, mesmo que fosse em sequência, poderia não sair em sequência, dependia das outras pessoas na sua TL. Às vezes, se colocava uma sequência, ia sair de 10, 20 posts, depois outro; a pessoa não fazia ligação. Então, a necessidade de ter uma capacidade de síntese era muito grande. Tinha uma piada que dizia que o Orkut era para o primeiro grau, o Facebook para o segundo grau, e o Twitter era para o universitário completo. E hoje, no Twitter, você pode escrever cartas imensas. E aí começou essa invasão do gado leiteiro. Qualquer coisa que você escreve, vem também 500 respostas idiotas. A primeira coisa é que eles não conseguem escrever Rouanet; não tem um que consiga, e eles não vão no Google, rapaz. Eles escrevem Rouanet de todos os jeitos possíveis, com H, com 2N, com TH, com Y. É uma loucura; eles conseguem escrever Rouanet das maneiras mais esdrúxulas, mas nenhum consegue escrever o nome do homem, coitado. Ainda bem que ele morreu; ele ia sofrer muito. Quanto à regulação, acho que precisamos avançar com a regulação das mídias por causa das fake news, principalmente, e dos discursos de ódio. É uma coisa… Não se compara eu falar um palavrão com o cara que diz que vai matar o outro. O cara bota “Lula ladrão”, “Marisa ladrona”, eu coloco duas palavrinhas e acabou. O jeito já virou piada isso. Já fizeram até vários flyers para eu usar, mas eu não uso, não.

`