Elon Musk: bilionário ameaça o Estado brasileiro e é investigado pelo STF
Após ataques ao STF e ao Estado brasileiro, ministro Alexandre de Moraes inclui Elon Musk em inquérito das milícias digitais. Em sua sentença, Moraes sustenta que, “na data de 6 de abril”, o dono da X “iniciou uma campanha de desinformação sobre a atuação do STF e do TSE, reiterada no dia 7, instigando a desobediência e obstrução à Justiça, inclusive em relação a organizações criminosas”
O Estado brasileiro está vivendo um momento que poderia ser descrito como distópico, mas se revela um movimento organizado: o ataque orquestrado e organizado da extrema-direita, financiado por bilionários num movimento de neocolonização neoliberal do mercado de tecnologia, em busca de exploração e extrativismo. Muito mais perigosa, a “guerra fria” das big techs coloca em risco países como o Brasil, que está sob ataques de desinformação com fake news, uma nova era de falsificação de imagens com uso de inteligência artificial e redes de ataques que visam fragilizar estados democráticos com o discurso da “liberdade de expressão”.
O último passo, no entanto, foi além: Elon Musk, o bilionário dono da Tesla, que comprou – e destruiu – o Twitter, transformando-o no X, resolveu atacar frontalmente a soberania do Estado brasileiro – ameaçando e afrontando nominalmente o ministro do STF Alexandre de Moraes, insinuando ser ele um “ditador do judiciário”.
No último sábado, 6, Musk usou sua página em sua rede social, o X, para postar os ataques ministro, em resposta a posts do perfil de Alexandre de Moraes para atacá-lo. Em uma post de 11 de janeiro, Moraes parabenizava o ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski por assumir o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ali, Musk questiona: “Por que você exige tanta censura no Brasil?”.
Em outra postagem, ainda no sábado, o bilionário ameaçou desobedecer a todas as restrições judiciais aplicadas ao X no Brasil, alegando que Moraes ameaçou prender funcionários do X no Brasil. Após as postagens, o ministro Alexandre de Moraes determinou a inclusão de Elon Musk entre os investigados do chamado Inquérito das Milícias Digitais, que apura a atuação criminosa de grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais para influenciar processos políticos.
No dia seguinte, pouco antes de o ministro divulgar sua decisão, Musk acusou Moraes de trair “descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”. Sustentando que as exigências de Moraes violam a própria legislação brasileira, Musk defendeu que o ministro renuncie ou seja destituído do cargo. É algo jamais visto e inimaginável o tamanho da afronta do multibilionário às instituições brasileiras.
Investigações
Divulgada no domingo à noite, 7, a decisão de Moraes determina também o início de um “inquérito por prevenção” para investigar as ações de Musk. De acordo com o ministro, a inclusão do empresário no Inquérito das Milícias Digitais foi motivada pela alegada “instrumentalização criminosa intencional da rede social X”.
Além disso, a abertura de um novo processo se deve às declarações recentes de Musk, incluindo uma afirmação de que ele restabeleceria contas de usuários da X suspensas por decisões judiciais brasileiras – uma conduta que, na interpretação de Moraes, pode configurar possíveis casos de obstrução da Justiça e incitação ao crime.
“Determino, ainda, que a provedora de rede social X se abstenha de desobedecer qualquer ordem judicial já emanada, inclusive realizar qualquer reativação de perfil cujo bloqueio foi determinado por essa Suprema Corte ou pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob pena de multa diária de R$ 100 mil por perfil e responsabilidade por desobediência à ordem judicial dos responsáveis legais pela empresa no Brasil”, sentenciou Moraes.
Ataque orquestrado
Os ataques de Musk já foram vistos como exposição ao ridículo, mas se engana quem aposta na tese de que o bilionário está “maluco” ou “fazendo piada” com os brasileiros. O risco colocado é o de repetir a fórmula do aconteceu nos Estados Unidos, alimentando teorias da conspiração, uma importação estadunidense que chegou ao Brasil com o bolsonarismo, e elegeu Donald Trump.
O trabalho do malfadado estrategista da extrema-direita Steve Bannon, que tem ligação direta com os Bolsonaro no Brasil, é financiado por Musk, com capital e o poderio bélico de seus ataques. É grave e representa ameaça à democracia brasileira, tanto que foi lido com o tamanho da gravidade pelos tribunais superiores do Brasil. Em seu blog, a jornalista Daniela Lima apresentou, com exclusividade, informações que apurou no STF.
“Não acho que foi casca de banana, não”, revela a fonte à jornalista, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). “É parte da retomada da extrema direita no Brasil”, concluiu. Para integrantes do STF, Musk age para jogar água no moinho da extrema direita, alimentando com sua própria rede social teorias da conspiração que amparam, por exemplo, a tese de que há “uma ditadura da toga” no Brasil.
Os ataques de Musk e seu X emprestam ao bolsonarismo o poder de manipulação da verdade, distorcendo o sentido da aplicação das leis que protegem o Estado Democrático de Direito tem sido usada como parte da estratégia de blindagem do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados das investigações das quais são alvo. O alerta se acende: se Donald Trump vence as eleições nos Estados Unidos, o Brasil corre risco de ficar em estado constante de ataque e ameaça à normalidade institucional e democrática do país.
