Nas primeiras horas da chuva que atingiu o Rio Grande do Sul, Laura Soares Sito Silveira, deputada estadual pelo PT do estado, estava cumprindo agenda de trabalho a 390km de casa, no interior gaúcho. Laura Sito acompanhou com angústia o volume interminável de água que se acumulava nas estradas por onde passou. “Parecia que eu estava caminhando com a chuva”, relata a deputada em entrevista à Focus. Consciente do papel da oposição e de sua atuação como parlamentar, Laura Sito não se abateu diante da calamidade. Sua liderança garantiu que o governo voltasse atrás na alíquota de ICMS da cesta básica e assegurou a abertura de uma casa abrigo para gestantes

Alberto Cantalice e Fernanda Otero

Presidenta do Diretório do Partido dos Trabalhadores de Porto Alegre, é a deputada estadual mais jovem e a primeira mulher negra a ocupar o cargo na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), iniciou sua militância política aos 13 anos no Movimento Negro, evidenciando-se também como liderança estudantil em manifestações. Ao longo de sua trajetória, foi diretora de Direitos Humanos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e ocupou cargos importantes no Partido dos Trabalhadores.

Eleita vereadora mais jovem de Porto Alegre em 2020 e a primeira mulher negra a presidir uma sessão da Câmara de Vereadores, durante seu mandato, obteve destaque na aprovação de propostas legislativas significativas, como o Plano de Aquisição de Alimentos e a lei municipal de Enfrentamento e Prevenção à Violência Doméstica e Familiar e de Gênero contra a mulher.

A deputada Laura conversou com a Focus sobre responsabilidades do governo do estado e a presença do governo federal, que apresentou ¨o plano mais ousado da história do Brasil do ponto de vista da reconstrução de um território¨, como destacou na entrevista. Leia a seguir:

Como você avalia o impacto da narrativa da mídia, muitas vezes tendenciosa, sobretudo da extrema-direita, que dissemina desinformação? Considerando a tragédia não apenas no Rio Grande do Sul, mas em Porto Alegre, onde você é a presidente do partido, e sua forte ligação com a área popular, como enxerga o sofrimento dos mais vulneráveis, que são os mais afetados nessas situações de catástrofe?

