O governo Lula 3 retoma a iniciativa de propor uma política industrial de longo prazo para o país. No último dia 22 de janeiro, o presidente e o vice Geraldo Alckmin, também titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), na companhia de outros ministros e ministras, anunciaram o Plano Nova Indústria, que prevê aporte inicial de R$ 300 bilhões em sua primeira fase, prevista para acontecer até 2026, com o objetivo de alavancar e modernizar o setor, ampliando sua participação no PIB e nas exportações.

A maior parte desses investimentos – R$ 250 bilhões – virá do BNDES, segundo o presidente do banco estatal, Aloizio Mercadante. O restante, de fontes como a Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas) e Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). O projeto não se encerra em 2026, mas segue até 2033, com novos aportes de recursos, segundo previsão do governo.

Tanto Alckmin quanto Mercadante insistiram, durante entrevistas, que esses recursos não virão do Tesouro Nacional, portanto, não interferem na gestão do orçamento federal nem podem causar danos às metas previstas pelo recém-aprovado Regime Fiscal Sustentável, o conhecido arcabouço fiscal.

Mesmo assim, parte da imprensa e analistas de mercado apontaram, nos dias seguintes, o risco de desequilíbrio nas contas públicas. A crítica desconhece que o próprio arcabouço restringe ao teto de investimentos a capitalização de bancos e fundos públicos por parte da União, mas, por outro lado, não impõe limites aos recursos dessas instituições, desde que próprios ou captados em outras fontes.

Outro ponto discretamente ignorado pela maioria do noticiário é que o Plano Nova Indústria foi debatido ao longo de meses com as principais representações do setor produtivo brasileiro. Gestado no interior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), composto por 21 associações empresariais e as centrais sindicais de trabalhadores, o projeto recebeu contribuições diversas. Durante o anúncio oficial, essas associações estavam presentes.

O projeto também será monitorado, e seus resultados avaliados periodicamente, pelo CNDI e por um conjunto de 20 ministérios. Essa transversalidade pode garantir, segundo o governo, uma execução partilhada que leve em consideração prazos, normas e metas.

Entre as previsões – chamadas de “metas aspiracionais” pelo documento de apresentação –, o plano estabelece, por exemplo, prover mecanização de última tecnologia para 70% das propriedades de agricultura familiar, até 2033, frente aos atuais 18%. A agroindústria saltará dos atuais 18% do PIB agropecuário para 50% em 2033. Ou seja, haverá incremento de atividades que incorporam tecnologia de ponta à atividade agrícola.

Essas duas metas fazem parte das Cadeias Agroindustriais, o primeiro dos seis grandes grupos de atividade industrial em que o Plano Mais Indústria está estruturado. Os grupos receberam o nome de missões. 

Na missão 2, referente ao complexo econômico e industrial da saúde, a meta é garantir que 70% de tudo que é consumido em vacinas, medicamentos e insumos no setor sejam desenvolvidos e produzidos no Brasil, contra os atuais 42%. Na missão 3, que envolve infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade, o projeto quer alcançar uma redução: que o deslocamento entre casa e trabalho caia pelo menos 20% até 2033. Hoje, os brasileiros gastam, em média, 4,8 horas semanais neste trajeto. 

Nas demais missões, metas como essas pretendem traduzir numericamente resultados que devem vir de uma série de medidas que, ancoradas em normas técnicas e critérios de financiamento de projetos e obras, têm o objetivo maior de adensar as cadeias produtivas e dotá-las de maior complexidade tecnológica, ou maior valor agregado. Outro exemplo: na missão 4, que trata de digitalização e indústria 4.0, o objetivo expresso até 2033 é digitalizar 90% de todos os processos do parque industrial, frente aos atuais 23,5%.

Na missão 5, que trata de bioeconomia e transição energética, o objetivo maior é reduzir em 30% a emissão de CO2 na indústria até 2033, além de aumentar em 50% o uso de biocombustíveis no transporte, no mesmo período. Hoje, essa energia responde por apenas 21,4%. A missão 6, da indústria de defesa, quer obter 50% de autonomia na produção de artefatos e tecnologias no setor.

Para chegar lá, o plano adota princípios de incentivo à indústria brasileira que diminuam a dependência externa, portanto ampliem a capacidade exportadora de bens manufaturados. Um desses princípios é ampliar a parcela de compras públicas junto a fornecedores nacionais, em projetos como o PAC, por exemplo, e em mecanização da agricultura. Os percentuais obrigatórios dessas compras serão definidos pelo CNDI e por câmaras interministeriais, em cada área.

Outro princípio é a inovação tecnológica, na base de pesquisa e desenvolvimento de produtos cada vez mais sustentáveis do ponto de vista ambiental. As análises de crédito para projetos serão subordinadas a esses objetivos, entre outros.

Não há risco de descontrole fiscal, diz ministro

Geraldo Alckmin reforçou a garantia de que o plano de modernização e expansão da indústria não vai romper metas fiscais nem onerar o Tesouro. Em entrevista à imprensa, disse que o BNDES não vai tomar dinheiro emprestado da União para uso no Plano Nova Indústria.

A insistente pergunta tem origem no último empréstimo que o BNDES tomou ao Tesouro Nacional, de R$ 440 bi, em 2014. O banco afirma que o empréstimo já foi pago. Corre nas redes sociais outro boato, o de que o dinheiro teria financiado países. O BNDES nega, e diz que em gestões petistas apenas financiou projetos nacionais em solo estrangeiro.

O plano não tem nenhum problema de natureza fiscal, o foco não é esse”, disse Alckmin, ao jornal Valor Econômico. “Ninguém tem mais compromisso com a responsabilidade fiscal do que eu”. O ministro garantiu que o governo não injetará dinheiro no BNDES e que empréstimos com taxas de juros de longo prazo (TJLP) não serão feitos. Ou seja, não haverá estouro da meta fiscal em função do novo plano.

Já o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, afirmou à imprensa: “Não tem nenhuma previsão de receber subsídios do Tesouro. Não tem recurso novo do Tesouro. Não teve esse ano, não terá nos próximos três anos. Nós estamos buscando recursos internacionais, estamos captando recursos no mercado, estamos fazendo parceria com o setor privado, para trazer mais recurso do setor privado para a indústria brasileira”.

Nos governos petistas anteriores foram implementados projetos de política industriais, em 2004 e 2011. Entre os resultados positivos daqueles planos, o Brasil passou a ocupar 1,25% das exportações mundiais, meta do Plano Brasil Maior, de 2011, e de se tornar o mais exportador mundial de carne de origem animal, um dos objetivos traçados pela Política de Desenvolvimento Produtivo, de 2004.

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