Em 2023, a vitória de Javier Milei na Argentina deu mais uma face à organização da extrema-direita em torno de Musk. Bolsonaro, Viktor Orbán (presidente da Hungria), Musk e Trump celebraram uníssono a vitória do presidente que agora aplica o “estado mínimo” e coloca os argentinos em situação de miséria e fome. “A prosperidade está à frente da Argentina”, disse Musk sobre a vitória de Milei.
Musk também adotou uma postura de apoio à Israel na Guerra. O bilionário já visitou Israel durante o conflito e teve conversas privadas com o sanguinário primeiro-ministro do país que vem massacrando Gaza. Recentemente, uma IA de Musk também interferiu no conflito ao inventar uma notícia falsa sobre eclipse solar e ataque a Israel.
A inteligência artificial de Musk, o Grok, acessível aos usuários premium da plataforma X, produziu um texto, como se fosse uma reportagem, só que totalmente inventada, a respeito do eclipse solar que ocorreu na segunda-feira passada, dia 9, intitulada “Anomalia no comportamento solar deixa especialistas perplexos”. No artigo, menciona-se que o astro tem causado “inquietação e confusão generalizada junto ao público em geral”, com relatos de que algumas pessoas estavam mencionando o seu desaparecimento. Coisa de maluco.
Na semana que antecedeu o eclipse, o Grok produziu uma notícia falsa na qual alegava que o Irã havia lançado um ataque contra Israel. Essa informação foi oficialmente divulgada pela plataforma. Embora tenha havido tensões entre os países após um ataque israelense que resultou na morte de dois generais iranianos, a retaliação do Irã nunca se concretizou.
Vivemos em uma época peculiar na qual é necessário esclarecer que a liberdade de expressão não se relaciona com o direito de ofender, disseminar ódio, desrespeitar leis, propagar informações falsas ou incitar a violência contra instituições, como em tentativas de golpe de Estado. Contudo, é exatamente nesse contexto que nos encontramos. Às vezes, é fundamental reiterar conceitos básicos.
Para além do debate sobre a liberdade de expressão em si, Elon Musk ameaçou desafiar explicitamente as decisões judiciais brasileiras, aumentando a tensão e possivelmente levando à suspensão temporária de sua plataforma no Brasil, buscando o que ele quer: defender teorias da conspiração e alimentar as milícias digitais, comprometendo as investigações.
Regulação das plataformas
O ataque de Musk contra Moraes reacendeu o debate, no Brasil, da regulação das plataformas. Lideranças ligadas ao governo federal argumentam que a medida é necessária para disciplinar melhor o funcionamento desses ambientes digitais no Brasil. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), acrescentou que a regulamentação é inevitável.
O tema chegou a ser pautado no ano passado. De acordo com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), mas não avançou por pressão das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs.
Por outro lado, a acusação de Musk reacendeu as críticas da oposição à condução das investigações sobre o 8 de janeiro. Lideranças oposicionistas da Câmara e do Senado se reuniram para discutir estratégias de atuação no Parlamento.
Por interesses comerciais, Musk já ameaçou “dar golpe” na Bolívia
Os interesses de Elon Musk pela América Latina vão muito além da suposta e contraditória defesa da liberdade de expressão nas redes sociais. Em 2020, por exemplo, o bilionário deixou escapar porque andava tão preocupado com as eleições presidenciais na Bolívia.
Na sua rede social, o X, após ser acusado por um internauta de ter participado dos planos golpistas que terminaram com a destituição do governo de Evo Morales, Musk escreveu com todas as letras: “vamos dar golpe em quem quisermos, lide com isso”. O que era para ser uma provocação, acabou por jogar luz ao seu interesse nas reservas bolivianas de lítio – mineral usado como base para desenvolver baterias e carros elétricos da Tesla, empresa da qual é dono.
O tuíte caiu como uma bomba no mundo político, aumentando as especulações sobre a participação dos EUA na queda do ex-presidente boliviano justamente para ter controle sobre o lítio ainda inexplorado do país. O próprio Evo usaria a frase para provar o que antes era apenas teoria da conspiração.
A Bolívia detém 29% dos depósitos mundiais de lítio, segundo o Serviço Geológico dos EUA (USGS, na sigla em inglês), mas ainda pouco explora suas jazidas em escala comercial. O elemento químico é visto como possível substituto econômico do gás natural exportado para o Brasil e para a Argentina, mas a Bolívia, sob a gestão do líder indígena, resistiu como pôde às investidas internacionais para tirar proveito econômico do material.
A resistência durou até 2019, quando Evo assinou contrato com empresa alemã para produzir 40 mil toneladas de lítio por ano a partir de 2022. A decisão gerou protestos violentos por todo o país e o então presidente boliviano cancelou o acordo.
Ainda que não seja prova contundente da participação dos EUA na instabilidade política na Bolívia, tudo leva a crer que, sim, Musk tinha interesses comerciais no país e, pelo que vimos com o exemplo recente no Brasil, seria capaz de qualquer coisa para ampliar a sua fortuna e seguir influente – nas redes e na economia.