Para não esquecer: o estadista inocente e o golpista covarde
Há seis anos, Lula era encarcerado em Curitiba injustamente. Antes de ser preso, o petista percorreu o país em busca de inocência, sempre à disposição da Justiça. Mesmo preso, recusou liberdade provisória. “Não troco minha liberdade pela minha dignidade”, declarou. A postura do homem que se sabe inocente difere do que teme a Justiça: Jair Bolsonaro brinca com o judiciário e com sua militância enquanto teme ser preso por inúmeros crimes
Pouco menos de um mês antes de ser preso, em 7 de abril de 2018, Luiz Inácio Lula da Silva começava a percorrer o país em caravana para se defender da rede de lawfare promovida pela operação Lava Jato.
Capitaneada pelo ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallangnol, a operação tinha por objetivo sua prisão para tirá-lo da corrida eleitoral que acabaria elegendo Jair Bolsonaro, com Lula cumprindo pena na Polícia Federal em Curitiba. Tanto Moro, quanto Deltan miraram cargos políticos: o primeiro se elegeu Senador da República pelo Paraná e a esposa, Rosangela Moro, deputada federal por São Paulo – o segundo, já cassado, se elegeu deputado federal.
A caravana de Lula foi um sucesso e acabou se tornando mais um dos emblemáticos capítulos políticos de sua trajetória de resistência política, mais uma vez em busca de provar sua inocência e proteger a popularidade do primeiro metalúrgico a presidir o país, representante das classes trabalhadores e do movimento sindical.
A primeira parada foi na cidade gaúcha de Santana do Livramento, que faz fronteira com o Uruguai. Ao lado do agricultor José Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai (2010-2015), então Senador do país vizinho e parceiro de lutas de Lula, o petista reiterou que enfrentaria a perseguição política de cabeça erguida e jamais deixaria o país.
Poucas horas antes de ser levado à prisão, em 7 de abril de 2024, Lula voltaria a falar, na tentativa de acalmar a multidão que pedia que não se entregasse, em frente à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, que estava fazendo o correto e que provaria ser vítima de uma prisão e perseguição política.
“Queria dizer ao povo brasileiro que essa decisão minha de aceitar o cumprimento do mandado [de prisão] é para provar uma coisa neste país. Primeiro, que eu não tenho medo das denúncias contra mim porque sou inocente. Segundo, poderia ter fugido. Estive na divisa do Paraguai com o Brasil, estive em Foz do Iguaçu, estive do Uruguai e da Argentina, poderia ter saído. Poderia ter ido para uma embaixada”, fez questão de frisar.
Daquele dia em diante, Lula seria mantido longe das ruas e do povo brasileiro por 580 dias até que, cumprir o que havia prometido: provada a inocência, a liberdade e a dignidade reconquistadas.
Naquela sexta-feira, 8 de novembro de 2019, a Justiça expediu alvará de soltura, atendendo pedido da defesa do presidente motivado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que havia derrubado, um dia antes, a execução de pena após condenação em segunda instância.
Anos mais tarde, em setembro de 2023, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu anular todas as provas obtidas a partir de delações premiadas na operação que resultou na prisão de Lula, e considerou o encarceramento “um dos maiores erros judiciários da história do país”.
“Tratou-se de uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [contra a lei].”, seguiu Toffoli, que afirmou que agentes se valeram de “verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século 21, para obter “provas” contra inocentes”, como já tinha dito em julgamento anterior.
Toffoli disse, à época, que as decisões decorrentes deste acordo “destruíram tecnologias nacionais, empresas, empregos e patrimônios públicos e privados”. “Atingiram vidas, ceifadas por tumores adquiridos, AVC e ataques cardíacos, um deles em plena audiência, entre outras consequências físicas e mentais”. A ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva morreu em 2017 vítima de um AVC.
No mesmo ano em que Lula, líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto para a presidência do país, Jair Bolsonaro seria conduzido pela extrema-direita ao Planalto e construiria o maior governo militar desde os anos de chumbo. Além do próprio Bolsonaro, surfaram na onda candidaturas proporcionais e majoritárias em todo o país, criando um ambiente reacionário no Congresso presente até hoje, a reboque do bolsonarismo.
O ex-juiz Sergio Moro, que condenou Lula, não esperou nem para disfarçar: foi nomeado Ministro da Justiça de Bolsonaro e abandonou a carreira de magistrado, hoje investigado por abuso de poder econômico.
Liberdade e dignidade
Quando Lula decidiu se entregar à Polícia Federal, naquele histórico 7 de abril, parte das milhares de pessoas que o aguardavam nos arredores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, sentiu-se contrariada. Estavam ali dispostos a proteger Lula da perseguição política e a barrar a ação da Polícia federal, que teve que agir em diálogo com representantes do Sindicato e do PT para evitar um cenário pior de confronto.
“Irei de cabeça erguida e voltarei de cabeça erguida. Podem me prender, mas eu já não sou de carne e osso. Sou uma ideia”, ecoou o presidente Lula ao falar à multidão. Se sua fala já entrou para a história, é preciso relembrar sempre, para reforçar a realidade do estado de alerta que o país vivia e vive, desde o golpe midiático-parlamentar que derrubou Dilma Rousseff em 2016, a primeira mulher a presidir o país.
Seis anos depois, um outro ex-presidente, eleito justamente porque Lula foi tirado da disputa, ainda tenta se explicar porque procurou abrigo numa embaixada logo após muitos de seus mais radicais apoiadores tentarem colocar em prática um novo golpe de Estado: Jair Messias Bolsonaro.
Ainda sob a mira da Justiça, o “mito” da extrema-direita chegou à embaixada da Hungria, em Brasília, na noite de 12 de fevereiro e fez “checkout” na tarde do dia 14 do mesmo mês. Nesses dois dias, segundo reportagem exclusiva do jornal estadunidense The New York Times, ele foi levado para as instalações e aparece nas imagens obtidas pela publicação em conversas com o embaixador húngaro Miklos Halmai. Pouco tempo antes, Bolsonaro havia se encontrado com o ultradireitista Viktor Orbán, com quem mantém diálogo amistoso “de iguais”, na posse de Javier Milei, presidente da Argentina, também alinhado ao discurso extremista de direita.
“De todos os países do mundo, a Hungria certamente é aquele que mais se alinha com a ideologia do Bolsonaro, com a percepção do Bolsonaro sobre a política”, ressaltou o coordenador do Observatório da Extrema Direita, Guilherme Casarões, em entrevista ao portal Diário do Centro do Mundo.
De fato, poucas seriam as nações que aceitariam oferecer abrigo a quem falsifica cartão de vacinação, negou a iminente propagação do coronavírus (impedindo que milhares de brasileiros e brasileiras fossem salvos) e que se recusa a aceitar a soberania do voto popular. Com o passaporte apreendido e sem poder sair do país até que responda por uma série de acusações, resta saber o que ele dirá à Justiça diante de tantos problemas. De um jeito ou de outro, está claro: fugir é a marca registrada de Jair Bolsonaro.