O Brasil lidera o ranking de países com mais homicídios do mundo em números absolutos. Segundo relatório divulgado pela ONU em 2023, fomos responsáveis por 10,4% dos 458 mil homicídios registrados mundialmente em 2021. Neste artigo, a secretária de Segurança Urbana e Cidadania de Juiz de Fora, Leticia Delgado analisa os dados e discute caminhos da segurança pública nos municípios brasileiros

Letícia Delgado

Recentemente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou indicadores apontando para uma redução de 4,09% dos números nacionais de crimes violentos letais (homicídio, lesão corporal seguida de morte, latrocínio, feminicídio e morte por intervenção policial). Essa diminuição é verificada quando comparados os números de 2023 em relação aos de 2022. Apesar da redução, a situação do Brasil ainda é muito desconfortável quando comparada ao cenário internacional. O Brasil lidera o ranking de países com mais homicídios do mundo em números absolutos. Segundo relatório divulgado pela ONU em 2023, fomos responsáveis por 10,4% dos 458 mil homicídios registrados mundialmente em 2021. 

De certo, a violência é um fenômeno complexo, o que impõe o reconhecimento de que uma variedade de causas, ou macro causas, podem influenciar na redução ou aumento dos indicadores. No entanto, especialistas convergem no sentido de que um dos fatores que contribuem para o aumento de homicídios no Brasil é a disponibilidade de armas de fogo. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), 76,5% das mortes violentas no Brasil são praticadas por armas de fogo, sendo que a população jovem, entre 12 e 29 anos, representa mais da metade das vítimas. Mas não é só… a ampliação do acesso às armas de fogo pela população civil tem relação direta com o aumento dos casos sujeitos à Lei Maria da Penha. No Distrito Federal, por exemplo, os indicadores dessa natureza envolvendo colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) cresceram mais de 1800% entre 2009 e 2023.  Importante destacar que quanto maior a quantidade de armas de fogo em circulação, maiores as chances de um conflito no ambiente doméstico ou interpessoal se tornar um crime violento. Além de aumentar as chances de feminicídio, armas de fogo dentro do lar têm relação direta com aumento de chances de suicídio, acidentes fatais, inclusive envolvendo crianças. 

O aumento dos indicadores dos crimes violentos não é a única consequência do incentivo ao armamento da população civil. Em médio e longo prazo, essa política tem como efeito o enfraquecimento do poder do Estado – único detentor do monopólio legítimo da força – ao passo que fortalece o discurso de privatização da segurança, incentiva as ações dos chamados “justiceiros” e potencializa o risco de confrontos letais nas ações das forças de segurança pública. 

Em um dos primeiros atos de governo, o presidente Lula assinou o Decreto nº 11.366, de 1º de janeiro de 2023, que suspendeu os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por CACs. A medida, tanto simbólica como urgente, buscou dar o primeiro passo na reestruturação da política de controle de armas e munições e conter o avanço da política armamentista que predominou no Brasil nos últimos quatro anos. No período de um ano, o número de novos registros de armas de fogo no Brasil caiu 82%. Foram 114 mil registros em 2022 e 20 mil em 2023, menor número desde 2004. 

  Ainda é cedo para concluirmos que a redução dos crimes violentos em 2023 é consequência direta da política desarmamentista adotada pelo governo federal. No entanto, em uma democracia, o foco principal da política de segurança pública deve ser a preservação da vida, e vidas se preservam com ações responsáveis, que passam pelo controle rígido do armamento das forças de segurança e desarmamento da população civil. 

*Letícia Delgado. secretária de Segurança Urbana e Cidadania, Juiz de Fora/MG. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (UFF), com ênfase em Políticas de Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. Mestra em Ciências Sociais (UFJF). É pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Violência e Direitos Humanos (NEVIDH-UFJF) e do Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD-UFF), desenvolvendo pesquisas com foco na estruturação de agendas municipais de segurança pública. Especialista em Ciências Criminais e Graduada em Direito. Advogada licenciada.

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