O Real não foi só um plano econômico, por Aloizio Mercadante
Programa teve êxito contra a inflação, mas não garantiu a retomada do crescimento, aponta o presidente do BNDES, em artigo
Aloizio Mercadante (publicado originalmente na Folha de S. Paulo)
O Plano Real teve sucesso em acabar com a alta inflação, diminuindo o grau de indexação da economia brasileira. A Unidade Real de Valor (URV) permitiu a saída de forma criativa e organizada da alta inflação inercial, sem congelamento de preços. Outro elemento crucial foi a renegociação e a securitização da dívida externa pelo Plano Brady.
Na preparação do Real, o governo renegociou a dívida externa velha, abriu a conta de capitais e elevou brutalmente o juro real, para evitar fuga de capitais domésticos e atrair capital de curto prazo, o que viabilizou a transição da URV para o Real.
A valorização inicial do câmbio foi essencial para a rápida redução da inflação, mas trouxe um alto custo: o início da era de elevados juros reais. De 1994 a 1999, a taxa básica média de juro real foi de 22% ao ano.
Para atrair recursos externos e promover o ajuste fiscal, o governo liquidou ativos estatais por preços reduzidos, sem o planejamento de uma política industrial e sem avaliação estratégica dos desdobramentos.
Depois de 30 anos, a história mostra que o Plano Real teve êxito ao reduzir a inflação, mas não em garantir a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Para reeleger FHC, a âncora cambial foi prorrogada, com a apreciação do câmbio e a deterioração das contas externas, empurrando o país para grave crise cambial, econômica e social.
Do lado financeiro, o déficit em transações correntes aumentou de 2,5% do PIB, em 1995, para 4,5% do PIB, em 1999. Do lado social, o arrocho monetário e fiscal produziu alta no desemprego, de 4,6%, em 1995, para 7,6%, entre 1995 e 1999.
O governo FHC expôs o país a um ataque especulativo decorrente do desequilíbrio das contas externas, recorreu ao FMI e se submeteu ao chamado “Consenso de Washington”. Mesmo assim, não evitou nova crise cambial e novo pedido de ajuda ao FMI (2002), selando o destino dos governos do PSDB, que não venceram mais eleições presidenciais e amargaram uma crise partidária, agravada pelo apoio ao golpe de 2016 e pela adesão de lideranças ao bolsonarismo.
A estabilização do Plano Real só se completou no governo Lula, quando o país quitou a dívida com o FMI e começou a acumular reservas internacionais, que até hoje nos dão autonomia de política econômica. Do lado fiscal, a estabilização está incompleta. Esgotaram-se as estratégias de queima de patrimônio público e de metas de resultado primário ambiciosas, que geraram uma política fiscal pró-cíclica que aprofundou as flutuações da economia.
Ao analisar o Plano Real, o PT reconheceu o mérito da desindexação da economia, mas denunciou a manutenção da âncora cambial, com a apreciação do câmbio e a deterioração das contas externas, e o elevado custo econômico e social, que precarizou a vida da população.
É preciso reconhecer a competência e a inovação da equipe técnica que criou o Plano Real, em particular Pérsio Arida e Lara Resende. Eles têm imensa responsabilidade pelas vitórias do PSDB, mas pressões eleitorais no ninho tucano impediram a saída organizada da âncora cambial e empurraram o país para grave crise cambial, desindustrialização, endividamento público elevado e recessão econômica prolongada.
A despeito das nossas divergências, o país sente saudade do tempo em que a polarização se dava entre o PT e o PSDB. Naquele período, havia disputa acirrada, mas qualificada, sem renunciarmos ao compromisso com o Estado democrático de Direito e com a cidadania.
Economista, Aloizio Mercadante é presidente do BNDES.
Foi ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e ministro da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação