Paulo Tarciso Okamotto, presidente da FPA

Havia pensado em falar sobre as perspectivas políticas do País e do nosso papel como instituição neste artigo comemorativo dos 28 anos de criação da Fundação Perseu Abramo. Mas a gravidade da tragédia das enchentes em Porto Alegre e em praticamente 2/3 dos 497 municípios gaúchos tornou-se um fato maior que mobiliza a atenção de todos. 

Claro que estamos todos comovidos e devemos nos mobilizar, como membros do partido e militantes sociais, para responder ao drama imediato. Enquanto as águas não baixarem, o centro dos esforços se volta para salvar vidas, acolher e abrigar as pessoas. A responsabilidade primeira é do poder público local, estadual e federal, mas o nosso papel como indivíduos também conta. Devemos usar nossa experiência de organização para agregar esforços tanto no partido como nos movimentos sociais.

O Estado deve se fazer presente de forma sensível e clara para as pessoas. A pronta resposta articulada pelo governo federal, nesse sentido, deve ser destacada. O presidente Lula esteve no Rio Grande do Sul na quinta-feira (2/5) e no domingo (5/5), desta vez levando consigo os presidentes do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, e da Câmara Federal, Arthur Lira, além de um ministro representando o Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin. No próprio domingo, a Presidência da República reconheceu o estado de calamidade pública em 336 municípios gaúchos, habilitando-os a receber ajuda federal sem a burocracia de rotina.

De fato, a articulação entre os três Poderes qualifica a resposta na dimensão da tragédia. Já na noite da segunda-feira (6/5) a Câmara Federal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) assinado pelo presidente da República em ato com os representantes dos poderes no mesmo dia. Por este instrumento, válido até 31 de dezembro de 2024, toda a ajuda financeira que será dada ao Rio Grande do Sul será excluída da meta fiscal do ano, repetindo procedimento emergencial utilizado na pandemia da COVID-19. O PDL será aprovado pelo Senado em caráter de urgência. Ao mesmo tempo, alteração será feita na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, em sessão conjunta do Congresso Nacional, prevista para 9/5, de modo a permitir a antecipação da liberação das emendas individuais e coletivas destinadas ao Rio Grande do Sul. Prevê-se, com isso, uma ajuda antecipada de pouco mais de R$ 1 bilhão. Virão na sequência programas variados de crédito e de apoio à reconstrução da economia gaúcha, seja em obras para reconstruir estradas, moradias e estabelecimentos comerciais e industriais, seja em apoio a pequenas e médias empresas.

A comunicação responsável é também um fator crucial nesta situação. Devemos evitar o apelo da crítica fácil e dos memes simplórios nas redes sociais. Se a extrema-direita apela para fake news, nós temos que fazer o inverso. Precisamos destacar as ações positivas em todos os níveis e, sobretudo, alinhar argumentos que afastem o ódio e a mentira. Fatos bem retratados geram confiança nas pessoas e fortalece a sua união.

É certo que existem responsabilidades de agentes políticos locais e nacionais, mas o debate deve ser sereno durante o balanço que virá. No plano federal é de se destacar, como fez o jornal O Estado de S. Paulo em manchete na terça-feira (7/5), o absurdo do atraso da montagem do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil. Proposto pelo governo Dilma Rousseff em 2012, após a tragédia das chuvas na serra fluminense deixarem um saldo de 900 mortos e economias destroçadas em cidades como Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, o projeto de lei dormiu nas prateleiras do Congresso e seu texto conclusivo só será apresentado no final de junho.

De igual modo, soa muito inquietante o fato destacado na manchete principal do portal UOL (7/5) de que a prefeitura de “Porto Alegre não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023”. Já o principal órgão público setorial da cidade, o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), apresenta em seu balanço patrimonial de 2023 um superávit de pouco mais de R$ 31 milhões e um ativo circulante de R$ 428,9 milhões. Ou seja, o órgão tem dinheiro, mas não investiu.

Meteorologistas e ambientalistas gaúchos já vinham fazendo alertas sobre a fragilidade do sistema de prevenção em Porto Alegre, bem como sobre a mudança do padrão hidrológico no Estado, que tem alternado anos de seca extrema com inundações recorrentes. Cidades do vale do Taquari já haviam sofrido outras inundações há seis meses, em setembro de 2023.

O presidente Lula quer definir um plano nacional de combate aos eventos extremos da mudança climática e encarregou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de coordená-lo. Ao mesmo tempo, os sinais de crise em diferentes biomas do País não podem ser ignorados. Durante muito tempo, os alertas para a gravidade das mudanças climáticas foram feitos por especialistas, porém ignorados. O individualismo e a ganância têm levado paulatinamente à destruição ambiental, numa cultura egoísta de acumulação de capital. Não tenhamos ilusões, pois além das obras de reconstrução da infraestrutura destruída, é preciso mudar a cultura da destruição ambiental a partir das escolas, das universidades e das empresas. Só assim poderemos garantir um futuro melhor para todos.

De nossa parte, como Fundação, cabe-nos organizar e provocar esse debate, incluindo outras fundações partidárias. O Brasil tem conhecimento científico complexo na área do clima e tudo no que não podemos incorrer nos próximos meses e anos é em improvisos e negacionismo climático.

`