Parentes esperam a responsabilização da certificadora alemã Tüv Süd. No Brasil, entidade faz doação aos atingidos pelas chuvas no RS

RISCO – Relatório de 2023 da Agência Nacional de Mineração aponta que Brasil tem ao todo 53 barragens em risco, só Minas Gerais possui 34 – Foto: Reprodução

Familiares das vítimas do desastre da barragem da empresa de mineração Vale S/A localizada na Mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, Minas Gerais, estiveram em Munique, na Alemanha, cidade sede da empresa Tüv Süd para clamar por justiça.

As diretoras da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem, Nayara Porto, que perdeu na tragédia o marido Everton Lopes Ferreira, de 32 anos, e Josiane Melo, irmã de Eliane de Oliveira Melo, de 39 anos, que estava grávida de 5 meses quando foi vitimada, reuniram-se com a procuradoria do Ministério Público de Munique na última quinta-feira, 15, na Alemanha.

Para Nayara Porto, a Tüv Süd é tão culpada quanto a brasileira Vale. Segundo ela, a certificadora “escolheu matar quando assinou um laudo abaixo do que era aceito”. As diretoras têm expectativas sobre a responsabilização da certificadora tanto na Alemanha quanto no Brasil.

Solidariedade

Enquanto as representantes das famílias das vítimas estavam na Alemanha, o Rio Grande do Sul enfrentava a maior tragédia climática registrada no país em decorrência de fortes chuvas. Em solidariedade aos atingidos, a Avabrum aprovou uma ajuda ao estado. Ao todo, serão destinados R$ 2,2 milhões.

A Agência Brasil divulgou que do total, R$ 2 milhões serão repartidos entre o governo gaúcho e o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados, sob gestão do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Os R$ 200 mil restantes serão doados para a Associação dos Familiares e Sobreviventes da Boate Kiss em Santa Maria (AVSTM), entidade que também está arrecadando fundos para ajudar as vítimas do desastre climático.

Os recursos são provenientes de fundo criado a partir de um acordo para indenizar parentes dos trabalhadores mortos na tragédia em Brumadinho.

Minutos de destruição

A barragem da Mina do Córrego do Feijão rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28. A explosão liberou 12 milhões de m³ de rejeitos. Uma onda que atingiu a velocidade de 70km/h, com uma altura de aproximadamente 20 metros se formou arrastando tudo que encontrava pelo caminho.

Nas imagens de uma câmera de segurança, é possível identificar pessoas caminhando sobre o terreno onde ficava localizada a barragem, caminhões transitando e carros circulando. Outra câmera registrou a tentativa frustrada de um motorista tentando escapar em uma das garagens da Vale. O veículo desaparece na tela junto com uma escavadeira que também tenta escapar. Os registros dos poucos minutos de duração da cena mostram a força da massa que percorreu cerca de 26 municípios da região, destruindo 132 hectares de mata Atlântica.

A avalanche provocou a morte de 270 pessoas, sendo que duas delas estavam grávidas. Três vítimas continuam desaparecidas, dois ex-funcionários da empresa e uma terceira pessoa que estava de férias na cidade. Até o rompimento em Brumadinho, o acidente mais trágico aconteceu em 2008 em uma barragem de Lixi, Taoshi, Linfen City, Shanxia, na China, que deixou 277 mortos.

Cinco anos se passaram e os culpados continuam impunes. Foram denunciadas 16 pessoas, entre elas, o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, e mais 10 funcionários da mineradora. Os outros cinco ocupavam cargos na Tüv Süd. Eles foram acusados de diversos crimes ambientais e de homicídio doloso duplamente qualificado, levando em conta que as vítimas não tiveram possibilidade de proteger suas vidas.

Um relatório entregue à Vale, elaborado pela empresa Tracebel em setembro de 2018, apontava problemas na estrutura da barragem. A empresa não apenas ignorou as recomendações, como também suspendeu os serviços, contratando a empresa alemã Tüv Süd. Um email que consta no processo de investigação do caso, enviado por um funcionário da Tüv Süd, relatou que o índice de segurança estava abaixo do recomendado e a pressão que sofria para emitir o laudo de certificação.

Vítimas continuam desaparecidas

O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais ainda busca os restos mortais. O atual procedimento consiste em analisar volumes de rejeitos de minério transportados por equipes de funcionários da Vale a um terminal que analisa o material depositado em esteiras rolantes após triagem inicial.

O monitoramento das esteiras é feito por funcionários e bombeiros. Ao suspeitar da existência de possíveis restos mortais, enviam o material para uma perita que se mantém na área, atuando com os bombeiros. Cinco anos depois, esse procedimento já analisou aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Em entrevista ao jornal FSP, bombeiros e Vale comprometeram-se em manter as buscas até que todos os desaparecidos sejam encontrados.

Nova legislação

O método utilizado no Córrego do Feijão em Brumadinho é chamado de montante. Ele consiste na construção de diques sucessivos “rio acima”, ou seja, sobre os próprios rejeitos depositados. Embora seja o método mais barato e mais rápido, ele também apresenta maiores riscos em comparação com outras opções. No caso da barragem B1 da Mina, foram feitos cerca de dez alteamentos, alcançando uma altura de 86 metros.

Outras opções, como o alteamento em linha central (implantação de um dique sobre o outro) e o alteamento a jusante (diques sucessivamente “rio abaixo”), são pelo menos três vezes mais caras.

A barragem da Mina do Córrego do Feijão foi construída em 1976 e passou por adaptações ao longo de seus longos anos de atividade. Outro desastre similar já havia ocorrido em 2015. Dezenove pessoas morreram e dezenas de municípios mineiros e capixabas ao longo da bacia do Rio Doce foram afetados pela lama, que escoou após a ruptura de uma barragem construída em Mariana, Minas Gerais, pela mineradora Samarco.

A eliminação de todas as barragens construídas pelo método de alteamento a montante se tornou uma exigência legal após a tragédia ocorrida em Brumadinho. A Lei Estadual 23.291/2019, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais, deu três anos para que todas essas estruturas fossem eliminadas. As mineradoras não cumpriram o prazo. Diante da situação, acordos com o Ministério Público de Minas Gerais estabeleceram valores indenizatórios.

Relatório divulgado em dezembro de 2023 pela Agência Nacional de Mineração aponta que o Brasil tem ao todo 53 barragens que aguardam desligamento, com destaque para Minas Gerais que possui 34. De acordo com o documento, 28 dessas estruturas estão avaliadas com algum nível de risco de rompimento.

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