– Então, neste fim de semana, saiu uma matéria superinteressante mostrando um pouco dessa divisão étnico-racial em Porto Alegre, do ponto de vista da tragédia, digamos assim. Os bairros mais atingidos são os bairros onde está concentrada a maior parte da população negra em nossa cidade, considerando que somos uma das capitais do Brasil talvez mais segregadas do ponto de vista étnico-racial. A população negra em Porto Alegre é de 26%, mas está altamente concentrada em torno de oito bairros. Isso é muito significativo. Os bairros mais atingidos pelas cheias são aqueles com maior concentração da população negra, isso se reproduz de certa forma a nível estadual. Eu sou moradora da periferia de Porto Alegre, moro no bairro Sarandi, que é o bairro mais atingido pelas cheias. Nosso bairro tem mais de 50 mil habitantes. Mais de 26 mil pessoas foram atingidas pelas cheias. A minha rua, alagou, estou deslocada da minha casa. E, ainda que a área da minha casa não fosse uma área que tradicionalmente alagasse, pela proporção que foi a enchente no bairro como um todo, muitas áreas do bairro já tinham uma tradição de, em alguns momentos da história, terem alagado. Outras, não. Mas, na proporção dessa cheia, muitas alagaram. Até as que nunca tinham alagado. Eu acabei estando muito envolvida, nas primeiras horas, no resgate direto das pessoas, convencendo os vizinhos a saírem de casa e dizer que a água estava chegando, tentar organizar as pessoas para irem para abrigos, organizar abrigos. Teve um segundo momento em que os abrigos que tínhamos organizado para as pessoas também alagaram e as pessoas tinham que ir para outros abrigos, em outras regiões. Foram 72 horas muito intensas mas os salvamentos continuam ocorrendo entretanto agora, mais de animais. Ainda temos cidades como Canoas, por exemplo, que metade da cidade toda está debaixo d’água. E outras cidades, como Eldorado do Sul, onde 100% da cidade ficou debaixo d’água. E pela ineficiência dos diques, ou diques que romperam, dependendo da realidade das cidades, elas se tornaram uma espécie de piscinas. Como os rios começaram a baixar, a água começou a ir em direção à Lagoa dos Patos, em direção ao oceano. Isso faz com que na região Sul alague, mas, ao mesmo tempo, não fez com que a água diminuísse dentro dos centros urbanos porque as bombas não funcionaram. Ontem (sexta-feira, 17) chegaram bombas de São Paulo; o Governo Federal trouxe para cá bombas da Sabesp, mais potentes, para, a partir de hoje (sábado, 18), serem instaladas e começarem o bombeamento para baixar a água de dentro das cidades. Então, tu paras ao lado do Guaíba e vês que seus córregos e arroios já baixaram. Tu vês que tem uma baixa, mas dentro da parte urbana a água continua alta porque não tem força para ser retirada. Então, de fato, foi algo numa proporção que ninguém imaginava e histórica. Nós já tínhamos vivido no Vale Taquari aquelas cenas; eu estive lá também. Presido a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, então estive em várias oportunidades, desde a visita do Vice-Presidente Geraldo Alckmin, até acompanhando a população naquele território como Comissão de Direitos Humanos. Já foi um processo muito difícil, agora é numa proporção maior e também se repetindo naquele território, fica ainda mais complicado. Obviamente, a extrema direita no Brasil compreendeu que um processo como esse é um processo de desorganização social. Todas as desigualdades, todas as questões ficam num cenário de desalinho como esse, mais pujantes. Exatamente por causa disso: uma tragédia atinge todos, mas cada um perde coisas diferentes, em proporções diferentes, tendo principalmente perspectivas de futuro distintas. Uma coisa é você ter uma renda, ter bens… Trabalho… Que te possibilitem pensar. Eu, por exemplo, graças a Deus minha casa não ficou cheia d’água; minha rua alagou, minha casa estava em uma parte mais alta e não foi atingida. Mas, nas primeiras horas vendo o bairro todo submerso, eu tinha certeza de que minha casa também estaria toda submersa. Já estava pensando: bom, vou pegar aqueles financiamentos para pagar em 20 anos, vou fazer isso, fazer aquilo, porque vender a casa agora não vai ser possível mesmo. Começas a ter uma perspectiva de pensar o futuro. Quem não tem, vive uma depressão, um desalento, um processo muito duro. E esse é um terreno infelizmente muito fértil para que forças trevosas da sociedade possam pensar e organizar uma agenda política. E é isso que eles tentaram e ainda estão tentando fazer no Rio Grande do Sul. Após 72 horas iniciais de resgate, começou a se organizar uma rede de solidariedade, e nesse momento começaram com uma rede de fake news muito forte sobre o número de mortos, sobre a ideia de que o Estado atrapalha, que o Estado não está presente, que atrapalha, de que é apenas o povo pelo povo e da necessidade de um debate de segurança pública mais forte para conter o desalinho social e a desorganização. E daí, tivemos o prefeito da capital propondo uma GLO. Aconteceram casos de saques, situações assim, mas não um caos instalado que justificasse o uso das forças armadas. Acho que nisso o governo Lula foi muito bem, pois chegou com um plano ousado, o mais ousado da história do Brasil do ponto de vista da reconstrução de um território, apresentando uma política, um primeiro plano, um CPF direto para as pessoas e isso possibilita que a sociedade comece a encarar a sua realidade. A Deputada Maria do Rosário me contou sobre uma conversa que ela teve com um psicólogo sobre as fases de uma tragédia: primeiro, a adrenalina de salvar as pessoas; depois, a empatia com o processo de solidariedade comum; e, por fim, a busca de um senso de realidade. Esse é o momento em que estamos agora, com as pessoas voltando para casa, vendo o que sobrou e pensando em como reorganizar. Nessa hora, o Estado chega, e é só o Estado que tem condições de ofertar esse tipo de acolhimento e suporte. O voluntariado é muito importante e foi fundamental, sem sombra de dúvidas. Se o voluntariado não estivesse presente, muito mais vidas teriam sido perdidas. Ele é essencial, mas quem tem condições de oferecer respostas estruturantes para a vida das pessoas é o poder público, é o Estado; é o seu dever. E é exatamente nesse momento do senso de realidade que o Estado chega e apresenta às pessoas uma perspectiva de presente e de futuro. Isso não significa que a dor no próximo período não será grande; ela será grande porque serão meses até se poder entrar numa casa permanente. Muitas pessoas vão perder postos de trabalho. As próximas semanas serão de anúncios com o ministro Fernando Haddad e o presidente Lula, de um pacote para os empresários pequenos, médios e grandes, no sentido de garantir os postos de trabalho. Mas é inevitável que um processo como esse não apresente uma retração econômica e um período duro pela frente. Então, é nesse estágio que já estamos nos preparando enquanto sociedade, e nisso com a presença forte do Estado. As fake news ficaram um pouco desbaratinadas nas últimas horas, mas infelizmente estamos lidando com um expediente contínuo e corriqueiro. Precisamos estar vigilantes e ativos para não permitir espaço para isso. Nesse sentido, a instalação do Ministério da Reconstrução do Rio Grande do Sul, com o Ministro Pimenta, é muito importante na disputa dessa narrativa, porque não estamos falando somente do território do Rio Grande do Sul; estamos falando de uma discussão que entra no centro de uma discussão nacional. Então, é muito estratégico que consigamos acompanhar isso no centro do nosso projeto de país.

