Nascera há 110 anos em São Paulo. O legado por ele deixado ao longo dos seus 97 anos de vida, é aqui evocado pelas intelectuais brasileiras, Matilde Ribeiro e Claudiléia Lemes Dias, assim como pelo poeta, Filinto Elísio. Todos põem em relevo o importante e multifacetado contributo dele no campo das artes, da política, do ativismo por um Brasil sem racismo, pela valorização da cultura dos afrodescendentes e da sua relação com a África. Um contributo que precisa de ser valorizado e difundido.

Por Dulce Araújo para o Vatican News

Abdias Nascimento: uma marcante figura do século XX 

Foi uma trajetória impressionante a de Abdias do Nascimento que, ainda criança, revelou a sua “veia revolucionária” e “ideias claras” quanto ao que queria para si e para os negros, sublinha a escritora e jurista, Claudiléia Lemes Dias, recordando episódios da infância dele, narrados por ele próprio num documentário.  

Também a ex-Ministra e atual docente da UNILAB, Matilde Ribeiro, que o conheceu pessoalmente, recorda a proximidade e colaboração entre eles quando ela era Ministra da Promoção da Igualdade Racial e ele porta-voz dos Movimentos Sociais e do Movimento Negro.

Já Filinto Elísio, se debruça, mais demoradamente, sobre os feitos de Abdias Nascimento no mundo do teatro, da política, da sua resistência ao regime militar no Brasil, do exílio, das suas relações com a África, enfim, do seu nunca cruzar os braços a fim de que o Brasil fosse melhor para todos os seus povos. Recorda ainda a imensa obra por ele deixada no domínio das artes plásticas, da escrita, da dramaturgia, etc. 

Uma obra não suficientemente valorizada no ensino, embora haja uma lei de 2013 que torna obrigatório o ensino da história da África e dos afrodescendentes a todos os níveis no Brasil, recorda Matilde Ribeiro, segundo a qual a situação é um pouco diferente nas escolas de samba e nas organizações sociais.

Claudiléia Lemes Dias faz notar, por sua vez, que fora de determinadas faculdades em Universidades e no Movimento Negro, o pensamento e exemplo de Abdias do Nascimento, não são conhecidos. Deveriam ser matéria de estudo já nos níveis básicos de escolaridade, até porque ele deixou uma importante metodologia de ensino.

Uma das obras escritas do Abdias consiste numa denúncia já nos anos 70 do genocídio de negros no Brasil, situação de que muitos falam ainda hoje. Para Claudiléia Lemes Dias esta situação deve-se ao facto de os negros votarem em brancos e de os partidos não candidatarem negros nas suas listas eleitorais.

Quanto a Matilde Ribeiro considera que Abdias Nascimento era um homem muito à frente do seu tempo e denunciava o racismo no Brasil quando o país tinha ainda imensa dificuldade em admitir isso.

Abdias Nascimento deixou a sua marca também num concurso sobre a temática do “Cristo Negro” por ocasião do Congresso Eucarístico Internacional, realizado no Brasil em 1955. Para Matilde Ribeiro esse tema terá sido para esse pensador e ativista uma “provocação política” à sociedade brasileira. De resto, o próprio Abdias Nascimento chegou a declarar no referido documentário sobre ele, que os pais eram católicos, mas que ele, desiludido por ver que excluíam a cultura negra, foi-se afastando do cristianismo, até abraçar o candomblé.

A concluir, Matilde Ribeiro dirige ao Brasil, ao mundo, um convite a valorizar e a difundir o legado de Abdias de Nascimento, necessário para compreenderem melhor o Brasil de hoje e para crescerem.