O aquecimento global e o debate da crise climática é também assunto das passarelas – ou melhor, do que sobra delas: estudos recentes mostram que a produção em escala industrial da moda se tornou uma inimiga do meio ambiente e cresce o debate sobre o comércio de “segunda mão”

Fernanda Estima

Muito recentemente, era comum que as pessoas não se sentissem atraídas por compras de peças usadas, o chamado mercado de “segunda mão”, que aquecia os corações vintage de quem circulava, de forma quase nichada, por brechós. Mas isso mudou. O aquecimento global e todo debate entorno de salvar o planeta por meio da moda circular mostrou que a produção industrial da moda é altamente maléfica para o meio ambiente. 

Toneladas de lixo, gasto estratosférico de água (para a produção de uma simples calça jeans são necessários 5.196 litros de água), os rejeitos, a energia e a superexploração da mão de obra de costureiras e trabalhadoras têxteis são alguns dos motivos que fizeram com que o consumo de moda começasse a ser questionado.

É necessário? Você precisa desta roupa? O consumo é por necessidade ou por simples consumo? Você sabe quem faz a roupa que você veste? Você sabe de onde vem a roupa que vai comprar? Questões que foram aflorando na sociedade acabaram por levar a um boom no comércio de usados.

Hoje em dia, facilmente encontra-se opções para compra de roupas e acessórios em comércios especializados em peças usadas, os brechós. Surgido no século 19, no caso brasileiro, conta-se que um comerciante chamado Belchior possuía a primeira loja de roupas usadas no Rio de Janeiro. De lá para cá, muita coisa mudou, acompanhando a tendência do próprio mundo das vestimentas, está super na moda não só consumir em brechós como também se transformou em um filão importante de renda e negócios.

São 2,4 trilhões de dólares anuais que fazem da indústria da moda ser a sétima maior economia do mundo. De acordo com a pesquisa do Instituto de Economia Gastão Vidigal, vinculado à Associação Comercial de São Paulo (IEGV/ACSP), em 2022, houve um aumento de aproximadamente 30% no volume de vendas em brechós. Esse número supera o faturamento registrado em 2021, que atingiu a marca de R$ 2,9 bilhões. Com estes números podemos estimar uma ‘janela de oportunidade’ poderosa para o crescimento deste nicho.

O salto digital

Os brechós agora povoam as cidades e as redes. Para muitas mulheres e suas famílias, um meio de sobreviver, para quem está fazendo o debate da crise climática, um exemplo de ação concreta. Mas este mercado passou a ser cobiçado também pelas ricas senhoras do bairro paulistano dos Jardins ou da zona sul fluminense, regiões de metro quadrado mais caro do país e de alta concentração de renda. 

Ficou chique ganhar dinheiro com peças pouco ou nem usadas, muitas vezes importadas ou compradas em viagens internacionais muito descoladas. Com isso, surge uma nova onda no comércio de usados, os brechós com marcas mais poderosas do planeta, mas com preços que não são nada convidativos.

Movimentos sociais e organizações populares também aderiram: “finalize seu pedido e ajude a transformar a realidade nas favelas do Brasil. 100% do lucro é destinado aos projetos da instituição” é o lema de um grande bazar virtual que destina suas vendas para ações em comunidade periférica de São Paulo.

Há também quem impulsione o debate sobre moda e meio ambiente, como a organização Fashion Revolution, que há dez anos realiza debates e atividades voltadas à conscientização sobre outros meios de produção e consumo, sem exploração da vida humana e também da natureza.

Prestes a realizar a semana Fashion Revolution 2024, elas denunciam 150 marcas de moda ligadas ao desmatamento da Amazônia por conta do couro. 

“É alarmante ver como a busca pelo lucro muitas vezes ignora as consequências devastadoras para o meio ambiente e para as comunidades locais. ‍Enquanto cidadãos, é urgente pressionarmos a indústria por práticas sustentáveis na indústria da moda. Como indústria, a transparência é o primeiro passo para acabar com essa triste realidade. É fundamental que a indústria da moda revele como nossas roupas são produzidas, garantindo que o couro não contribua para o desmatamento da Amazônia”.

A proposta da semana espera ouvir os construtores da comunidade, pensadores criativos e organizadores “para orientar a próxima geração de Revolucionários da Moda e explorar o papel da moda em impulsionar a justiça social e ambiental”.

Vivemos um momento oportuno para amplificar este debate, inclusive a partir da visita do presidente da França, que esteve com Lula visitando a Amazônia e ouvindo in loco o que a população de lá tem a dizer sobre desmatamento e destruição do planeta. 

Reduzir a quantidade de compra; reutilizar, aumentando o tempo útil de um produto; reciclar, dando nova vida a um item transformado. Esse tripé, que dá norte à chamada economia circular, tem um de seus grandes exemplos de mercado no setor de brechós. Um nicho de moda com expansão bilionária nos últimos anos, inclusive no Brasil.

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