O governo federal nomear Paulo Pimenta, um representante do Rio Grande do Sul, traz consigo a responsabilidade completa na resolução dos problemas da população. Ao designar Paulo Pimenta para o cargo, alguém com credibilidade para essa função por ser um deputado do Rio Grande do Sul e um ministro importante do governo Lula, coloca uma grande responsabilidade sobre o PT do Rio Grande do Sul, trazendo os problemas para serem resolvidos no âmbito federal. Gostaria que comentasse sobre a validade desse ministério extraordinário, que está programado para atuar até fevereiro de 2025.

– E ele tem que ser temporário mesmo, tem que ser para acompanhar a elaboração, o planejamento e o empenho das ações. Algumas coisas vão ser feitas e entregues mais rapidamente, a maioria provavelmente bem depois desse período de atividade do Ministério Extraordinário, mas ele é para planejar e conseguir ter um acompanhamento minucioso do governo federal na estruturação deste plano de reconstrução. Nós, do PT do Rio Grande do Sul, de forma conjunta, todos os parlamentares, todas as forças políticas, já estávamos dialogando no sentido de que era fundamental ter um escritório e uma autoridade federal aqui no estado, e que era essencial ter alguém com muita envergadura para poder fazer essa disputa de concepção de reconstrução. E o ministro Paulo Pimenta, por ser o único ministro gaúcho na Esplanada, era fundamental que fosse ele este nome. Sabíamos que, em função de ser ministro da SECOM, talvez não fosse possível, mas que seria a melhor opção. Então, antes mesmo do presidente pensar nisso, já estávamos organizados e reivindicando isso, porque fica muito visível quando precisamos liberar um conjunto gigantesco de recursos e temos um governador que defende o estado mínimo. Essas duas perspectivas são incongruentes: para onde irá o recurso, o que será prioritário etc. Então, acho que conseguimos nos posicionar muito bem com essa movimentação.

A senhora acredita que a falta de ações efetivas dos governantes das grandes cidades do Rio Grande do Sul e do Estado em relação às questões ambientais contribuíram para a atual crise climática? Houve uma frouxidão quanto às leis ambientais?

