Jordana Dias Pereira e Matheus Tancredo Toledo

Os dados gerais são positivos: Brasil é a 8a. economia do mundo; PIB cresceu 0,8% em relação ao fim de 2023 e 2,5% na comparação com o 1º trimestre de 2023; redução do desemprego (7,9% – menor índice em 10 anos); aumento de carteira assinada (aumento de 33% do trabalho formal em comparação ao ano passado, quase 1 milhão de novos postos); inflação controlada (previsão de menos de 4% em 2024); aumento do salário-mínimo.

Mas, como, a despeito da significativa melhora dos índices econômicos, a reprovação do governo além de não diminuir, dá sinais de elevação? (42% avaliavam positivamente o governo em agosto de 2023 -auge da aprovação; em maio, 33% – segundo a Quaest).

Teria a dimensão material perdido importância como critério para avaliação de governo? A “polarização afetiva”, de fato, cristalizou as percepções e tornou mais difícil a tarefa de deslocar opiniões? Os dados macroeconômicos que são balizadores para compreender os rumos do país estão se mostrando insuficientes para representar a real condição da micro vida material de cada cidadão?

Nesse artigo, apresentamos uma leitura complementar às hipóteses acima, trazendo para o debate dados que possibilitam aventar que ainda há muito o que avançar para produzir uma sensação de melhora da economia e do bem-estar no cotidiano dos brasileiros e das brasileiras. Nas análises anteriores, já havíamos apontado para a importância da percepção acerca da economia para a queda na aprovação do governo desde o segundo semestre de 2023.

A mais recente pesquisa Quaest, de maio, mostra que 62% do eleitorado acredita que o valor das contas de água e luz aumentou; 48% acredita que aumentou combustível; e 73% que aumentou alimentos (aumento de 36 pontos percentuais em relação a agosto de 2023) – conforme gráfico ilustrativo demonstra.

Artigo:
Fonte: Quaest, gráfico elaborado pelo NOPPE

Buscamos aqui olhar para dois dados que podem trazer respostas sobre esta percepção de piora – ou, pelo menos, não melhora na economia:

1. Dados desagregados do IPCA 

Como mencionado no início, a inflação no Brasil encontra-se controlada. Desde janeiro de 2023 até maio de 2024 o IPCA acumulado de 17 meses foi de 6,78%, sendo o item geral de alimentação e bebidas somente de 5,22% – o que, de maneira geral, parece bastante positivo. Mas por que não corresponde à percepção do eleitorado em geral?

Se olharmos para os ítens desagregados, nota-se que alguns – muitos, que são comprados diária ou semanalmente – , tiveram uma subida de preço bastante substancial: 

–       Hortifrutigranjeiros: Hortaliças e verduras subiram 33,32% (23,17% somente nos últimos oito meses); Frutas subiram 19,13%; e Tubérculos/Raízes/Legumes 27,55% (46,79% nos últimos oito meses)

–       Carnes: queda de 12,18% na carne vermelha; e queda de 2,7% no preço das aves e dos ovos. 

Sugerimos que além de impactar na avaliação da população como um todo sobre o desempenho do governo, tais dados podem também ajudar a entender a piora nos índices entre as mulheres – que, como sabemos, são as responsáveis na maioria dos lares por gerenciar a compra de itens alimentícios: Em dezembro, 45% do segmento feminino acreditava que o país estava no rumo certo; em maio, esse número caiu para 40%. No sentido inverso, subiu de 41% para 48% aquelas que acham que o Brasil está no caminho errado.

2. Peso da cesta básica no salário mínimo desde o governo Lula 1

Os dados do DIEESE sobre a cesta básica nas capitais também pode ajudar a entender em que pé anda o poder de compra dos brasileiros e brasileiras frente a outros períodos. 

Se traçarmos uma média da cesta básica nas capitais estudadas pelo instituto e seu peso no salário mínimo desde 2002 (último ano do governo Fernando Henrique Cardoso), é possível entender em que patamar estamos atualmente. Se o primeiro governo Lula abaixouo peso da cesta sob o salário de 69% (em dezembro de 2002, último mês de FHC) para 39% em seu melhor momento (janeiro de 2010), e o primeiro governo Dilma levou tal índice para 38%, nosso atual governo ainda não produziu uma melhoria nesses níveis. 

Hoje estamos em cerca de 50%, patamar não tão distante dos momentos recentes de crise mais aguda: em dezembro de 2008, por exemplo, a cesta básica média nas capitais chegou a representar 52%; durante a crise do golpe em agosto de 2016, o índice chegou a 47%; durante a pandemia, em dezembro de 2021, a 54%; em dezembro de 2022, o governo Bolsonaro entregou o país com 59%. 

Implicações

Olhando para esses dados de impacto mais imediato e cotidiano na vida das pessoas, indica que o governo ainda não conseguiu recuperar a sensação de bem estar dos brasileiros que ainda sofrem com os efeitos das crises mais recentes da pandemia Covid-2019/Bolsonaro, e das crises anteriores de 2016 e de 2008. A melhoria, ainda que exista, ainda não se deu em ritmo capaz de superar significativamente outros momentos de crise. No entanto, é razoável crer que uma parcela significativa da população espere que nosso governo produza exatamente as melhorias das condições materiais e do bem-estar que já fez outrora. Este parece ser um dos desafios centrais do próximo período.

Jordana Dias Pereira é socióloga e coordenadora do Núcleo de Opinião Pública Pesquisas e Estudos da Fundação Perseu Abramo (NOPPE/FPA).

Matheus Tancredo Toledo é cientista político e analista do NOPPE/FPA. 

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