O Brasil e a China: a política no comando, por Gleisi Hoffmann
“Nós, do Partido dos Trabalhadores, queremos que as relações da China com o Brasil contribuam para que o Brasil dê um salto no seu processo de industrialização e desenvolvimento tecnológico”, aponta a presidenta do PT
Gleisi Hoffmann
O mundo está mudando. A hegemonia americana vem diminuindo. Outros países estão ascendendo. Outro futuro está sendo construído. A questão não é saber “se”, a questão é saber como, quando e com quem vamos compartilhar esse novo futuro. O grande empresariado brasileiro já fez a sua escolha. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. O saldo de comércio acumulado nos últimos 20 anos é de cerca de 250 bilhões de dólares, a favor do Brasil.
A questão é que, se deixarmos as relações entre Brasil e China serem decididas pelo livre comércio, vamos continuar sendo exportadores de primários e importadores de industrializados. Nós do PT não queremos perpetuar esta situação. Queremos reindustrializar o Brasil. Por isso, é preciso colocar a política no comando.
Na China, a política está no comando. Existe mercado, existem empresas e empresários privados, só que – diferentemente do Brasil – a economia privada está a serviço de objetivos que vão muito além do lucro individual. Quem duvida, por favor olhe os indicadores do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e de outras organizações internacionais. Ou então veja as estatísticas da OMS, sobre como a China conseguiu evitar que a COVID 19 causasse a mesma tragédia humana que causou nos Estados Unidos e no Brasil.
Nós, do Partido dos Trabalhadores, queremos que as relações da China com o Brasil contribuam para que o Brasil dê um salto no seu processo de industrialização e desenvolvimento tecnológico. E para isso é preciso colocar a política no comando, ou seja, negociar novos termos da relação. E, mesmo que isso incomode o coração de alguns, para negociar politicamente com a China, é preciso falar com quem controla o Estado Chinês desde 1949: o Partido Comunista da China.
Os chineses valorizam a relação governo-governo. Foi por isso, aliás, que estabeleceram uma relação estratégica com o Brasil, na época de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Foi por isso, também, que adotaram uma parceria estratégica global, assim como incentivaram os BRICS, na época de Lula e Dilma. Mas, para os chineses, a relação partido-partido é muito importante. Totalmente diferente da sanha antipolítica e antipartido da extrema-direita, os chineses vêm promovendo reuniões mundiais de partidos políticos, para os quais são convidados inclusive partidos conservadores.
Sendo assim as coisas, é indispensável – se queremos que a relação Brasil-China se mantenha e se queremos que ela deixe de ser marcada pela exportação de produtos primários – que o Partido dos Trabalhadores mantenha relações com o Partido Comunista da China. Nessas relações, buscamos conhecer e respeitar. Copiar, nunca.
Sabemos que algumas pessoas, no Brasil e no mundo, tratam a China como uma aberração, antidemocrática, totalitária. Sabemos, também, que algumas pessoas acham que nosso modelo político deveria ser os Estados Unidos e a Europa – onde a extrema-direita vem crescendo, apesar de no passado ter causado duas guerras mundiais.
Nossa opinião a esse respeito é a seguinte: não é a China que ameaça a paz nem a democracia no mundo. A ameaça à paz e à democracia está mais ao Ocidente, digamos assim. Achamos, também, que cabe aos chineses decidir que modelo de governança vão adotar. Não somos a favor da ingerência, como os Estados Unidos fazem desde a Declaração Monroe de 1823, tratando o continente americano como “quintal”. E repudiamos os golpes e invasões contra os países e governos que não concordam com o american way of life. Cuba, por exemplo, é vítima de um bloqueio cruel desde a década de 1960.
Sei que para pessoas acostumadas a copiar o modelo dos Estados Unidos, nossa visita à China pode indicar que nós do PT queremos copiar o modelo chinês. Para quem está preocupado com isso, recomendamos relaxar. Não fomos à China copiar modelos, nem o PCCh nos proporia isso. Nossa relação sempre foi de mútuo respeito. Fomos à China conhecer a história e as experiências práticas que levaram um país semifeudal e destruído pela guerra, como era a China em 1949, a transformar-se na potência econômica, tecnológica e científica que são hoje. Uma potência não apenas em benefício de alguns, mas capaz de superar a pobreza e a desigualdade de mais de 1 bilhão e 400 milhões de pessoas.
Só indo à China é possível perceber suas potências, seus problemas e inclusive suas debilidades. Mas não precisamos ir à China para defender algo que já defendemos desde que o PT foi fundado: um país soberano, um país igualitário, um país com liberdades democráticas, um país desenvolvido. E um “socialismo com características brasileiras”.
Este é o modelo que queremos construir com nosso povo, sem copiar ninguém, mas sempre conhecendo e respeitando as experiências de partidos de tradição socialista, popular e democrática dos mais diversos países. A história recente do Brasil mostrou, mais uma vez, quem são os defensores da subalternidade em política externa, da desigualdade social e da ditadura em nossa sociedade. E o povo brasileiro sabe de que lado o PT está e sempre esteve: na linha da reconstrução e da transformação do Brasil. É para contribuir com isso que o PT mantém e continuará mantendo ótimas relações com a China.
Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, é deputada federal pelo Paraná