– A flexibilização da legislação ambiental é obviamente o tema mais importante, o mais estratégico nessa discussão e o mais difícil de tratar. O Twitter bagunça um pouco as coisas, porque em 180 caracteres você não consegue explicar nenhuma ideia de maneira mais aprofundada, resultando muitas vezes em agitação. Houve um conjunto de governantes nos últimos 10, 15 anos que foram aprofundando uma agenda de revisão ou desregulamentação ambiental para maximizar o lucro de alguns setores produtivos. Sim, isso aconteceu e tem piorado a condição de sustentabilidade climática no Brasil e no mundo. Obviamente, passamos quatro anos de governo Bolsonaro com isso sendo o centro de uma discussão mundial, o papel da Amazônia, etc. Então, obviamente, tudo isso impacta nos eventos climáticos que temos vivido no Brasil e no mundo. Agora, é culpa do governador a enchente? Não, a enchente não é culpa do governador. Às vezes, simplificamos as coisas e elas ficam numa agitação na rede. Isso significa que o governador não tem responsabilidade sobre como a enchente afetou o Rio Grande do Sul? Não, não significa. Ele tem responsabilidade também. Por quê? Porque, além de ter aprofundado a desregulamentação do ponto de vista ambiental, ele também não investiu na proteção do Estado. Para prevenção de calamidades, teve apenas R$ 50 mil de investimento e problemas na estruturação das defesas civis, enfim, uma série de questões, mesmo após setembro de 2023. Lembre-se que o ano passado foi o primeiro ano dos governos, e o orçamento se fecha no final do ano para os próximos quatro anos. Então, fechamos o debate orçamentário para os próximos quatro anos após a experiência de setembro. O debate ambiental para nós já estava no centro da discussão, e mesmo assim não esteve no centro da agenda de investimentos do estado, numa readequação da concepção do poder público para essa pauta. Portanto, nisso há uma responsabilidade significativa, porque em setembro tivemos uma situação em que, claro que agora foi o Estado todo, mas em setembro no Vale Taquari, nenhuma imagem, nenhuma reportagem é capaz de mostrar o que os olhos foram capazes de ver para quem foi lá. Eu nunca tinha visto simplesmente cidades sumirem do mapa. Eu estava com o vice-prefeito na ida do vice-presidente Geraldo, e ele olhou e disse: “Vice-presidente, aqui era a minha casa.” E eu fiquei pensando: como é que ele sabe que aqui era a casa dele? Porque não havia nada, nada, nada, literalmente nada. Como é que ele sabia que ali era a casa dele? Foi um nível de destruição muito grande. Então, tivemos setembro, tivemos em dezembro chuvas fortes, algumas com impacto menor, mas para quem mora em área de risco, muitas dessas casas que hoje foram perdidas já haviam sido alagadas em dezembro. Tivemos em 16 e 18 de janeiro tempestades terríveis, onde o Estado todo ficou em um apagão, e agora em maio a enchente nessa proporção. Estamos enfrentando uma série de eventos climáticos intensos e não vimos uma movimentação efetiva, contundente e estruturante por parte do poder público para lidar com isso. Portanto, há sim uma responsabilização dos governos perante essa crise. Agora, também é verdade que tivemos governos que se prepararam e que mesmo assim tiveram impactos terríveis devido à proporção da cheia. Um exemplo disso é Canoas e São Leopoldo. Canoas tem um escritório do clima e desenvolvimento sustentável, investimentos em construção e meio ambiente, mas metade da cidade ficou inundada. São Leopoldo, o prefeito Ari foi muito eficiente na evacuação de territórios e nos avisos à população, levando a sério as informações da academia e dos institutos, mesmo assim o dique rompeu e a cidade ficou inundada. Portanto, mesmo com a preparação, a situação foi terrível. Imagina para quem não teve, por exemplo, Porto Alegre, que poderia ter tido um impacto muito menor. Desde 2018, havia um apontamento de manutenção das casas de bomba no valor de R$ 60 mil reais e não foi feito. Esta semana, saiu no Intercept que o fiscal da prefeitura responsável por acompanhar a manutenção das casas de bomba trabalhava nisso desde 2017 e 2018, e em 2020 ele virou sócio da empresa que presta serviço para a manutenção das casas de bomba, as quais não foram devidamente mantidas. Ele fiscalizava a empresa e depois tornava-se sócio dela, que não executava o serviço antes nem depois. Isso representa uma espécie de porta giratória num epicentro que contribuiu para a proporção da cheia na cidade. Temos um conjunto de responsabilidades e um debate considerável do ponto de vista jurídico a ser feito no próximo período. Do ponto de vista político, é fundamental realizar esse debate, sendo o debate ambiental, sem dúvida, crucial no centro dessa discussão de reconstrução do Estado.

Foto: Gabriel Ribeiro/CMPA

Deputada, como estão as ações de proteção às mulheres com notícias tão cruéis de abusos contra elas em um momento tão trágico?

– É realmente impactante como a situação de desalinho social intensifica as manifestações de comportamentos adversos, como os roubos e a violência. Entre os ladrões que se aproveitam da desorganização social, alguns chegam até a saquear barcos. A criatividade perversa de algumas pessoas em meio à calamidade pode ser chocante, como uma cena que circulou nas redes de alguém que saqueou para fazer churrasco em uma laje, ilhado. O aumento de casos de abusos, particularmente contra crianças, retrata um problema social crônico que é agravado em situações de caos, como a que estamos enfrentando. A vulnerabilidade das crianças, que eventualmente ficaram sozinhas em abrigos durante algumas horas para que seus pais tentassem recuperar suas coisas, é desoladora. Por isso, começamos uma ação junto com o Governo do Estado, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, enfim, com vários órgãos, para oferecer abrigos exclusivos para mulheres e seus filhos. Essa é uma medida crucial para proteger aqueles que estão mais vulneráveis nessas circunstâncias. Além disso, os esforços para abrir abrigos específicos para gestantes e imunodeprimidos são fundamentais para cuidar da saúde das pessoas em meio a essas condições difíceis, especialmente considerando a propagação de doenças em ambientes fechados. É essencial cuidar das pessoas nesses momentos de crise e transição, fornecendo apoio e abrigo temporário até que tenham condições de recomeçar e reconstruir seu futuro. São iniciativas como essas que demonstram uma preocupação genuína com o bem-estar da comunidade e uma busca por soluções para enfrentar as adversidades presentes. Essas ações demonstram um compromisso em proporcionar um ambiente mais seguro e acolhedor para aqueles que estão passando por tempos difíceis.

As bancadas do PT e do PCdoB na Assembleia Legislativa logo nos primeiros dias da tragédia, emitiram uma nota pedindo para que o governo tivesse ações diretas, como redução do ICMS, uma luta antiga do partido. Como podemos tratar de maneira aberta, uma vez que o PT é oposição ao governo, até que ponto é possível não politizar o que aconteceu no estado?

– Sobre o aumento do ICMS, realmente foi irônico e trágico que o decreto do governador que aumentava os impostos sobre a cesta básica entrava em vigor no primeiro dia da cheia. Nós tínhamos uma agenda que unificava os setores empresariais e populares do estado para lutar contra esse aumento, e conseguimos barrar a medida na votação da assembleia. O governador acabou tendo que recuar e derrubar o decreto que entrou em vigor no dia 1º de maio, de forma irônica, no Dia do Trabalhador, que coincidentemente foi o dia mais difícil da cheia. Apesar de não recebermos o devido crédito, o governador teve que recuar e abraçar praticamente tudo que nós apontamos. Reforçamos a importância de disponibilizar recursos financeiros para a população afetada, o que resultou na ampliação do programa Volta por Cima, oferecendo auxílio aos atingidos. Além disso, sugerimos a criação de um fundo, que também foi implementado. Nesta semana, será aprovado pela Assembleia, incorporando diversos pontos propostos por vocês. Dessa forma, é evidente que uma oposição consistente e experiente, que já governou o estado duas vezes, está contribuindo para apontar caminhos e auxiliar de forma significativa, apontando caminhos.

O que se notabiliza muito nessa tragédia é a participação popular mesmo que desorganizada de pessoas do povo. Vimos que o brasileiro mais uma vez apesar dessa contaminação ideológica do bolsonarismo, quando acontece uma coisa nesse nível o povo brasileiro mostra sua face verdadeira com muita solidariedade. Como é que você avalia isso?

– Sem sombra de dúvidas, para aqueles que defendiam a ideia de emancipação do Sul do Brasil, especialmente após essa tragédia que nos atingiu, ela foi soterrada. Só temos que agradecer imensamente a todo o Brasil, e a todos aqueles que desempenharam um papel essencial no auxílio às regiões afetadas. Além dos influenciadores digitais que vieram para fazer confusão, também tivemos aqueles que vieram genuinamente para ajudar, incluindo protetores dos animais e surfistas que foram fundamentais no resgate em Eldorado do Sul, uma cidade completamente inundada. Muitas pessoas incríveis vieram aqui para oferecer assistência, assim como aqueles que enviaram doações, que têm sido de extrema importância nesse momento difícil. Não há dúvida de que o espírito de esperança, carinho, amor e solidariedade do povo brasileiro foi fundamental. Mesmo que o Poder Público fosse organizado, seria incrivelmente difícil para eles lidarem com uma crise nessa escala sozinhos. Eles são fundamentais na organização e no suporte às pessoas, permitindo que tenham para onde ir, mas resgatar tantas pessoas de tantas cidades simultaneamente é uma tarefa monumental. A ajuda e solidariedade demonstradas por tantas pessoas mostram a força e união do povo brasileiro diante das adversidades. É reconfortante ver que, mesmo em tempos difíceis, a empatia e o apoio mútuo prevalecem, demonstrando a capacidade de colaboração e compaixão do nosso povo. Eu tive a experiência de vivenciar todas as etapas da chuva. No primeiro dia em que começou na região central do estado, eu estava em Itaara, cidade próxima de Santa Maria, que acabou isolada quando a ponte caiu devido à força da água. A chuva era intensa, como se o mundo estivesse prestes a acabar. Eu literalmente disse: Gente, vamos embora, está chovendo demais, fica perigoso. Logo a estrada ficou bloqueada. Nos dirigimos para Santa Maria, ainda sob as fortes chuvas. Decidimos sair de madrugada, pois estava preocupada com a gravidade da situação, e partimos no início da manhã. Cerca de 20 minutos depois de passarmos pela ponte, a enchente tomou conta dela, bloqueando-a. Chegando em Porto Alegre, a cidade estava sitiada e meu bairro inundado, eu fui caminhando junto com a chuva. Foi um cenário de destruição onde dos 497 municípios, 462 foram afetados. É um desafio enorme, e sabemos que levará uma década para se reconstruir em diferentes níveis. Enquanto o auxílio emergencial é fundamental e precisa ser mantido por algumas semanas ou meses para garantir habitação e sustento para as pessoas, as questões estruturais demandam muito mais tempo para serem completamente solucionadas. Cada dia tem sido muito intenso, parecendo que uma semana se passou em 24 horas enquanto nos dedicamos totalmente ao trabalho de reconstrução do nosso estado.






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